ECA: ARTIGO 237 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Heitor Piedade JR.
Universidade Federal do Rio de Janeiro
A conduta incriminada consiste em subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto. É crime que atinge não só o pátrio poder, a tutela, a curatela, mas a guarda.
Subtrair quer dizer retirar, no caso, a criança ou o adolescente de sua esfera de convivência normal, onde se exerce a custódia das pessoas a quem juridicamente compete sua guarda, vigilância ou cuidado” (Helena Fragoso, Lições de Direito Penal- Parte Especial, 4a ed., Il/145).
O tipo muito se assemelha ao previsto no art. 249 do CP. Dentre outras, duas diferenças podem ser apontadas. Enquanto o tipo definido no art. 249 prevê a subtração “de menor de 18 anos, ou interdito, ao poder de quem o tem sob guarda em virtude de lei ou de ordem judicial”, o tipo em estudo é mais detalhado, ao definir o elemento subjetivo do tipo, isto é, com o fim específico (antigo dolo específico) “de colocação em lar substituto”. Outra diferença encontra-se em que, na figura definida no Código Penal, o agente subtrai o menor do poder de quem lhe tem a guarda, ou pátrio poder, ou curatela, ou tutela, e o submete à sua própria esfera de vigilância. Já, no tipo previsto no Estatuto, o agente subtrai a criança ou o adolescente com o fim de colocá-Io em lar substituto.
Sobre lar substituto, veja-se o que dispõem os arts. 28 e ss. do Estatuto. Vale refletir sobre se a subtração recair sobre criança ou adolescente criado por alguém a quem não foi deferida guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com ou sem o fim de colocação em lar substituto, não haverá o tipo em exame, em face da ausência de um dos elementos objetivos do tipo.
A norma visa a proteger a família, notadamente o interesse da criança e do adolescente, objetivo principal do diploma legal em estudo.
Descabe a indagação sobre se a criança ou o adolescente aquiesceram ao ato, de vez que sua incapacidade torna absolutamente inócuo o consentimento porventura dado. A vontade contrariada deve ser a dos pais, ou tutores, de modo que o único consentimento que tem influência para fazer desaparecer o fato típico é o dessas pessoas (RT 191/625; RF 147/417).
Não fica desnaturada a figura típica pelo fato de estar a criança ou o adolescente entregue em virtude de lei ou ordem judicial aos cuidados de uma instituição particular ou oficial.
Sujeito do delito:sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, mesmo os pais, se não estiverem em virtude de lei ou ordem judicial privados, definitiva ou temporariamente, de sua guarda.
Já o sujeito passivo deve ser aquele que tiver sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, bem como a própria criança ou o adolescente.
Vale destacar que aqueles que simplesmente criam a criança ou o adolescente, sem amparo legal ou judicial, não são sujeitos passivos do delito.
Tipo subjetivo:para a configuração do delito em questão necessária se faz a vontade do agente em realizar o tipo objetivo, qual seja, “subtrair a criança ou adolescente … ” etc., isto é, dolo. Mas o tipo em exame exige o elemento subjetivo do tipo, o antigo dolo específico, que consiste no fim a que se propõe o agente.
O elemento subjetivo do tipo, no ensinamento de Helena Fragoso
(Lições de Direito Penal – Parte Geral, 10a ed., p. 179), revela o especial fim ou motivo de agir que aparece em certas definições de delitos condicionando ou fundamentando a ilicitude do fato. Trata-se, portanto, de elemento subjetivo do tipo de ilícito, que se apresenta de forma autônoma, junto ao dolo.
No caso em estudo, só haverá o crime do art. 237 do Estatuto se o agente “subtrair criança ou adolescente” ” … com o fim de colocação em lar substituto”. Sem essa finalidade, ou não haverá crime algum, ou o crime terá outra tipificação.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury