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ECA: ARTIGO 17/LIVRO 1 – TEMA: RESPEITO

Comentário de Ilanud

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu capítulo II garante o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade das crianças e adolescentes. Compreender o significado destas previsões legais exige entender a base ideológica sobre a qual o ECA foi edificado, pois os artigos deste capítulo são uma clara representação das idéias que embasaram a elaboração da Lei.

Inicialmente, cabe resgatar a divisão de águas patrocinada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989), cujos princípios e regras foram contemplados na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Isso porque aquele documento representou a consolidação na normativa internacional de um novo referencial teórico cujos estudiosos chamaram de Doutrina da Proteção Integral, positivando no âmbito da infância e juventude diversos direitos fundamentais já protegidos na esfera do direito internacional. Em outras palavras, houve um processo de reconhecimento e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes cuja expressão máxima foi a mencionada Convenção. Para entendermos esta doutrina e a mencionada divisão de águas, é necessário recuperar historicamente a Doutrina da Situação Irregular, vigente durante quase todo o século XX, e contra a qual o novo direito estabeleceu seus pilares.

A base ideológica que sustentava esta doutrina considerava as crianças e adolescentes seres incapazes fática e juridicamente, pois eram definidos a partir de suas carências ou necessidades, por aquilo que lhes faltava para serem adultos únicos seres verdadeiramente autônomos e capazes. Como eram considerados seres inferiores aos adultos, uma vez que ainda não haviam alcançado tal status, cabia à família e ao Estado protegê-los, o que os tornava meros objetos de proteção e controle. Se as crianças e adolescentes eram submissos à família e ao Estado, visto não possuírem autonomia, era ofertada a possibilidade destes agirem como bem entendessem, pois se estaria buscando o melhor para aqueles seres incapazes. Desse modo, dotou-se o Estado e a família com amplos poderes discricionários sobre a infância.

Contudo, tal pensamento dirigia-se de modo especial a certas crianças ou adolescentes. Como se depreende da própria definição, a doutrina da situação irregular tinha como ?público preferencial? os menores em situação irregular, ou seja, em situação de dificuldade, entendida material ou moralmente, o que permitia englobar nesta noção qualquer criança ou adolescente. Como estes menores estavam (na visão de alguns eram) irregulares, cabia aos órgãos estatais reverter tal situação. Para tanto, ao Estado, em especial aos chamados juízes de menores, era conferido um poder amplamente discricionário, o que, consequentemente, permitia a utilização de soluções como a institucionalização ou a adoção.

Em outras palavras, o menor em situação irregular era visto como um problema, e as intervenções estatais, entre as quais a institucionalização, a solução. Soma-se a esta visão a total desconsideração da individualidade e autonomia da criança e do adolescente, pois sob a idéia desituação irregular eram englobados perfis totalmente diversos, como os órfãos, os moradores de rua e os adolescentes infratores. Ou seja, não se vislumbrava a criança ou adolescente como um sujeito, um indivíduo, mas sim como um ente pertencente a uma massa em situação irregular.

Como dito anteriormente, em oposição às idéias e às normas oriundas deste pensamento, surge ao longo do século XX, sendo intensificado em suas últimas décadas, um movimento cuja expressão máxima foi a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. A concepção de criança e adolescente trazida por esta nova corrente de idéias se baseou no reconhecimento expresso da criança e do adolescente como sujeitos de direito, em oposição à noção de incapacidade jurídica que os caracterizava anteriormente. Ao assegurar a eles a condição de sujeitos de direito, reconhece-se juridicamente a criança e o adolescente como pessoas.

Como qualquer pessoa humana, são titulares de direitos fundamentais à sua própria existência; porém, em decorrência da condição peculiar de desenvolvimento físico e psíquico característica das crianças e adolescentes, ao lado daqueles direitos o ordenamento jurídico reconhece e protege direitos próprios da infância. Conseqüentemente, dado a natureza de tais direitos, é inaceitável qualquer ato que os viole ou os contrarie. Qualquer intervenção sobre as crianças ou os adolescentes deverá atentar a tais direitos, pois eles representam verdadeiros limites ao agir da família, do Estado e da sociedade. Inaugura-se, assim, uma nova dinâmica na relação entre as crianças e os adolescentes e o Estado, a família e a sociedade.

Segundo este novo paradigma, o poder discricionário sobre as crianças e adolescentes é negado e as intervenções estatais restritas aos casos em que se supõe terem falhado todos os esforços da família e programas sociais. O Estado só poderá intervir como última instância. Com isso, ao contrário da lógica anterior, não é ofertada ao Estado a possibilidade de adotar livremente medidas que visem à institucionalização, por exemplo, pois deve respeitar os direitos a que as crianças e adolescentes são titulares.

O artigo 15 do ECA vem justamente assegurar o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade das crianças e adolescentes, pondo-os a salvo de qualquer arbitrariedade por parte do Estado, da família ou da sociedade. Garante tais direitos, restringindo o poder destes atores sobre a infância, impedindo-o de possuir caráter discricionário. Vale dizer que apesar destes direitos já estarem garantidos constitucionalmente, o legislador buscou enfatizá-los, dada a sua relevância. Nos artigos subseqüentes, buscou-se expor o que se deve entender por direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Contudo, visto tratar-se de princípios, a exposição realizada em tais artigos não pode ser entendida de forma a esgotar o significado de tais direitos. Em outras palavras, o legislador não buscou restringir ou limitar tais direitos às previsões contidas nos artigos 16, 17 e 18, mas apenas apontar diretrizes ao seu correto entendimento.

O art. 17 dispõe que o direito ao respeito será garantido se observada a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Portanto, o direito ao respeito compreende a preservação da integridade física e psíquica, que possui especial relevância tendo em vista a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, não representando a mera não agressão, além da integridade moral, entendida como a preservação dos valores morais da criança e do adolescente. O legislador elencou de forma expressa alguns bens (imagem, identidade, autonomia, valores, idéias e crenças, espaços e objetos pessoais) que compõem a noção de integridade física, psíquica e moral de modo a enfatizar a importância da preservação destes no sadio desenvolvimento da criança e do adolescente.

Por sua vez, o art. 18 dispõe que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Dois pontos podem ser claramente percebidos nesta previsão legal. O primeiro refere-se ao dever de todos, ou seja, do Estado, da família, das entidades da sociedade civil organizada, ou de qualquer indivíduo de velar pela dignidade da criança e do adolescente. Este artigo impõe uma obrigação a todos os cidadãos e demais entes sociais na defesa deste direito. O segundo ponto se refere à própria noção de dignidade. Apesar do art. 17 falar em respeito e o art. 18 em dignidade, percebemos que ambos são conceitos permeáveis, uma vez que falar em respeito é falar em dignidade e vice-versa. Isso porque a noção de dignidade não se restringe à exposição realizada no art. 18, possuindo um significado mais amplo. O legislador neste artigo buscou apenas apontar diretrizes para a correta interpretação deste dispositivo legal.

A dignidade da pessoa humana, preceito fundamental elencado no art. 1° da Constituição Federal, pode ser entendida como um princípio que decorre de todos os outros direitos constantes na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois só poderemos falar em uma existência digna quando todos os direitos fundamentais da criança e do adolescente tiverem sido respeitados. Se, quando falamos em direitos humanos, referimo-nos a direitos fundamentais à pessoa humana, o seu desrespeito ou violação acarretará a negação do preceito da dignidade humana, pois, se não estão sendo respeitados aqueles direitos fundamentais (como o direito à saúde, à educação, à liberdade etc), a existência da criança ou do adolescente não será digna, seja no âmbito jurídico ou fático. Assim sendo, podemos afirmar que o direito à dignidade só será garantido se todos aqueles direitos forem respeitados.

 

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ARTIGO 17/LIVRO 1 – TEMA: RESPEITO

Comentário de Fábio Maria de Mattia
Universidade de São Paulo

O legislador desdobrou o direito ao respeito e à dignidade, de que são titulares de direito subjetivo a criança e o adolescente, em três subtipos, a saber: direito à integridade física, direito à integridade psíquica e direito à integridade moral.Portanto, a lei protege a criança e o adolescente contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.Na parte final do art. 17 entendeu o legislador dever especificar que o direito ao respeito abrange a “preservação da imagem e da identidade pessoais”.Tal particularização decorre de a lei, além de reconhecer que a criança e o adolescente “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, explicitar estarem protegidos por um direito de personalidade peculiar, objeto da “proteção integral de que trata esta Lei…” (art. 3°).O art. 18 dispõe sobre situações que se enquadram como desrespeito aos direitos à integridade física, psíquica e moral da criança ou do adolescente. 

O art. 17 cuida de direitos da criança e do adolescente que, na lição de Alberto Trabucchi, “são direitos essenciais originários ou inatos porque se pressupõe existam antes do reconhecimento jurídico. O direito objetivo teria como escopo principal garanti-las através de uma tutela de modo cada vez mais perfeita, sendo certo que a afirmação desses direitos gerou no decorrer dos tempos os grandes movimentos políticos que refletiram, grandemente, nas legislações”.

O cap. II desta lei explica-se, justifica-se, tendo presente o ensinamento de Rubens Limongi França, do “…desenvolvimento da análise jurídica no sentido de definir os aspectos privados da personalidade, e as conseqüentes sanções de natureza civil, quer no que concerne à proibição dos atos lesivos, quer no setor de ressarcimento dos danos causados com fundamento na responsabilidade civil”.

Mas qual a natureza jurídica desses valores inerentes ao cidadão?

Ensina o jurista, pensador e magistrado Walter Moraes: para que uma pessoa possa subsistir como sujeito de direito e desenvolver regularmente a sua vida jurídica, torna-se necessário que esteja de posse de certos bens. De tais valores, os bens da personalidade, não se pode de fato prescindir, porque, privada deles, ou a personalidade jurídica não existe, ou, mesmo sobrevivendo, tolhe-se a ponto de perder as condições de desempenhar o seu potencial”.

Entre os bens da personalidade indica a vida, o físico, a psique, a figura individual e o nome.

E conclui o eminente Mestre: “De modo que podemos conceber a personalidade como um composto de elementos que lhe dão estrutura. Vale dizer que, sem ditos bens, não se integra uma pessoa; e logo, privadas as pessoas deles, não há falar em comunidade de homens na ordem jurídica e, por conseguinte, não há falar em ordem jurídica nem em verdadeira sociedade” (“Direitos da personalidade, estado da matéria no Brasil”, in Estudos de Direito Civil, coordenador Prof. Antonio Chaves, São Paulo, Ed. RT, 1979, pp. 125 e 126).

Direito à inviolabilidade da integridade física da criança e do adolescente.

O direito à integridade física é um dos direitos da personalidade.

Para entendê-lo temos que visualizar primeiramente o direito à vida para, em conseqüência, depois de verificado seu pressuposto, localizá-lo. Daí Adriano de Cupis ponderar: “O bem da integridade física é, a par do bem da vida, um modo de ser físico da pessoa, perceptível mediante os sentidos. Este bem, por outro lado, segue, na hierarquia dos bens mais elevados, o bem da vida. De fato, enquanto este último consiste puramente e simplesmente na existência, a integridade física, pressupondo a existência, acrescenta-lhe alguma coisa que é, precisamente, a incolumidade física, de importância indubitavelmente inferior ao seu pressuposto” (Os Direitos da Personalidade, trad. de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro, Lisboa, Livraria Morais Editora, 1961, p. 69).

Como caracteres do direito à integridade física há a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade em razão da sua estrutura intrínseca.

No caso particular em análise, o legislador criou um tipo próprio de integridade física, a saber, a do menor e do adolescente.

A proteção à integridade física da criança e do adolescente, lido o art. 3° sob outro ângulo, deve ser compreendida como objetivando assegurar “todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico…”, além do já tradicional direito à integridade física, que tem como conteúdo o direito subjetivo de preservar ou ver preservada sua integridade física.

Tendo-se presente a proteção criada no Código Civil alemão, no § 23, encontram os gizados três bens da personalidade componentes da integridade física: a vida, o corpo e a saúde.

Daí Andréas Von Thur enquadrar a matéria que ora se cuida como objeto cuja proteção constitui o problema fundamental de toda ordem jurídica.

Os arts. 15,16,17,20 e 21 no Projeto de Código Civil, n° 634-B/75, dispõem sobre direitos da personalidade que são abordados neste trabalho.

Mas quais são os direitos privados da personalidade que se reúnem em torno do chamado direito à integridade física?

Rubens Limongi França, ao sistematizar tão fascinante matéria, os indica: direito à vida e aos alimentos, direito sobre o próprio corpo, vivo, direito sobre o próprio corpo, morto, direito sobre partes separadas do corpo vivo e direito sobre partes separadas do corpo morto – lição, esta, em integral pertinência quando particularizarmos os direitos à integridade física da criança e do adolescente (Manual de Direito Civil, 3° ed., 1/411 e 412, São Paulo, Ed. RT, 1975).

A proteção à integridade física aparece no Estatuto nos seguintes artigos: 7°; 13; 33; 56, I; 67; 69; 70; 71; 79; 81; 87; 91; 94, IX; 129, VI; 130; 136, “a”; 178; 233; 234; 237; 239; 242; 243; 244; 245.

Do direito à integridade psíquica do menor e do adolescente

Com o passar do tempo, a preocupação com problemas psíquicos gerados a partir dos primeiros momentos de vida transformou-se em objeto de estudos no campo da Psicologia e da Psiquiatria infantis.

O desrespeito à integridade psíquica gera danos da maior seriedade, que acompanharão o desenvolvimento psíquico da criança e do adolescente, que poderão jamais deixar de perturbar a vida emocional ou que exigirão tratamentos especializados a que poucas criaturas terão acesso, em face dos custos e da falta generalizada de cumprimento de seus deveres pelos órgãos públicos, inclusive previdenciários.

Este tipo de direito da personalidade – à integridade psíquica do menor e do adolescente – é o aprofundamento da Psicologia. e da Psicanálise para um segmento da população mais frágil, com sua personalidade em formação e exigindo maiores cuidados, em face dos perigos para a estrutura psíquica do ser em formação, tudo isto procurando preservá-la de distorções , falta de amadurecimento natural, da necessária segurança.

O direito à integridade psíquica é matéria que se tem lineado mais recentemente entre os juristas, a partir de autores como Pietro Perlingieri, mas tem, hoje, um dos seus segmentos mais importantes dedicados á criança e ao adolescente, o que se moldou como uma subdivisão particularmente própria.

Entre nós, referem-se à integridade psíquica Antonio Chaves e Walter Moraes.

Ao se falar em direito à integridade psíquica da criança e do adolescente, o art. 3° admite vislumbrar-se a preocupação em assegurar?… todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento… mental, moral,espiritual…?

O art. 94, IX, impõe que as “entidades que desenvolvem programas de internação” ofereçam cuidados psicológicos.

A proteção à integridade psíquica é objeto, no Estatuto, dos seguintes artigos: 15; 33; 53; 58; 67; 70; 71; 74; 76; 78, parágrafo único; 79; 81; 82; 87, IV; 92, V; 94, IV, XII, XV e XIX; 106; 124, V e VIII; 130, especialmente o inc. IX; 141; 142, parágrafo único; 143; 161; 178; 230; 232; 234; 237;239;240; 241;243; 247; 250;252;253;254,255; 256;258.

Do direito à integridade moral da criança e do adolescente

Trata-se de direito da personalidade que se apreende se analisado sob o ângulo do dever dos responsáveis pela criança e pelo adolescente de respeitarem o mundo ético criado no menor com base nos valores morais que são admitidos pela consciência dos variados segmentos de que se compõe a população.

É a prerrogativa da criança e do adolescente de ser respeitado nos vários direitos da personalidade desdobrados, quais sejam, o direito à intimidade, direito ao segredo, direito à honra, direito ao recato, direito à imagem, direito à identidade pessoal, familiar e social, como consta da classificação de “direito à integridade moral” como idealizada pelo Prof. Rubens Limongi França (ob. cit., 1/412).

Por direito, a honra entende-se a defesa do “valor moral íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal. Quando entendida unicamente no primeiro sentido, a honra está subtraída às ofensas de outrem e é alheia, por conseqüência, à tutela jurídica; entendida no segundo e no terceiro significado, está, pelo contrário, exposta às referidas ofensas. A opinião pública é bastante sujeita à recepção das insinuações e aos ataques de toda a espécie produzidos contra a honra pessoal; assim também o sentimento da própria dignidade é diminuído, ferido, pelos atos referidos” (Adriano de Cupis, ob. cit., pp. 111 e 112).

A lei penal intervém nos casos de ofensas à honra, punindo os crimes de injúria e de difamação. “A característica distintiva destas duas infrações é constituída respectivamente pela presença e pela ausência da pessoa ofendida: estando presente a pessoa, dá-se o crime de injúria (equipara-se à presença o ser o fato cometido por comunicação telegráfica ou telefônica, ou por escritos ou desenhos dirigidos à pessoa ofendida); no caso contrário, verifica-se o de difamação. A injúria é punida menos gravemente que a difamação, porque, se o lesado está presente, tem a possibilidade de reagir, defendendo-se” (Adriano de Cupis, ob. cit., p. 112).

A lição deve ser adaptada em se tendo como escopo da proteção criança ou adolescente.

A ofensa à honra ou ao decoro consiste no atentado ao sentimento, “que tem a pessoa, da própria dignidade. Tal sentimento pode, especialmente, ofender-se com o atribuir-se à pessoa qualidades ou atos eticamente degradantes, por contrários aos deveres éticos. O respeito devido a cada um sofre, então, uma gravíssima diminuição. Mas o dito sentimento pode ser também ofendido com manifestações depreciativas sob outro aspecto: com a atribuição de defeitos físicos ou intelectuais ou de uma posição econômica ou social inferior etc. A ofensa diz, então, respeito, especificamente, ao “decoro da pessoa” (Adriano de Cupis, ob. cit., pp. 112 e 113).

Fácil é depreender com que intensidade tal lição se aplica à criança e ao adolescente.

Há outro direito da personalidade do tipo direito à integridade moral, inserido no tipo direito ao segredo, que é o direito do segredo epistolar, que se pode admitir na forma de a criança, o adolescente, se corresponder com seus parentes e amigos respeitada sua privacidade, dentro das normais condições de controle necessárias com relação à criança e ao adolescente.

Tal matéria é abordada ao se tratar do direito de visita a pai ou mãe, ou avós, sendo uma de suas manifestações o direito de se corresponder, não podendo ser obstado nesse intento, sob pena de violação à integridade moral do menor. Isto porque, na lição de Adriano de G:upis: “A manifestação, na carta, dos sentimentos e das opiniões próprias assume freqüentemente caráter confidencial, baseado sobre as relações pessoais de remetente a destinatário” (ob. cit., p. 148). Ressalta o eminente Especialista que “os sujeitos (remetente e destinatário) são tutelados mesmo contra o conhecimento de um só indivíduo que tenha caráter abusivo” (ob. cit., p. 153), o que se aplica no respeito da privacidade da criança e do adolescente, caso contrário haveria atentado ao seu direito à integridade moral.

O desrespeito a tal direito ao segredo epistolar pode-se transformar num elemento inibidor ao normal desenvolvimento da comunicação e em obstáculo a que a criança ou adolescente crie a sua privacy, o mundo de seus sentimentos afetivos.

O art. 124, VIII, assegura ao adolescente privado de liberdade corresponder-se com seus familiares e amigos.

A criança e o adolescente têm direito de serem informados em matéria que lhes diga respeito, vez que o direito à informação é um novo tipo dos direitos da personalidade. O art. 94, XV, é um exemplo de sua recepção pelo legislador brasileiro.

O atentado ao direito à integridade moral gera a configuração de dano moral, que, no caso, será pleiteado pela criança ou adolescente através de seu representante legal.

A indenização por dano moral não mais suscita dúvidas, é a consagração do dano moral direto, em face dos termos do princípio constitucional previsto no art. 5°, X, que dispõe: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O dano moral direto, na lição de Maria Helena Diniz, “consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação ou gozo de um bem jurídico extra patrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado da família)” (Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, 5ª ed. atualizada, 7°/73, São Paulo, Saraiva, 1990).

A proteção à integridade moral é objeto, no Estatuto, dos seguintes artigos: 15; 33; 53; 58; 67; 70; 71; 74; 76; 78, parágrafo único; 79; 81; 82; 92, V; 94, IV, XV e XIX; 106; 124, V e VIII; 130; 141; 142, parágrafo único; 143; 178; 229; 230; 232; 234; 237; 239; 240; 241; 247; 250; 252;253;254;255; 256;258.

A) O que se deve entender por preservação da imagem

Não se sabe o que o legislador por “preservação da imagem”.

Tanto pode ter pressuposto por “preservação de imagem” procurar evitar que a criança ou adolescente possa ser atingido em sua integridade moral por se assacar contra ele a prática de ato infracional, atribuir-lhe conduta que diminua a consideração social de conformidade com o estrato social a que pertença, como pode o legislador ter tido por escopo evitar que seja submetido à violação ao direito da personalidade denominado direito à imagem, que o Prof. Rubens Limongi França classifica como tipo enquadrado tanto no direito à integridade física como direito à integridade moral.

O direito à imagem é uma das manifestações importantes do direito ao resguardo, este definido “como o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento pelos outros daquilo que se refere a ele só”. Com a violação do direito à imagem, o corpo e as suas funções não sofrem alteração; mas verifica-se, relativamente à pessoa, uma mudança da discrição de que ela estava possuída, e também uma modificação de caráter moral (a circunspecção, ou reserva, ou discrição pessoal, embora não faça parte da essência física da pessoa, constitui uma qualidade moral dela) (Adriano de Cupis, ob. cit., pp. 129 e 130).

O direito à imagem como direito da personalidade deve ser conceituado como não podendo a imagem da pessoa ser “exposta ou publicada” por outros, e para esta proibição não se exige que ela tenha sido reproduzida em circunstâncias e em ambiente subtraídos à vista de terceiros ou publicada “com prejuízo do decoro ou de reputação da pessoa” (Adriano de Cupis, ob. cit., pp. 131 e 132).

A imagem da criança e do adolescente não pode ser utilizada sem autorização. Portanto, proteção jurídica à imagem para coibir as “exposições abusivas ou publicações, mesmo se não se ofende o decoro ou a reputação” (Adriano de Cupis, ob. cit., p. 132).

O sujeito – no caso, a criança e o adolescente – é tutelado contra a publicidade não autorizada de sua imagem.

Daí, para ser publicada a fotografia de uma criança ou adolescente, requerer-se a autorização de seu representante legal. Isto ocorre, p. ex., na utilização da imagem de menor no campo publicitário.

Quando o legislador, no instituto em análise, utiliza a expressão “preservação da imagem”, estaria se referindo a limitar o uso da imagem do menor nas eventualidades de necessidades de justiça ou de polícia, através da imprensa escrita, falada ou televisada, afastando-se quanto a ele a prevalência de exigências impostas em caráter geral.

O art. 143 é exemplo de norma que preserva a criança e o adolescente de atentados quanto à sua imagem nos dois sentidos que apontamos.

Ainda interessam a este direito à imagem os arts.’242 e 247.

B) O que se deve entender por preservação da identidade pessoal da criança e do adolescente

Trata-se de um dos direitos à integridade moral que o Prof. Rubens Limongi França subdivide em direito à identidade pessoal, familiar e social.

A importância do direito à identidade pessoal deduz-se na lição de Adriano de Cupis de que: “O indivíduo, como unidade da vida social e jurídica, tem necessidade de afirmar a própria individualidade, distinguindo-se dos outros indivíduos, e, por conseqüência, ser conhecido por quem é na realidade. O bem que satisfaz esta necessidade é o da identidade, o qual consiste, precisamente, no distinguir-se das outras pessoas nas relações sociais… pois o homem atribui grande valor não somente ao afirmar-se como pessoa, mas como certa pessoa, evitando a confusão com os outros. Entre os meios através dos quais pode realizar-se o referido bem tem um lugar proeminente o nome, sinal verbal que identifica imediatamente e com clareza a pessoa a quem se refere” (Adriano de Cupis, ob. cit., p. 165).

Aponta Adriano de Cupis que, entre as manifestações de identificação pessoal, além do nome, há a imagem, a voz, acontecimentos da vida.

O art. 247 prevê a proteção ao direito à identificação pessoal, proibindo “divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome… relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional”.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

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ECA comentado: ARTIGO 17/LIVRO 1 – TEMA: Respeito
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