ARTIGO 229/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Felício Pontes Junior
Rio de Janeiro
Vários são os casos, sobretudo nos grandes hospitais, em que se verifica troca de recém-nascidos ou tardio diagnóstico de patologia causada por não se proceder a certos exames em suas primeiras horas de vida. Assim, a sociedade brasileira buscava, de há muito, amparo através de norma dessa natureza, que suprisse essa necessidade e viesse a se adaptar culturalmente, fatores, estes, determinantes para alcançar alto grau de receptividade.
O art. 229 mantém estreita relação com seu precedente. Trata-se, também, de delito próprio, pois são autores apenas as pessoas mencionadas no tipo – médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante – além de ter como pano de fundo proteção à saúde do neonato.
A primeira parte tem por objeto de proteção – objeto jurídico – a correta identificação materno-infantil e como sujeitos passivos a pessoa identificada incorretamente ao nascer ou a mulher identificada incorretamente ao dar à luz. Conclui-se, assim, que a mulher, passado o período puerperal, e a pessoa que veio ao mundo, passada a fase de recém-nascido, continuam como titulares do bem de proteção penal.
No que tange à segunda parte, a omissão delituosa está no não procedimento de exames que visem ao “diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido” (art. 10, III, do ECA), cujo resultado deve constar na declaração de nascimento fornecida à parturiente ou a seu responsável, por ocasião da alta médica, sob pena de ser enquadrado o agente no art. 228 do Estatuto.
Portanto, não basta o processamento dos exames; é necessário, também, que o resultado destes conste no relatório do desenvolvimento do neonato, exarado na declaração de nascimento e entregue a quem de direito, sem o qual seria ineficaz. Constata-se, assim, que há condutas e agentes distintos. Pela falta de realização dos exames podem ser penalmente responsabilizados o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante; já, pelo não fornecimento do resultado desses exames, a responsabilidade poderá recair sobre o encarregado de serviço ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante.
Coerente com a remissão aos direitos fundamentais, a criação penal em estudo tem como objeto de proteção jurídica a saúde da nova pessoa. Na mesma linha de raciocínio traçada para a primeira parte da norma, o titular do bem ou interesse jurídico – sujeito passivo – é a pessoa não submetida aos exames legais.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 229/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Maria Anunciada Barral
Rio de Janeiro
As condições de vida e de saúde da maioria da população decorrem dos fatores estruturais inerentes ao sistema capitalista, que cada vez mais marginaliza a população menos favorecida, e através das instituições ocorre a mercantilização dos bens e serviços à população, o que contribui para assegurar e reproduzir as desigualdades sociais. A falta de prioridade dispensada às políticas sociais voltadas para a saúde, nas últimas décadas, levou os serviços a uma precariedade que traz insatisfação aos usuários e profissionais da área de saúde, fatores que se reúnem para condicionar a baixa qualidade e o descrédito dos serviços de saúde.
A saúde deve ser assegurada como um dos direitos dos cidadãos. O art. 229 do Estatuto vem respaldar os anseios da população, uma vez que, anteriormente, essa identificação e realização dos exames referidos no art. 10 dessa lei ficava muito dependente da boa vontade dos médicos, enfermeiros ou dirigentes de estabelecimentos públicos ou privados que prestam atendimento à saúde de gestantes. As disposições visam também a impedir trocas de recém-nascidos em hospitais.
Para que as apurações das responsabilidades não sejam difíceis, quando do não cumprimento deste artigo, é necessária a identificação dos nomes dos médicos, enfermeiros ou responsáveis pelos exames a serem realizados no neonato e na parturiente.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury