ECA: ARTIGO 231 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Heitor Costa JR.
Universidade Cândido Mendes/Rio de Janeiro
A norma prevista no art. 231 do Estatuto da criança e do Adolescente criminaliza a desobediência ao preceito das garantias individuais previsto no art. 5°, LXII, da CF.
Sujeito ativo é somente a autoridade policial responsável pela apreensão da criança ou adolescente. Trata-se de crime próprio. Próprios são os “crimes para os quais se exige do sujeito ativo algum especial atributo, geralmente de ordem funcional (funcionário público), ou familiar (ascendente, descendente)” (João Mestieri, Teoria Elementar do Direito Criminal, p. 304). Para Fragoso, “crimes próprios são todos aqueles em que se apresentam como elementos constitutivos qualidades, estados, condições e situações do sujeito ativo, de forma explícita ou implícita. Entram, pois, nesta categoria aqueles casos em que se exigem determinadas relações do agente com o sujeito passivo, com o objeto material, o instrumento ou o lugar, ou, ainda, um comportamento precedente do sujeito ativo” (Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral, p. 284).
Sujeito passivo será qualquer criança ou adolescente que se encontre na situação jurídica referida neste artigo, ou seja, a criança apreendida. Considera-se criança, “para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos” (art. 2º do ECA).
Tipo objetivo: a conduta punível consiste em deixar o sujeito ativo responsável pela apreensão de criança ou adolescente de comunicá-Ia, imediatamente, ao juiz competente e à família ou à pessoa indicada pelo menor privado de sua liberdade.
Trata-se de crime omissivo próprio. Abstendo-se a autoridade policial de cumprir o mandamento legal, realiza o tipo. lmpensável a tentativa nesta categoria de delitos, segundo a doutrina brasileira, porque impossível fracionar-se o processo de execução.
Observamos nesta figura típica o que Palazzo qualifica de influência dos valores constitucionais no sistema penal, pois, no capítulo dedicado aos direitos e deveres individuais e coletivos na Constituição Federal de 1988, dispõe o art. SU, LXII: “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicadas imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”.
Pertinente a lição de Paulo Cláudio e João Batista Tovo, em suas Primeiras Linhas sobre o Processo Penal em Face da Nova Constituição: “Nota-se no texto em análise da Constituição de 1988 a preocupação de suprimir conhecidos subterfúgios de informações, de autoridade coatora, no tocante à localização do capturado. A comunicação da prisão e do local onde se encontre o preso poderá ser telefônica, tanto ao juiz como à família ou à pessoa indicada, cabendo, na primeira hipótese, a competente anotação para posteriores providências, se for o caso, por parte do mais alto guardião das liberdades, que é o juiz (espécie de controle externo que deflui da Lei Maior). Nada impede, também, que a comunicação, na segunda hipótese, seja radiofônica, fonográfica ou telegráfica, ao menos enquanto não for regulamentada ou a Polícia Judiciária não estiver em condições de realizá-Ia pessoalmente” (ob. ciL, p. 30).
Este Estatuto – art. 106 – determina que nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato irracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, tendo direito, como consignado no parágrafo único deste artigo, à “identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos”. Nos termos do art. 107 desta lei, “a apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontre recolhido serão incontinenti comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada”.
Controla-se, desta forma, a legalidade ou ilegalidade da apreensão do menor. Como salienta Antônio F. A. Silva, “o juiz, recebendo o comunicado, examina se o caso é de privação de liberdade. Não se tratando de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa e nem havendo gravidade, repercussão social, necessidade de garantir a ordem pública ou a segurança pessoal do adolescente, determina a imediata liberação. O mesmo quando não ocorrerem hipóteses de flagrante conforme preceituem os arts. 302 e 303 do CPP, que é subsidiário” (“A mutação judicial”, in A Lei 8.069190, p. 51).
Tipo subjetivo: o crime é doloso. Inexiste, aqui, qualquer “elemento subjetivo do tipo”. Dolo genérico, portanto, no jargão causalista.
A pena prevista é a de detenção de seis meses a dois anos.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury