Saltar para o menu de navegação
Saltar para o menu de acessibilidade
Saltar para os conteúdos
Saltar para o rodapé

ECA: ARTIGO 244 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes

Comentário de Esther Kosowski

Universidade Federal do Rio de Janeiro.”Nomenjuris”: fornecimento de fogos de estampido ou artifício. Conceito: a interpretação deste dispositivo relativo ao ato ilícito do fornecimento, venda ou entrega de fogos de estampido está ligada aos ar­tigos anteriores da mesma conduta, relativa a substâncias perigosas ou ar­mas e explosivos. Entretanto, há uma exceção que exclui da tipificação aqueles fogos considerados inofensivos, que, pelo seu potencial reduzido, não possam provocar dano físico, mesmo em caso de utilização indevida; e é preciso definir o que seja esta utilização indevida. Muito poucos fogos de artifício ou estampido estariam incluídos na exceção, pois, mesmo quando a unidade seja de pouco potencial, como fogos chamados “estreli­nhas”, usados pelas crianças nas festas juninas, se usados em feixe de vá­rias unidades, podem provocar queimaduras; as populares “bombas cabe­ça-de-negro”, consideradas inofensivas, não somente assustam como po­dem provocar ensurdecimento e outros danos. Assim, o conceito prende-­se mais ao dano que poderá provocar, ao dolo de perigo, do que propria­mente ao tipo da substância.

Objetividade jurídica: o bem jurídico tutelado é a integridade física e a saúde.

Sujeito ativo: o crime é impróprio. Qualquer pessoa (homem ou mu­lher) pode ser agente deste crime, que é comissivo (exige ação).

Sujeito passivo: a criança ou adolescente, de qualquer sexo, e, em sen­tido mais amplo, a saúde pública.

Tipo objetivo: a conduta tipificada é vender, entregar ou fornecer a qualquer título, ainda que gratuito, fogos a criança ou adolescente, exce­tuando-se aqueles que não constituem perigo, mesmo em caso de utiliza­ção indevida. A exceção estará a cargo do poder discricionário da autori­dade competente para julgá-Ia.

Tipo subjetivo: dolo de perigo. A responsabilidade penal do agente reside na voluntariedade da venda, fornecimento ou entrega da substância que contenha em si potencial de perigo, daí a excludente das substâncias sem periculosidade, mesmo com utilização indevida.

Consumação: sendo crime de perigo, consuma-se com a mera condu­ta, seguindo as regras do crime formal.

Concurso de pessoas: são possíveis o concurso de pessoas e a co-autoria.

Pena: detenção de seis meses a dois anos e multa (indeterminada). Ação penal: ação penal pública incondicionada.

Correlação com outros dispositivos: Este texto faz parte do livro

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ARTIGO 244/LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes

Comentário de Luciana Bergamo Tchorbadjian Ministério Público/São Paulo.
O presente dispositivo legal foi acrescentado à Lei 8.0691/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) pela Lei 9.975, de 23.6.2000. O projeto de lei que deu origem à Lei 9.975, de autoria da deputada federal Luíza Erundina, foi fruto de debate travado entre diversas organi­zações da sociedade civil, durante a 273 sessão do Tribunal Permanente dos Povos, ocorrida em São Paulo, no mês de março de 1999. O Tribunal Permanente dos Povos é uma entidade internacional que investiga, julga e propõe soluções para questões de caráter mundial relacio­nadas à violação dos direitos humanos. Esse Tribunal está vinculado à Fun­dação Internacional Lélio Basso pelos Direitos e pela Libertação dos Po­vos, constituída na Itália, em 1976, pelo jurista que lhe deu o nome, e tem o reconhecimento da ONU – Organização das Nações Unidas.

A sessão acima mencionada, a segunda que teve como temática a in­fância e a juventude (a primeira ocorreu na Itália em 1995), perseguiu dois objetivos principais: sensibilizar o Estado e a sociedade sobre a distância existente entre a realidade e as normas da Declaração Universal dos Direi­tos da Criança, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Ado­lescente; e avaliar a vinculação desta última lei referida com as políticas públicas. Ainda na Câmara dos Deputados, o projeto de lei em questão foi en­riquecido pelo substitutivo global apresentado pelos deputados DI. Hélio, Rita Camata, Geraldo Magela, João Fassarella, Jandira Feghali e Laura Carneiro. Segundo consta do registro das discussões ocorridas por ocasião da apreciação deste projeto de lei naquela casa legislativa, pretendia-se que o Congresso Nacional criasse um instrumento legal que punisse exemplar­mente aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíssem para explorar sexualmente crianças e adolescentes, efetivando o compromisso do Go­verno Brasileiro, que promulgou o Decreto 99.710, após aprovação do tex­to da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, pelo Decreto Le­gislativo 28, de 14.9.1990. O art. 34 da citada Convenção declara que “os Estados Partes se com­prometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abu­so sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração da criança na prostitui­ção ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração de crianças em es­petáculos ou materiais pornográficos”. Não é demais lembrar, ainda, que no ano de 1994 foi instaurada, na Câmara dos Deputados, uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, para investigar a prostituição infanto-juvenil no Brasil, ocasião em que se debateu amplamente a questão, avançando-se na compreensão e aborda­gem do tema.

O bem jurídico tutelado por este dispositivo legal é o respeito e o tra­tamento com dignidade a que têm direito a criança e o adolescente en­quanto pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. É a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente.     ‘

Nos termos do art. 1° da Constituição Federal, a República Federati­va do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (inciso IlI).

A dignidade da pessoa humana é, portanto, bem ou princípio funda­mental da ordem jurídica, social e política do país.

Especificamente no tocante à criança e ao adolescente, a Carta Mag­na, em seu art. 227, caput, afirma que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissio­nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-Ios a salvo de toda forma de negli­gência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (gri­fos nossos).

O § 4° desse artigo preceitua, ainda, que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”.

Nota-se que os direitos à dignidade e ao respeito da criança e do ado­lescente revestem-se de prioridade absoluta, prioridade, essa, definida no art. 4°, parágrafo único, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adoles­cente).

O art. 3° dessa referida lei declara que “a criança e o adolescente go­zam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”, “assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e faci­lidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (grifo nosso).

O art. 5° da mesma lei dispõe que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Os arts. 17 e 18 do Estatuto tratam, respectivamente, dos direitos ao respeito e à dignidade da criança e do adolescente. O primeiro declara que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psí­quica e moral da criança e do adolescente ( … )”; e o art. 18 afirma ser de­ver de todos “velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexató­rio ou constrangedor” (grifos nossos).

O cotejo dos dispositivos legais mencionados nos permite afirmar que a criança e o adolescente, como toda pessoa humana, têm direito ao respeito e à dignidade, em condições especiais, já que gozam de prioridade absoluta e são pessoas em processo de desenvolvimento (art. 6° da Lei 8.069/90).

Conclui-se, assim, que ao tipificar o presente crime o artigo tutela os especiais direitos à dignidade e ao respeito de que são titulares crianças e adolescentes, protegendo-lhes a integridade física, psíquica e moral.

O sujeito ativo deste crime será qualquer pessoa que submeter a crian­ça ou o adolescente a exploração sexual ou prostituição e o proprietário, gerente ou responsável por local em que se verificar essa submissão.

O sujeito passivo será a criança ou o adolescente, tal como definidos no art. 2°, caput, da lei: criança é a pessoa até 12 anos de idade incomple­tos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

O tipo objetivo é a submissão da criança ou adolescente a exploração sexual ou prostituição.
Comete o delito quem submete a criança ou o adolescente a explora­ção sexual ou a prostituição. Explorar significa tirar proveito, auferir van­tagem. Pratica o crime aquele que se utiliza, diretamente, do corpo da crian­ça ou do adolescente como produto de consumo, para práticas sexuais, bem como aquele que favorece, propicia, incentiva, induz, facilita ou pro­move a intermediação deste corpo em troca de dinheiro ou de qualquer outra vantagem. 1ncide nas penas previstas para este delito tanto aquele que mantém o contato sexual com criança ou adolescente, numa relação mercantilizada, como aquele que, embora não mantendo contato sexual direto com a criança ou o jovem, aufere vantagem com o contato destes com terceiro.

Parece-nos que o conceito de exploração sexual, por ser mais amplo, abrange o de prostituição. Submeter a criança ou o adolescente a prostitui­ção nada mais é do que explorá-Ios sexualmente.

Importante traçar um paralelo entre este delito e alguns crimes pre­vistos no Código Penal, tais como a mediação para servir a lascívia de outrem (art. 227), favorecimento da prostituição (art. 228), a casa de pros­tituição (art. 229), O rufianismo (art. 230) e o tráfico de mulheres (art. 231).

Eventual conflito aparente de normas entre o artigo em comento e os dispositivos acima referidos, a nosso ver, revolve-se pelo princípio da es­pecialidade. A norma especial (Estatuto da Criança e do Adolescente) pre­valece sobre a geral (Código Penal).

Assim, por exemplo, aquele que induzir ou atrair uma criança à pros­tituição estará sujeito às penas do art. 244-A em tela, e não àquelas do art. 228 do Código Penal. <

Note-se que a pena prevista no art. 224- A é de 4 (quatro) a 10 ( dez) anos de reclusão e a pena prevista no art. 228 do Código Penal varia entre 2 (dois) e 5 (cinco) anos de reclusão. Ora, se o legislador expressamente reconheceu a necessidade de punição exemplar daquele que explora a crian­ça ou o adolescente é porque entendeu insuficientes, para tanto, os dispo­sitivos do Código Penal.

Aliás, o Relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal (senador Roberto Freire), que se manifestou pela aprova­ção do projeto de lei que deu origem ao presente dispositivo legal, expres­samente consignou em seu parecer:
“( … ) que o Código Penal, em seu art. 61, Il, ‘e’, prevê o agravamento de pena – qualquer que seja o delito – se a vítima ‘é criança, velho, enfer­mo ou mulher grávida’. Esse agravamento decorre da inferioridade defen­siva dessas pessoas, dela se prevalecendo o agente, conforme ensina Cel­so Delmanto em seu Código Penal Comentado.

“Significa dizer que a lei geral, isto é, no caso o Código Penal, não trata especificamente da matéria, no sentido de proteger a criança e o ado­lescente, eis que, como vimos, se limita a agravar a pena. Por seu turno, é evidente a lacuna no Estatuto Menorista, que, sendo lei especial, tem prima­zia sobre aquele Código. Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria estampar a condição protetora e prever o tipo legal específico.”

Ainda durante as discussões do projeto de lei acima citado, no Sena­do Federal, a senadora Heloísa Helena declarou:

“Importa observar que o Código Penal já prevê o crime de prostitui­ção e exploração sexual, prevendo ainda a circunstância agravante se a vítima é criança, idoso, enfermo ou mulher grávida. Com a tipificação em lei especial, como é o caso desta proposta, a pena passa a ser mais rigoro­sa, o que se coaduna com a ‘Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente’, nas Nações Unidas, em 1989, ratificada pelo Brasil em 1990. Essa medida punitiva vai ao encontro de orientações preconizadas por especialistas da matéria, por tantas entidades da sociedade civil, como sendo uma diretriz eficaz no combate ao gravíssimo problema da prostitui­ção e exploração sexual de crianças e adolescentes, que, lamentavelmente, vem marcando vergonhosamente o Brasil no cenário internacional”.

Não é demais acrescentar que os arts. 227 a 231 do Código Penal estão inseridos no Título VI, da Parte Especial, do Código Penal, que trata dos crimes contra os costumes, mais especificamente no Capítulo V, que cuida do lenocínio e do tráfico de mulheres. O legislador de 1940 preocu­pou-se, ao tipificar as condutas descritas nesses dispositivos, com a pre­servação dos costumes vigentes à época e com o tráfico de mulheres. Já a preocupação atual não é com a moral idade sexual, e sim com a crescente exploração sexual de crianças e adolescentes. Trata-se de preocupação es­pecífica em relação a pessoas em peculiar processo de desenvolvimento e que, portanto, merecem especial proteção. Cuida-se aqui de garantir res­peito e dignidade a crianças e adolescentes.

O legislador, no § 1°  do artigo em questão, tratou, também, da condu­ta do proprietário, do gerente ou do responsável pelo local em que se veri­ficar a submissão de criança ou adolescente a exploração sexual ou prosti­tuição, sujeitando-os às mesmas penas previstas no capul. Aqui também se entendeu que o art. 229 do Código Penal (casa de prostituição) não era específico e, portanto, suficiente para coibir a conduta daqueles que vi­vem da exploração de local destinado à prostituição de crianças e adoles­centes.

O legislador foi ainda mais longe e, sabiamente, previu como efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e funcio­namento do estabelecimento. Muitas vezes, mais do que a reprimenda pe­nal, o agente teme o encerramento de suas atividades, que constituem fon­te de sua própria subsistência, e da de sua família.

Cumpre consignar que, no tocante ao tipo subjetivo, o delito em ques­tão é doloso.

Por fim, ainda no que diz respeito à exploração sexual de crianças e adolescentes, não é demais lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos arts. 240 e 241, tipifica a conduta daquele que produz ou dirige representação teatral, televisiva ou película cinematográfica utili­zando-se de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou porno­gráfica e daquele que, nessas condições, contracena com a criança e o ado­lescente (art. 240), bem como daquele que fotografa ou publica cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (art. 241).

Sem qualquer dúvida, a promulgação da Lei 9.975, de 23.6.2000, constituiu significativo avanço na prevenção e repressão da exploração se­xual de crianças e adolescentes em nosso país. Mas não basta. É necessá­rio que o Estado e a sociedade continuem atentos para esta grave questão, o primeiro elaborando e implementando políticas públicas para impedir que nossas crianças e adolescentes sejam atraídos à prostituição, e a se­gunda exigindo a elaboração e cobrando a aplicação dessas políticas e, ainda, colaborando com o sistema repressivo.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ECA comentado: ARTIGO 244 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes
ECA comentado: ARTIGO 244 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes