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ARTIGO 181/LIVRO 2 – TEMA: ATO INFRACONAL

Comentário de Paulo Afonso Garrido de Paula
Ministério Público/São Paulo

Termo fundamentado

Exige a lei que o Ministério Público fundamente a promoção de arquivamento e de concessão de remissão, resumindo os fatos e indicando os fundamentos jurídicos nos quais lastreia sua convicção. Tal obrigação tem por fonte primeira o disposto no art. 129, VIII, da CF bem como o determinado no art. 205 do ECA.

Quanto à fundamentação da promoção de arquivamento, é mister ressaltar que se encontra adstrita a prova incontroversa relacionada à autoria e materialidade do ato infracional, de sorte que de maneira inequívoca conclua-se pela inexistência do fato, não configuração de crime ou contravenção penal (ECA, art. 103), ou pela certeza de não ter o adolescente concorrido para o ato infracional que originalmente lhe foi atribuído. Como o Estatuto da Criança e do Adolescente adotou um procedimento judicial de apuração de ato infracional, instituindo quase que um juizado de instrução, dispensando, portanto, a figura da sindicância prévia ou do inquérito policial, o arquivamento das peças de informação (auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório de investigações- ECA,arts. 175 a 177), devidamente autuadas pelo cartório judicial (ECA, art. 179), reserva-se àqueles casos dos quais deflua a impossibilidade jurídica de qualquer reprovação a uma eventual conduta do adolescente.

Já, o lastro da concessão da remissão encontra-se relacionado à sua modalidade, ou seja, se a exclusão do processo (efeito da remissão concedida pelo Ministério Público) foi adotada como forma de perdão puro e simples ou como transação, envolvendo a inclusão de medida não privativa de liberdade.

Quando de tratar de remissão como perdão puro e simples, torna-se necessário ressaltar aspectos relacionados à oportunidade e conveniência da prática desse ato administrativo do Ministério Público. Como frisado em trabalho anterior, justifica-se a exclusão da ação sócio-educativa pública, via remissão como perdão puro e simples, quando o interesse de defesa social assume valor inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e eficácia do processo. Assim, contravenções e infrações leves atribuídas a adolescentes primários, marcadas pela previsão de dificuldades na coleta da prova, cujo resultado, além de incerto, consistirá em mera advertência, podem ser remidas plenamente pelo representante da sociedade. Por que acionar a máquina judiciária em casos de somenos, pugnando por um resultado incerto e, se conseguido, ineficaz como instrumento de proteção dos interesses sociais, de vez que o autor da ofensa à ordem jurídica, adolescente, encontra-se perfeitamente integrado à família e à sociedade?

Por outro lado, a concessão de remissão com inclusão de medida não privativa de liberdade tem, notadamente naqueles atos infracionais que ordinariamente não autorizam a internação (ECA, art. 122), o mérito de antecipar a execução de medida sócio-educativa, sem necessidade de instauração de procedimento formal de apuração, sendo, portanto, de baixo custo e célere, desde que o adolescente e seu representante legal concordem com a decisão ministerial.

Neste último caso, portanto, a justificativa para a remissão onde se inclua medida sócio-educativa não privativa da liberdade (excetuadas as medidas de semiliberdade e internação – ECA, art. 127) encontra-se na mitigação administrativa das conseqüências jurídicas decorrentes da prática de ato infracional. O Estado-Administração, representado pelo Ministério Público, deixa de invocar a tutela jurisdicional, exclui o processo, porquanto satisfeito com a solução administrativa encontrada para a composição do litígio entre sociedade e adolescente, conflito, este, que tem na prática de conduta descrita como crime ou contravenção penal seu fato gerador. O Estado-Administração é representado pelo Ministério, por quanto se trata de instituição encarregada de, ao mesmo tempo, defender os interesses sociais indisponíveis, entre eles o direito à segurança pessoal, e os interesses individuais igualmente indisponíveis, entre os quais a liberdade desponta como um dos principais.

Homologação judicial do arquivamento e da remissão

Tanto a promoção de arquivamento como a concessão de remissão como forma de exclusão do processo ficam sujeitas ao controle judicial, o que se verifica via homologação. Criando um mecanismo de freios e contrapesos, buscou a lei evitar decisões baseadas no arbítrio e na prepotência, de modo a dosar a disponibilidade da ação sócio-educativa pública. Ainda que o legislador tenha instituído um sistema baseado na oportunidade e conveniência da invocação da tutela jurisdicional, vendo no processo a última razão para a composição da lide entre Estado e adolescente, preocupou-se também com a discricionariedade excessiva, exagerada ou até mesmo motivada por razões subjetivas, incompatível com a promoção da justiça. A previsão da homologação judicial do arquivamento e da remissão, de um lado, para o adolescente, representa controle da necessidade e da proporcionalidade da reprimenda administrativa, e, de outro, para a sociedade,tende a evitar indiferença ao desvalor social ínsito ao ato infracional praticado. Assim, a autoridade judiciária exerce fiscalização externados atos do Ministério Público relacionados ao arquivamento e à remissão, de modo a buscar a reparação dos equívocos, da mesma forma como as partes podem recorrer das decisões judiciais.

Discordância da autoridade judiciária

A autoridade judiciária, no soberano exercício de seu dever de controle, pode deixar de homologar o arquivamento e a remissão. Prevê o Estatuto que, nesta hipótese, mediante despacho fundamentado, o juiz remeterá os autos ao Procurador-Geral de Justiça. Provoca-se, assim, o controle interno institucional, possibilitando que Órgão Superior do Ministério Público reveja o ato do promotor de justiça de 1º grau. Tal revisão administrativa,no âmbito da própria instituição, configura reafirmação da titularidade da ação sócio-educativa pública. É o próprio Ministério Público que deve decidir sobre a conveniência e oportunidade de invocação da tutela jurisdicional, sendo legalmente a autoridade com atribuição para pleitear a instauração do processo. É de se observar, neste aspecto, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente(CF, art. 5º LIII), valendo dizer que, no caso, tem o adolescente a garantia, própria do Estado Democrático de Direito, de que somente será levado ao Judiciário, Poder com competência para determinar a privação de liberdade, igualmente por uma instituição dotada de garantias suficientes para conferir-lhe a isenção necessária para distinguir justiça de vingança privada.
Equivocadas as decisões judiciais que, tratando-se de remissão onde inclusa medida sócio-educativa não privativa de liberdade, deixam de remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, ora determinando o simples arquivamento, ora tomando a remissão como requerimento e aplicando, de ofício, uma ou outra medida. Além de flagrante ilegalidade, no.primeiro caso evidencia-se gritante falha do sistema de distribuição de justiça, posto que o adolescente, autor de ato infracional, fica sem receber qualquer sanção estatal, ainda que administrativa e de consenso, e no segundo opera-se verdadeiro desrespeito ao princípio da inércia da jurisdição, de vez que não foi solicitada a instauração de qualquer processo. Por outro lado, a motivação de tais equívocos – inconstitucionalidade da inclusão de medida na remissão como forma de exclusão do processo – não resiste a análise-sistemática da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em primeiro lugar, frise-se que a eficácia da remissão depende da homologação judicial, tendo a intervenção jurisdicional por escopo apenas verificar a legalidade do ato. Os efeitos pretendidos somente têm lugar se houver a participação do órgão judicial (cf. José Roberto S. Bedaque, “Ministério Público e jurisdição voluntária”, in Justitia 147/49). A remissão concedida pelo Ministério Público, admissível somente antes do processo de jurisdição contenciosa, tem amparo legal (ECA, arts. 126, 181-e 182).

Não implica violação do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º,XXXV), pois não dispensa a intervenção judicial (ECA, art. 181,§ 1º).Além disso, tal ato configura medida de natureza administrativa, cuja atribuição foi conferida legitimamente ao Ministério Público.

A interpretação sistemática dos arts. 127 e 181, § 1º,permite tal conclusão. Não fosse admitida a inclusão,não teria sentido o legislador conferir ao magistrado a homologação do pedido e, conforme o caso, a execução da medida(art. 181,§ 1º).Isso significa que, havendo inclusão de medida sócio-educativa pelo promotor, será ela executada, ou não, pelo juiz.
Ao órgão jurisdicional compete, portanto, se concorde com a providência adotada, homologar a remissão e determinar o cumprimento da medida incluída pelo Ministério Público.

Ainda aqui não se verifica violação do princípio do controle jurisdicional. A inclusão de medida pelo promotor como condição da remissão resulta de acordo de vontades. É espécie de transação, cuja eficácia depende de homologação judicial (ECA, art. l81, § 1°). Caso o magistrado entenda incabível ou inconveniente o acordo, poderá determinar a remessa dos autos ao.Procurador-Geral de Justiça (art. 181, § 2°).

Ademais, a qualquer tempo pode haver revisão judicial da medida (ECA,art. 128).

Atento ao princípio constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito podem ser excluídas da apreciação do Poder Judiciário, acertadamente o legislado consignou a possibilidade de revisão judicial da remissão,de modo a que o descontente com a providência determinada pela autoridade administrativa possa invocar a tutela jurisdicional, a qualquer tempo (ECA, art. 128). Tendo por fonte de inspiração a regra de n.11 Res.ONU- 40/33, de 19.12.85, a remissão, neste caso, assume contornos de transação, como acontecia no Anteprojeto Frederico Marques de Código de Processo Penal, convertido no PL 663/75, conforme arts. 93 e 233.Além disso, considerando os interesses sociais e individuais em jogo, a remissão ficou ainda sujeita ao obrigatório controle judicial, via homologação,de modo que, em caso de não concordância com a decisão do promotor de justiça, possa a autoridade judiciária remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça (ECA, art., 181), autoridade máxima da instituição encarregada de zelar pelos interesses sociais individuais indisponíveis( cf. Ministério Público e o Estatuto da Criança e do Adolescente,ed.APMP,1992, p. 66).

Vale ressaltar que a cumulação de remissão com medida sócio-educativa, quando aplicada pelo órgão do Ministério Público no procedimento de jurisdição voluntária, só se justifica se o adolescente e seu representante legal concordarem. Caso contrário, inicia-se o processo contencioso, com representação dirigida ao órgão judicial, pois não se admite a imposição de qualquer medida, por mais branda que seja, sem respeito ao devido processo legal. Nem mesmo o juiz poderia fazê-lo. A ampla defesa e o contraditório não devem Ser assegurados apenas nas hipóteses de privação da liberdade (ECA, art. 110). São garantias inerentes a todo procedimento, inclusive de natureza administrativa (CF, art. 5°, LV). A inclusão de Medida não privativa de liberdade na remissão concedida pelo Ministério Público tem natureza administrativa. Propriamente, não há aplicação de medida, mesmo porque sua execução é deferida à autoridade judiciária (ECA,art. 181, § 1°).A inclusão de medida representa unicamente condição para a concessão de remissão, de modo a excluir o processo, invertendo o ônus da invocação jurisdicional. Não tem, portanto, caráter de definitividade, próprio de ato de império do Poder Judiciário, no exercício de sua atividade constitucional.

Por outro lado, além da sua cabal constitucionalidade, não resta dúvida de que a concessão de remissão como forma de exclusão do processo constitui-se em instrumento do Estado para a disposição da ação sócio-educativa pública, de sorte a alcançar, pela via administrativa, um meio rápido de composição amigável da lide entre a sociedade e o adolescente, estabelecida com a prática do ato infracional. Não se concebe que, na crise que assola a Justiça brasileira, com pautas carregadas, muitas vezes decorrentes do excesso de processos motivados por bagatelas, se procure restringir o alcance do instituto, criando-se inconseqüentes e insubsistentes obstáculos a uma séria tentativa de agilizar a composição amigável dos conflitos.

Assim, no caso de discordância, sob pena de negativa de vigência do dispositivo em apreço, a autoridade judiciária deve remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça. Este, considerando a redação da parte final do § 2º do art. 181, não poderá alterar o conteúdo da remissão. Entendendo que a medida incluída é inadequada, deverá oferecer representação ou designar outro membro do Ministério Público para fazê-lo, pleiteando a adoção da medida que julgar mais conveniente.

Diz a lei que, no caso de ratificação, pelo Procurador-Geral de Justiça, de ato do promotor de justiça de 1º grau, promovendo o arquivamento ou concedendo a remissão como forma de exclusão do processo, estará a autoridade judiciária obrigada à homologação. Isto porque, administrativamente, no âmbito do Ministério Público, titular da ação sócio-educativa, firmou-se final convicção a respeito da oportunidade de instauração do processo. Assim, a homologação decorre de lei, confirmando-se ex lege o ato administrativo. Observe-se que não se trata de inovação no Direito brasileiro, posto que o vigente art. 28 do CPP dispõe de forma idêntica, inclusive mencionando a obrigação do juiz de atender ao pedido de arquivamento, no caso de insistência do Procurador-Geral. Efeitos da homologação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente atribuiu à homologação judicial do arquivamento e da remissão a natureza de julgamento confirmativo de ato administrativo. Como anteriormente frisado, criou o legislador um sistema de freios e contrapesos, de sorte a controlar a discricionariedade do Ministério Público.

É necessário distinguir que os atos administrativos do Ministério Público podem verificar-se ultimados com a simples homologação (arquivamento e remissão como perdão puro e simples) ou dependentes de execução (remissão com inclusão de medida), hipótese em que a homologação constituirá seu pressuposto irremovível. Neste caso, confirmado judicialmente da medida, seja ela advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços comunitários ou qualquer das medidas de proteção previstas no art. 101, I a VI. Equivocado – e a lei não incorre nesse erro (cf. redação do art. 127 do ECA) – dizer que o promotor de justiça aplica qualquer sanção ou reprimida; na realidade, apenas inclui uma medida como condição para a concessão da remissão, deferindo o legislador sua execução à autoridade judiciária.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 181/LIVRO 2 – TEMA: ATO INFRACONAL
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