ECA: ARTIGO 247 / LIVRO 2 – TEMA: Infração Administrativa
Comentário de Edmundo Oliveira
Universidade do Pará
Para a noção de atendimento dos direitos da criança e do adolescente remete o leitor para o comentário dos arts. 86 a 94 deste Estatuto.
Objeto jurídico desta infração é a proteção do sigilo que deve cercar a pessoa da criança ou do adolescente a que é atribuído ato infracional. Como ato infracional se considera “a conduta descrita (nas leis penais) como crime ou contravenção” (art. 102). Em outras palavras: o fato praticado é antijurídico, mas a criança e o adolescente “são penalmente inimputáveis e somente sujeitos às medidas previstas neste Estatuto” (art. 104).
Sujeito ativo é qualquer pessoa (subentendido: imputável). A proibição de divulgar não é feita somente aos encarregados (em geral) da criança ou do adolescente, mas também aos estranhos. Assim, o repórter de jornal, o comunicador de rádio, o locutor de televisão que divulga, todos ficam sujeitos à pena cominada neste artigo. Pouco importa que não tenham nenhum vínculo empregatício com a Administração Pública. Basta o status subjectionis que qualquer pessoa tem em relação a ela.
Sujeito passivo é a Administração Pública, e, secundariamente, a criança ou o adolescente prejudicado com a divulgação.
Fato típico é o de divulgar nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional.
Para a completa tipicidade da infração a lei exige, ainda, um elemento normativo: que a divulgação seja feita sem a autorização devida. Subentendido: sem autorização do “juiz da infância e da juventude ou do juiz que exerce essa função na forma da lei de organização judiciária local” (art. 146 do ECA).
A divulgação pode ser total ou parcial.
O veículo usado para a comunicação pode ser um meio de informação de massa (jornal, rádio, televisão ou qualquer outro) ou simplesmente um instrumento particular, desde que hábil para a divulgação (folhetos, libelos, panfletos, volantes etc.).
Objeto da divulgação pode ser: a) o nome da criança ou do adolescente a que se atribua ato infracional. O nome compõe-se do prenome (major, doutor, padre), do nome em sentido estrito (João, Clóvis, Edmundo), do sobrenome (Paulo, José, Alberto), do cognome ou nome de família (Sousa, Oliveira, Freitas), do agnome ou alcunha (terrível, glorioso). O pseudônimo, nome usado para ocultar a personalidade, pode chegar a ser tão conhecido que passe a constituir um nome (Ex.: Tristão de Ataíde; Conselheiro X. X.); b) ato de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Em linguagem jurídico-processual, ato é a forma escrita, a documentação, de um acontecimento. A palavra latina actum é o particípio passado de agere (agir, fazer). Deu em Português ato e auto. A primeira reserva-se para a inscrição do que aconteceu; a segunda é usada, em sentido técnico, na acepção de peça do processo em que se inscreve a notícia de uma diligência executada (exs.: auto de busca; auto de apreensão; auto de prisão em flagrante). Usada no plural (autos), a palavra designa o conjunto das peças de um processo; c) documento junto aos autos de um processo relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional.
Documento, em sentido estrito, é qualquer escrito destinado à prova de um fato (atas, escrituras, declarações etc.). Pode ser público, quando escrito por servidor público (lato sensu: funcionário, serventuário da Justiça etc.), ou particular, quando escrito por pessoa privada, como tal. O documento a que se refere este art. 247 é somente o que compõe o procedimento policial, administrativo ou judicial. Pouco importa que já esteja apensado aos autos ou não, contanto que a eles se destine. A meu ver, a lei foi muito estreita nesse ponto: deveria ter considerado infração administrativa a divulgação, por quem o detivesse, de qualquer documento relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional, ainda que não destinado a compor o procedimento policial, administrativo ou judicial.
Pena: multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se em dobro no caso de reincidência. Vejam-se as considerações relativas à pena dos arts. 245 e 246.
§
0.: aqui é que a lei colmou a lacuna referida pouco acima. Apenas deveria tê-Io feito no caput do artigo, e não neste parágrafo.
A lei quer preservar o futuro e o bom conceito da criança ou do adolescente a que se atribua ato infracional. Expô-Io à execração seria injusto e prejudicial. Injusto porque ele ainda não está suficientemente formado para que seja considerado imputável; prejudicial porque, uma vez difamado ele continuará denegrido para sempre.
Para resguardar desses males a criança ou adolescente, a lei proíbe a exibição de fotografia do autor de ato infracional ou de qualquer ilustração (desenho, pinturas) que lhe diga respeito, desde que possa levar a identificá-Io. Infelizmente, este preceito sempre foi desobedecido e todos os dias se vê estampada em jornais a fotografia do autor do ato infracional, apenas com uma tarja sobre os olhos.
20.: a exibição da fotografia ou da ilustração não pode ser feita pelos meios de comunicação pública: jornais, emissoras de rádio ou de televisão. Nesse caso, além da pena aplicável ao autor da infração administrativa a que se refere o caput, a autoridade judicial pode ordenar a apreensão do jornal, revista, volante etc., ou a suspensão da emissora por dois dias, ou da publicação do periódico por igual prazo.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury