Saltar para o menu de navegação
Saltar para o rodapé
Saltar para os conteúdos
Saltar para o menu de acessibilidade

ARTIGO 214/LIVRO 2 – TEMA: MEDIDAS DE PROTEÇÃO

Comentário de Antônio Herman V. Benjamin
Ministério Público/São Paulo

1. Os Conselhos dos direitos da criança e do adolescente

Tais Conselhos foram criados, expressamente, pelo Estatuto (art. 88, lI), dentro da orientação participativa e democrática que orienta o texto.

Os Conselhos foram criados sob a égide da “pluralidade”, e não da “unicidade”, já que são múltiplos (nacional, estaduais e municipais). Res­salte-se, contudo, que, quanto à sua finalidade, obedecem eles ao princí­pio da instrumentalidade uniforme, ou seja, cumprem todos, sem distinção do nível em que estejam localizados, um só objetivo: o de serem “órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis” (art. 88, lI).

2. Natureza jurídica da multa
A multa estipulada no art. 213, §§ 2Jl e 3Jl, é tipicamente judicial, em­bora sua gerência, por força do art. 214, seja atribuída ao “Conselho dos ~1Te1OS da Criança e do Adolescente”, entidade extrajudicial.
3. Destinação da multa
Observe-se que, apesar de os Conselhos estarem nos três níveis da Administração (nacional, estadual e municipal), o legislador, no art. 214, cometeu apenas ao “Conselho d~s Direitos da Criança e do Adolescente” municipal (“do respectivo Município”) o título para receber os valores de multas eventualmente cobradas no âmbito do Judiciário.

4. Os valores da Multa

Como se sabe, a multa, de qualquer natureza, tem sempre um conteú­do sancionatório. Decorre de uma atividade (ou inatividade) não desejada pelo legislador. Difere do conceito de indenização, não participando do seu cálculo, nem nele interferindo. Enquanto que a indenização tem por base um dano, moral ou patrimonial, a multa dele independe.

Há duas modalidades básicas de multa: a administrativa e a judicial (ci­vil ou penal). Aquela é imposta por órgão com função administrativa. Esta última, em ambas as hipóteses, depende sempre de intervenção judicial.
A multa administrativa, embora dependente do juiz para sua cobran­ça, pode, em certos casos, ter seu valor “fixado” por antecipação pelos próprios interessados. Por exemplo, é comum ao Ministério Público, quan­do elabora “termo de compromisso”, incluir cláusula penal – verdadeira multa administrativa, in casu – para a hipótese de descumprimento do acordado.

O art. 214, conforme já aventamos, está diretamente conectado ao art. 213. Ao dizer que “os valores das multas reverterão ao Fundo” específico criado pelo Estatuto, sem clarificar a natureza jurídica da multa, não quis o legislador, ao certo, afirmar que qualquer multa fundada em relação ju­rídica oriunda ou decorrente do Estatuto terá o seu valor encaminhado ao fundo especializado. Logo, só as multas fundadas no art. 2 I 3 – e não ou­tras também inseri das no sistema do Estatuto (art. 2 I 1), em especial as de natureza penal (arts. 228 a 244) e administrativa (arts. 245 a 258) – terão a destinação imposta pelo art. 214.

5. A “ratio” da destinação especial

No sistema tradicional, as multas, uma vez recolhidas, passam a inte­grar o erário público. Ora, tal encaminhamento contraria o fundamento so­cial que inspira, nos casos de interesses e direitos transindividuais, a deci­são sancionadora.

A opção pela multa não visa simplesmente a impor gravame ao sancio­nado, como resposta à reprovabilidade social de sua atividade. A multa tem, igualmente, um componente econômico para a reparação dos compo­nentes difusos dos danos causados pelo agente, componentes, estes, que, de regra, não integram (até por dificuldade de cálculo) o valor da indeni­zação pelo dano efetivo causado. Em outras palavras, porque inexiste “compensação perfeita” (Robert Cooter e Thomas Ulen, Law and Eco­nomics, Glenview, Scott, Foresman and Co., 1988, p. 5 I 3), impõe-se a sanção.

Mas não é só. Mesmo que, a compensação fosse perfeita, interessa mais à sociedade prevenir do que propriamente remediar situações de des­conformidade social. Aliás, é esta a orientação do estatuto (tít. IIl, “Da prevenyão”). A multa cumpre também um tal papel, especialmente porque atinge o patrimônio da pessoa, física ou jurídica.

Por conseguinte, recolher o valor da multa aos cofres públicos sem lhe dar uma destinação correlata à causa que a originou é lhe retirar sua capacidade de interferir no próprio ambiente em que a atividade indeseja­da se processou. Impede-se, dessa forma, a integralização do dano social (não do dano individual). Ademais, impossibilita-se que o valor da multa seja empregado na prevenção de comportamentos assemelhados.

Tanto a reprovabilidade social (fundamentado da multa penal e administrativa) como a complementação econômica periférica do dano supraindividual causado (fundamento da multa civil) exigem que a multa tenha destinação teleológica e aplicação geograficamente conectadas com a ati­vidade que lhe deu origem. Só que o legislador do Estatuto, com certeza não intencionalmente, deixou de prever destinação especial para a multa administrativa e penal.

6. A gerência do fundo

O Fundo será gerido, afirma o dispositivo, pelo “Conselho dos Direi­tos da Criança e do Adolescente”. Tendo gerência própria, o Fundo não se confunde com aquele outro criado pela Lei 7.347/85 (art. 13), que cede lugar sempre, diante do princípio da especialização.

Note-se que, ao revés do que sucede com o Estatuto, a Lei 7.347/85 não dá destinação especial expressa à multa, mencionando apenas “Con­denação em dinheiro” (art. 13, caput), o que, de qualquer modo, para fins de interpretação, inclui, evidentemente, aquela. Neste ponto, então, o Es­tatuto andou melhor, ao evitar disputa exegética.

A gerência, também em oposição ao Fundo dos interesses di fusos, é sempre municipal. É um avanço, uma vez que facilita o controle e aplica­ção dos seus valores pelo juiz, Ministério Público e outros interessados locais.

Na medida em que seu gerenciamento é municipal, sua regulamenta­ção também o pode ser, desde que não contrarie dispositivos mais gerais criados a nível nacional e estadual.

A gerência tem a ver fundamentalmente com a destinação e fiscaliza­ção dos recursos. Não significa dizer que o Conselho será transformado, de uma hora para outra, em contador. Em megalópoles, como São Paulo, Rio de Janeiro e outras assemelhadas, nada impede que profissional com­petente seja contratado para cuidar do dia-a-dia contábil do Fundo.

7. A execução das multas

Aqueles que estão legitimados para a propositura da ação civil públi­ca também o estão para instaurar a execução da multa não paga em 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão. Regra assemelhada tem a Lei 7.347/85 (art. 15).

A redação do dispositivo deixa transparecer que há um dever para o Ministério Público de executar a multa não paga, enquanto que para os outros sujeitos mencionados no art. 210, coput, embora também legitima­dos, inexiste tal obrigação (“facultada”)

8. A regulamentação do Fundo e o depósito dos valores

O Fundo pode e deve ser regulamentado. O único aspecto decidido previamente pelo legislador foi o de sua gerência (“Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente”). Há muito mais a dizer. Tal providência cabe, evidentemente, à regulamentação.

Os valores serão depositados sempre em “estabelecimento oficial de crédito”. Afasta-se, assim, a possibilidade de depósito em estabelecimento privado. A expressão “em conta com correção monetária” não quer dizer que os administradores do Fundo não devem buscar aplicações remunera· das com juros. Exige-se somente que, no mínimo, os valores depositados sofram atualização monetária, conforme o índice inflacionário.

Os Fundos municipais, como se viu, têm sua administração delegada aos Conselhos. A dúvida é a seguinte: quem os administra, na ausência do Conselho? Parece-nos que, aqui, cabe aplicação analógica dos arts. 261, caput, e 262. Ou seja, compete à autoridade judiciária gerenciar os recur· sos do Fundo. Claro que, em tal caso, atuará, sempre, o Ministério Público como custos legis (arts. 201, III – “demais procedimentos” – e 202), já que tais dispositivos não se aplicam apenas à atividade tipicamente judicial, cobrindo, igualmente, aquelas outras extrajudiciais exercidas pelo juiz, desde que oriundas, fundadas ou conectadas ao Estatuto.

9. A multa não é o único recursos dos Conselhos

Os Conselhos municipais, além da multa referida nos arts. 213 e 214, recebem outros recursos para sua manutenção, sejam privados (art. 260), sejam públicos (art. 261, parágrafo único).

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 214/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
ECA comentado: ARTIGO 214/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes