ARTIGO 261/LIVRO 2 – TEMA: Estado
Comentário de Luiz Carlos de Barros Figueirêdo
Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude/Recife, Pernambuco
Dentre os grandes méritos do Estatuto, sem sombra de dúvidas, pode-se incluir o fato de ele se basear em um perfeito diagnóstico de realidade do País, seja identificando as áreas críticas de atuação, seja norteando suas propostas com base em experiências exitosas encontradas isoladamente em vários Estados brasileiros.
Dentre as áreas de estrangulamento, indubitavelmente, como já registrado nos comentários aos arts. 90 e 91 do Estatuto, sempre estiveram o registro, acompanhamento, alteração, fiscalização das entidades governamentais ou não que executam programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes. Com toda certeza, parcela do problema ocorria pelo equívoco cometido no art. l0 do revogado Código de Menores, que definia tal atribuição ao órgão estadual, que também era executor e não poderia desempenhar função de coordenação. É público e notório que na maioria das cidades brasileiras jamais estes cadastros foram feitos e muito menos realizadas as comunicações à extinta FUNABEM e ao Judiciário local.
Se a nova lei cometeu tal atribuição aos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, descentralizando e democratizando as decisões sobre o assunto, que, em última análise, ficarão a cargo da própria sociedade, teve o legislador a preocupação de indicar uma solução transitória para os casos de demora na criação de tais colegiados locais, com a cautela de, embora provisória, fosse ela mais eficaz que o sistema anteriormente vigente. Neste sentido, atribuiu à autoridade judiciária da comarca a que pertencer a entidade a competência de fazer tais registros. Se é verdade que o Judiciário – e em especial as Varas Privativas da lnfància e da Juventude da maioria das comarcas do Brasil – não se encontra devidamente aparelhado em termos de recursos humanos de apoio, estrutura física, recursos financeiros.e materiais, não menos verdade é que, graças ao empenho de muitos magistrados e de suas equipes, o quadro não se encontra mais grave, donde pode-se esperar que a costumeira dedicação e sacrifícios ainda sejam, por algum lapso de tempo, observados no cotidiano. Além disso, pela própria força e respeito que o Poder Judiciário impõe, notadamente nas cidades de médio e pequeno portes; pelas rigorosas sanções estabelecidas na Lei; pela proximidade ao Ministério Público, que, no exercício de suas atribuições, pode e deve ajuizar tantas ações quantas se façam necessárias para o fiel cumprimento da lei, tudo indica ter sido feliz a escolha do legislador.
Resta, ainda, uma dúvida referente à existência formal do Conselho, mas sem funcionamento de fato, situação que, lamentavelmente, deverá se materializar em vários Municípios brasileiros, para se saber, neste caso, a quem caberá a gestão dos registros cadastrais das entidades. Coerentemente com a própria filosofia democratizadora do Estatuto, e de acordo com o princípio de Hermenêutica Jurídica que assinala não caber ao intérprete distinguir onde a Lei não distingue, entende-se que, tão logo instituído e empossado o Conselho Municipal, a autoridade judiciária não mais poderá atuar na questão dos registros cadastrais das entidades, devendo, ao contrário, encaminhar todo o material disponível no Juizado sobre o assunto, oficialmente, ao Presidente do Conselho. A omissão, despreparo ou desaparelhamento deste é, em princípio, problema muito mais de natureza social do que jurídica, e a própria sociedade, pelos canais formais e informais de pressão, é que deve adotar as providências para cobrança do efetivo funcionamento do Conselho.
Em tese, por se tratar, na prática, de fórmula de obstáculos à consecução dos direitos da criança e adolescente, seria compatível que o Ministério Público ou as entidades nas condições do art. 210 do Estatuto providenciassem ajuizar ações civis em relação àqueles que, por ação ou comissão, venham a inibir a atuação dos Conselhos.
Salutar cautela também foi tomada pelo legislador quando do condicionamento de liberação de recursos referentes aos programas e atividades previstas no corpo da lei, seja da União para os Estados e Municípios, seja dos Estados para os Municípios, à criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente nos seus respectivos níveis. Ora, se, dentre os papéis fundamentais dos Conselhos de Direitos, em nível estadual e municipal, se insere o de coordenar, definir prioridades de propostas e identificar custos e fontes de funcionamento, seria um contra-senso a manutenção dos critérios destas políticas até então vigentes de repasse de recursos sem um prévio planejamento e exata escolha das prioridades de cada Estado e Município.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury