ARTIGO 219/LIVRO 2 – TEMA: INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS
Comentário de Antônio Herman V. Benjamin
Ministério Público/São Paulo
1. Origem do dispositivo
O art. 219 repete o art. 18 da Lei 7.347/85 e, de certa maneira, acompanha o sistema vigente para a ação popular constitucional (CF, art. 51l, LXXIII). Trata-se, evidentemente, de uma “importante inovação trazida pela Lei 7.347/85”, rompendo “o legislador com o tradicional princípio de que as custas processuais devem ser pagas antecipadamente (art. 19 do CPC). O não pagamento de custas processuais, antecipadamente, somente era concedido ao Ministério Público e à Fazenda Pública (art. 27 do CPC)” (Volta ire de Lima Moraes, “A ação civil pública e a tutela do meio ambiente”, Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul 19/223, Ed. especial, 1986).
2. A “ratio” do dispositivo
O art. 219, apesar de sua generalidade, encontra nas associações o seu beneficiário principal. O Brasil não tem tradição associativa. E mais, as poucas associações existentes – ao contrário do que ocorre na Europa e Estados Unidos – são literalmente pobres.
A facilitação do acesso à Justiça não é um movimento meramente formal de escancaramento das regras de legitimatio ad causam. De pouco vale franquear as portas da prestação jurisdicional sem que os novos legitimados tenham condições materiais de exercer o seu munus. E entre as barreiras ao acesso à Justiça para tutela dos interesses di fusos se colocava exatamente a possibilidade de o autor ideológico ser obrigado a adiantar despesas necessárias ao andamento do feito.
3. “Quaisquer outras despesas”
A lista estampada no art. 219 (“custas, emolumentos, honorários periciais”) é meramente exemplificativa. O legislador quis que o autor ideológico não seja obrigado, em hipótese alguma, a adiantar despesas, qualquer que seja sua natureza, denominação ou justificativa.
4. A quem cabe antecipar o pagamento das despesas
Em sede de ação civil pública, na medida em que se cuida de interesses que depassam o meramente individual, a regra é que providências (perícias, p. ex.) eventualmente necessárias sejam suportadas, mediante requisição, pelos órgãos e entidades da Administração direta, indireta e fundacional. Afinal, a razão de sua existência tem amparo na satisfação do interesse público (lato sensu), único que se discute na ação civil pública.
Mas, em um ou outro caso, é possível que só uma pessoa jurídica (ou mesmo física) privada possa cumprir a providência imprescindível à exata análise da quaestio. Não pode o juiz, nem mesmo nesta hipótese, por proibição ope legis, determinar que o autor proceda ao adiantamento.
Se o legislador tivesse dito “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas por parte do autor”, poderíamos, então, afirmar que, interessando a perícia à solução do litígio, e não apenas a uma das partes, ao juiz, então, estaria facultada a possibilidade de exigir o adiantamento do réu, desde que sua situação econômica assim o permitisse. Uma alteração muito radical do sistema processual? Não maior que a inversão do ônus da prova, hoje larga e universalmente aceita. Não foi essa, contudo, a solução dada pelo legislador, que preferiu … não dar solução! “O dispositivo, bem-intencionado mas muito teórico, não resolve o problema prático de não se poder exigir, p. ex., que peritos particulares custeiem ou financiem, de seus próprios bolsos, as caras perícias que poderão ser necessárias” (Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, São Paulo, Ed. RT, 1990, p. 183).
Parece-nos que os valores das multas (art. 214), já que possuem um caráter fundamentalmente sancionatório, e não reparatório, podem ser utilizados para cobrir tais despesas emergenciais cujos pagamentos não possam aguardar pelo desfecho final da ação.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury