ARTIGO 175/LIVRO 2 – TEMA: ATO INFRACIONAL
Comentário de Pedro Caetano de Carvalho
Juiz de Direito/Santa Catarina
Em caso de não liberação, isto é, quando, pela gravidade do ato infracional atribuído ao adolescente e sua repercussão social,deve o mesmo permanecer sob internação,a autoridade policial o encaminhará,desde logo, ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência.
Pelo Estatuto, quem poderá requisitar ou determinar abertura de inquérito policial é o Ministério Público, não podendo mais a autoridade policial instaurar inquérito contra adolescente por sua iniciativa; poderá apenas lavrar auto de apreensão em flagrante ou boletim de ocorrência circunstanciado ao Ministério Público, que, à vista das informações contidas, decidirá sobre a conveniência ou não da requisição, ou, ainda, determinação da abertura do inquérito. Daí a importância da apresentação incontinenti do adolescente ao representante do Ministério Público, para então serem tomadas as providências cabíveis.
Sendo impossível que se faça a apresentação imediata, a autoridade policial deverá encaminhar à entidade de atendimento, que fará a apresentação no prazo de 24 horas.
Entre as diretrizes da política de atendimento, no art. 88, V,do Estatuto está a integração operacional dos diversos órgãos, preferencialmente em um mesmo local, para a agilização de atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional. Onde for cumprida tal diretriz, sem dúvida, a apresentação será imediata.
Como o Estatuto preconiza à municipalização da política de atendimento quando se trata de atendimento provisório, isto é, enquanto não houver a sentença definitiva, o ideal seria que cada Município tivesse sua entidade de atendimento. Como o número de adolescentes infratores, na maioria das cidades, não chega a ser significativo, poderão ser buscadas alternativas de acordo com a realidade. Enumeramos algumas:
1. Uma solução consorciada entre mais de um Município, que, reunidos, poderão manter entidade de atendimento de caráter regional;
2. A criação, nos Municípios-pólos, de entidades de atendimento que, mediante o cálculo do custo per capita, cederiam vaga para aqueles Municípios menores, onde não se justifica a estruturação deste tipo de atendimento. Sempre que houver necessidade de internamento provisório, o Município ressarciria a Prefeitura ou entidade mantededora, por valores per capita. Nesta alternativa como na anterior, o Estado e a União poderão contribuir mediante convênios ou subvenções.
3. O Estado, subsidiariamente, já que as diretrizes da política de atendimento apontam para a municipalização, capacitar-se-ia para atendimento regional, enquanto os Municípios iriam estruturando os seus Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, adequando-se à nova lei.
4. O aproveitamento das entidades de atendimento responsáveis pelo internamento após a sentença, para que procedam ao atendimento provisório, até a decisão da autoridade judiciária.
Outras alternativas, mais criativas, poderão ser encontradas. Nunca é demais lembrar que municipalização não significa “prefeiturização”. Há, sim, necessidade de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados e dos Municípios para consecução da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Se não houver ação articulada, entendendo-se que a responsabilidade é só dos Municípios, na maior parte das vezes, os adolescentes serão apresentados ao Ministério Público pela autoridade policial, sendo que, com exceção das capitais, sequer têm repartição especializada para o adolescente aguardar.O Estatuto é taxativo ao prever que, na falta de repartição especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada o da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, excedero prazo de 24 horas. O Código de Menores previa a hipótese de o menor aguardarem cela especial. Delegados havia que, por não ter cela especial para menores, até por problemas de superlotação, laconicamente, colocavam na porta os dizeres “cela especial”. Acreditamos que por muito tempo vai perdurar o problema da inexistência de dependência separada da destinada a maiores. Contudo, o mais importante é a estruturação de entidades de atendimento provisório, preferencialmente no Município, uma vez que nesta fase poderão se dar os diversos procedimentos como inquérito
policial, representação do Ministério Público, ouvida de testemunha, audiência etc. Se o adolescente estiver na comarca, terá mais facilidade de receber assistência da família e haverá agilização dos procedimentos.
Na maioria dos Municípios brasileiros a realidade está a demonstrar que, com o advento do Estatuto,que proíbe a apreensão do adolescente, a não ser nos casos previstos no arte 106, o número de infratores não chega a ser assustador. Entre os mitos criados na vigência da lei das Diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, um deles, apoiado na aplicação do Código de Menores, induzia a suspeita de que “toda criança ou adolescente carente é um infrator em potencial”. Felizmente, com a revogação destas duas leis pelo art. 267 do Estatuto e com a implementação da doutrina da proteção integral, aos poucos, vão aparecendo os dados que demonstrem que as coisas não são bem assim.
Josiane Rose Petry Veronese, em sua tese de Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada a Questão da Infância, da Adolescência e da Menoridade: Uma Abordagem Jurídica-Política, anotou o seguinte: ” fantasiosas e alarmantes são as estatísticas de cifras megalomaníacas relativas à participação de menores em fatos criminosos, com o intuito de alarmar o povo, e usadas numa ‘campanha fascista’, segundo Vicente Faleiros, contra os menores, desviando-se a atenção pública dos problemas gerados pelas desigualdades sociais. Chega-se ao absurdo de incentivar-se a formação de esquadrões da morte para eliminar menores, em vez de se debater a nível político e estratégico com o fulcro de eliminar a questão das defasagens sociais, que é a real fonte dos problemas” (p. 127). Chegou-se ao cúmulo de autoridades tidas como “menoristas”, tão logo o Estatuto foi sancionado, atribuírem à nova lei o aumento da criminalidade.
O Estatuto, ao regulamentar os casos de não liberação do adolescente, assegurou um tratamento consentâneo com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Cabe a cada comunidade,a través dos seus Conselhos Tutelares e de Direitos, e com o empenho do Poder Público, assegurar o melhor lugar para o adolescente aguardar sua apresentação ao representante do Ministério Público e à autoridade jurídica. Na medida em que a sociedade, através da participação nos Conselhos, tomar consciência em “naquele lugar” também poderão passar seus filhos, temos certeza de que todos se empenharão para que seja o melhor possível.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury