ECA: ARTIGO 238 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Maria Auxiliadora Minahim.
Universidade federal da Bahia
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 238, cria uma nova modalidade de entrega de filho menor a pessoa inidônea, esta prevista no art. 245 do CP. Distingue-se a nova figura, no entanto, por dispensar circunstância elementar daquele tipo – pessoa em cuja companhia saiba o agente ou deva ou deva saber que o menor fica moralmente em perigo – para reprovar, na conduta, a motivação que lhe deu causa: paga ou promessa de recompensa. O resultado superveniente, situação mais ou menos proveitosa para o menor, não importa para consumação do tipo, já que, no particular, a censura legal é feita em razão da turbação do exercício da tutela ou do pátrio poder.
A expressão “mediante paga ou recompensa” está a indicar a existência de um elemento subjetivo do tipo, um especial fim de agir: a expectativa de retribuição. A redação do artigo, todavia, deixa a desejar, porque a paga ou recompensa, sendo a razão de ser da conduta, a força subjetiva que a move, deveria ter sido expressa de maneira diferente, para que não se deixasse dúvida sobre se a reprovação recai sobre o meio (como deixa entrever o termo) ou sobre o fim.
A recompensa a que se refere o legislador não deve ser confundida com paga, o que tornaria o texto redundante. A palavra tem um sentido mais amplo, querendo significar qualquer recompensa, patrimonial ou não, devida ou indevida, uma vez que a reprovação existe pelo aviltamento do exercício do pátrio poder ou da tutela.
As duas condutas previstas situam-se em progressão criminosa, de forma que a promessa de entrega não constitui tentativa de efetivação, mas execução do tipo. A entrega da criança ou do adolescente, embora viole mais gravemente a ordem jurídica, não se configurará sob forma de concurso com a promessa, cabendo ao juiz, no momento de aplicação da pena, aplicá-la na quantidade suficiente para a reprovação da transgressão.
O parágrafo único incrimina a conduta da pessoa que oferece ou efetiva a paga ou recompensa. Não há, desta forma, concurso entre a ação desta e daquele que promete ou efetiva a entrega do filho ou pupilo na expectativa de concretização do oferecimento, que afinal pode não ocorrer, sendo indiferente para a configuração do delito. Ocorre, aqui, situação assemelhada à da corrupção passiva, art. 217, e da corrupção ativa, art. 233, ambos do CP.
A introdução da figura revoga tacitamente o § I Q do art. 245 do CP.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 238/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
Comentário de Maria Josefina Becker
Assistente Social/Porto Alegre
O delito previsto no art.238 é mais facilmente identificável, uma vez que envolve a promessa ou efetivação de “paga ou recompensa”. Não é demais lembrar demais lembrar que, do ponto de vista humano-social, o dolo é mais ‘evidente em relação a quem oferece ou efetiva a paga ou recompensa, numa explícita operação de “compra” de uma criança. Nem sempre os pais ou mães percebem a transação como “venda” do filho, uma vez que a recompensa é revestida de um caráter de “auxílio” para ajudar a criar os irmãos.
Muitas vezes, a pessoa ou pessoas que oferecem a recompensa diretamente aos pais são intermediários que obterão alto lucro com a operação, limitando-se a repassar à família uma cesta de alimentos ou quantias irrisórias em dinheiro.
Resta, ainda, salientar a situação de vulnerabilidade social em que se encontram muitas famílias ou mães, sobretudo se considerarmos a ausência ou falência das políticas públicas nas áreas de trabalho, saúde, educação e assistência social. O aproveitamento de tal vulnerabilidade para a obtenção de lucro é, pelo menos do ponto de vista ético e social, uma agravante evidente deste tipo de delito.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury