ARTIGO 260/LIVRO 2 – TEMA: Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente
Comentário de Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude/Recife, Pernambuco
A falta de um suporte financeiro ou a insuficiência de dotações para implantação das propostas contidas em uma lei, segundo os teóricos, representa a principal das razões pelas quais, muitas vezes, legislações avançadas, de bom conteúdo e de boa técnica legislativa, não conseguem a plena eficácia, ou, como dizem no linguajar comum, são as famosas “leis que não pegam”. A crônica falta de recursos para programas de natureza social tem levado alguns governantes, no mais das vezes bem-intencionados, a buscar a geração de receitas através de parcela de arrecadação de loterias (esportiva, federal, estaduais, “raspadinhas”, loto, sena etc.), chegando-se ao extremo de, em um Estado da Federação, o então governador haver feito acordo com banqueiros de “jogo do bicho”, instituindo um, por assim dizer, “imposto extra-oficial”, na forma da construção de uma creche por mês, em troca da não atuação da Polícia contra a contravenção. De um lado, o numerário obtido tem-se mostrado insuficiente, enquanto, de outro, seu efeito pedagógico é nefasto, pois, em maior ou menor escala, estimula a prática dos justamente denominados “jogos de azar”.
Apenas alguns dias após haver completado um ano de vigência, a redação original dada ao caput do art. 260 do Estatuto foi modificada pela Lei 8.242 de 12.10.91, que também incluiu no texto mais dois parágrafos, fato que, por si só, abona a tese de necessidade de um adequado suporte financeiro para que a Lei vigore em toda sua plenitude.
A redação original tratava da possibilidade de abatimento da renda bruta de 100% das doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, cuidando o legislador de distinguir abatimentos feitos por pessoas jurídicas e físicas, estabelecendo um limite percentual máximo para cada caso. A formulação inicial tomava por base tradicionais incentivos fiscais utilizados nos tributos das três esferas de governo, embora nunca para a área social, e na Lei de incentivo à cultura, e representa mecanismo de excepcional relevância para a resolução do problema.
A partir de 16.10.91, com o advento da Lei 8.242/91, tal situação foi modificada sobremaneira, pois, doravante, a hipótese legal é de dedução do imposto devido do total das doações feitas, mas obedecidos os limites estabelecidos em decreto pelo Presidente da República.
É de se dizer que, sem dúvidas, deve o Executivo Federal ter tido alguns problemas de monta com a disposição original. Caso houvesse, àquela época, vetado o dispositivo, poderia ter sido acusado de inviabilizar financeiramente que a lei fosse posta em prática. Não o vetando, como ocorreu, restava o evidente conflito entre a política fiscal e tributária de reduzir incentivos setoriais e regionais, especialmente limitar ao máximo possível as deduções cedulares, com a necessidade de se gerar recursos específicos para a resolução do problema das crianças e adolescentes carentes, sem os inconvenientes das fontes financeiras mencionadas no início do comentário. Dessa contradição resultaram situações como a de a Receita Federal haver incluído no formulário de declarações de rendimentos de 1991 (anobase 1990) a dedução relativa à “doação Estatuto da Criança”, ao mesmo tempo em que o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, desaguadouro obrigatório de tais doações, não era instituído.
Por ocasião dos primeiros entendimentos entre o Governo Federal e a sociedade civil organizada para a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente já ficava clara a necessidade de se aproveitar o mesmo processo legislativo para se instituir o Fundo antes aludido. Neste sentido, inúmeros anteprojetos foram elaborados, seja pelo Ministério da Ação Social, Fórum DCA, reunião interministerial, até resultar no envio ao Congresso, pelo Executivo, do Projeto 514-D/91, havendo a aprovação na Câmara de um substitutivo proposto por parlamentares por sugestão do Fórum DCA. Até o estágio de tramitação no Senado para posterior regresso à Câmara, em razão de apresentação de substitutivos e emendas, tinham eles em comum o fato de não alterarem o texto do art. 260 do Estatuto, fato que, praticamente, só ocorreu quando da fase de votação da “redação final”.
Ao leigo pode parecer que não houve maiores alterações com o fato de se trocar abatimento de renda bruta de um percentual prefixado das doações havidas por dedução do imposto devido em percentual ainda não definido. Se é verdadeira a afirmativa de que não se pode dizer que houve redução de recursos potencialmente arrecadáveis – em tese, poderiam até ser superiores, a depender do percentual fixado pela Presidência da República – não menos verdade que resultará uma maior burocracia para captação de doações, já que, agora, em especial no tocante às pessoas jurídicas, se fará tão importante o contato com os contadores das empresas como com os empresários, pois sempre será mais difícil, às épocas em que ocorrem as doações, se prever o imposto devido no exercício subseqüente, inclusive pelas constantes modificações de política econômica, fiscal etc., do que fazer a previsão da renda bruta do mesmo exercício.
De toda sorte, ficou preservada a fórmula séria de geração de recursos, além da certeza de que agora não há óbices no Executivo para a implementação das medidas, e que o êxito na captação de doações dependerá exclusivamente da mobilização, criatividade e competência dos agentes envolvidos.
Cabe destacar que o legislador teve a preocupação de ressaltar que estas deduções não se sujeitam a outros limites e não podem ser consideradas como excludentes ou redutores de outros benefícios, abatimentos e deduções antes concedidos, em especial as doações feitas a entidades de utilidade pública.
Sem esta cautela, é bem provável que haveria imensas dificuldades em se identificar contribuintes para os Fundos, em especial entre as pessoas jurídicas, seja pela excessiva cctrga tributária, seja porque muitas delas já têm compromissos anteriores sobre doações dedutíveis de imposto de renda.
É de se ver que as doações devem ser feitas a Fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, sendo estes- Conselhos, e não os governos (Federal, Estaduais e Municipais), como muitos pensam, os gestores dos Fundos e a quem competirá definir as prioridades locais e o montante dos recursos destinados a cada empreendimento, minimizando, assim, riscos de “politicagem” ou favorecimentos, os quais têm como única limitação legal a obrigação de destinar parcela do numerário para incentivo ao acolhimento de órfãos ou abandonados. Nada impede que a Administração Pública, a critério do respectivo Conselho, seja órgão executor de projetos utilizando recursos do Fundo, mas jamais terão o poder de escolher quais deverão ser ou não executados e em qual ordem de prioridade.
A simples leitura do artigo e seus parágrafos leva ao leitor a certeza de que, pela sua complexidade, não é ele “auto-executável”, carecendo de regulamentação. De um lado, faz-se necessário definir como; quando; formulários; mecanismos de compensação do Fundo Nacional em favor dos Fundos dos Estados e Municípios mais pobres; registros nas declarações do Imposto de Renda, impondo-se norma regulamentadora federal, tendo sido expressamente previsto no § 3ll, acrescido pela nova lei, o órgão encarregado de tal tarefa. De outra parte, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente terão que ser criados, seus membros empossados, suas secretarias executivas entrarem em funcionamento, para, em seguida, definirem-se critérios de utilização, planos de aplicação etc., o que implica a necessidade de leis e decretos estaduais e resoluções dos respectivos Conselhos em cada nível de governo. No mesmo sentido, deve ser priorizada nos Estados e Municípios a instituição dos respectivos Fundos, sob pena de ficarem sem dispor sequer de repasses de recursos do Fundo Federal e de deixarem de captar como doação recursos gerados em nível local.
Em 5.4.93 foi editado o Decreto Presidencial n. 794 fixando o limite máximo de dedução do IR devido na apuração mensal das pessoas jurídicas, correspondente ao total das doações efetuadas no mês em 1 (um) por cento. Ou seja, resta a fixação de limites para as doações das pessoas físicas. Assim, cabe aos conselhos gestores uma política mais agressiva de captação de recursos junto ao empresariado.
A Lei 8.242/91 fez incluir também mais um parágrafo, o 4ll, cometendo ao Ministério Público a determinação da forma de fiscalização da aplicação pelo Fundo Municipal dos incentivos fiscais antes mencionados. De um lado, pode-se dizer que o preceito se coaduna com a filosofia do Estatuto de prestigiar e elevar a função institucional do Parquet. De outra parte, é possível se entender que a inclusão do parágrafo é redundante, já que a fiscalização é missão da instituição, aceitável apenas se foi visado um sentido de reforço didático-pedagógico, e que as mesmas razões que justificaram a inclusão da norma embasariam idêntica providência em relação aos Fundos Estaduais e Nacional.
Embora complexas sejam as providências, são urgentes e indispensáveis para lastrear as diversas ações a serem deflagradas doravante.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 260/LIVRO 2 – TEMA: Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente
Comentário de Luiz De La Moura
Pernambuco
Compete à legislação federal a determinação dos procedimentos operacionais para captação e dedução desta importante fonte de recursos fiscais introduzida pelo Estatuto no art. 260, que vem engrossar a tradicional fonte dos recursos previdenciários.
A dedução estimulará a realização de campanhas locais de captação de recursos, sob a supervisão do Conselho de Direitos, minimizando os riscos de campanhas fraudulentas que vez por outra acontecem.
Ao número de contribuintes tradicionais poderá vir a se somar um novo grupo, constituído por todos aqueles sensibilizados pela campanha e estimulados pela dedução.
Aos contribuintes caberá a prerrogativa de decidir o montante de recursos destinado ao financiamento dos programas de atendimento, respeitando os limites fixados pelo Estatuto, assim como a escolha do Fundo que se quer fortalecer.
Este último aspecto poderá vir a induzir uma salutar concorrência entre Conselhos, onde aqueles mais conceituados em termos de eficácia e honestidade terão a preferência.
É preciso, porém, que os Conselhos de Direitos tomem as devidas precauções para minimizar os riscos de fraudes que este tipo de incentivos fiscais favorece.
O Estatuto não esclarece se o Fundo constituirá apenas uma rubrica do orçamento público ou se estará depositado numa conta específica. Esta omissão tem permitido a adoção de uma ou outra modalidade pelos Conselhos de Direitos em funcionamento. Mas está muito claro e deve ser respeitado o princípio do absoluto controle do Fundo por parte do Conselho. Os recursos serão utilizados em programas de atendimento, no caso dos Fundos municipais e estaduais, e em transferências aos Estados e Municípios, no caso dos Fundos Nacional e, estaduais, segundo critérios fixados pelos respectivos Conselhos, através de planos de aplicação.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury