ECA: ARTIGO 54 / LIVRO 1 – TEMA: EDUCAÇÃO
Comentário de Moacir Gadotti
Pontífiica universidade Católica de São Paulo
“É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental, obrigatório e gratuito.”
A educação é direito público subjetivo de todo cidadão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, de acordo com a Constituição de 1988, dispondo sobre a proteção integral à criança e ao adolescente, estabelece o direito à educação, assegurado pelo Estado.
Mas a Constituição que o Estatuto complementa é uma Constituição “cidadã”, por isso estabelece que a educação, sendo dever do Estado, é também dever da família, da sociedade e de todos. Só o Estado pode dar conta do nosso atraso educacional. Mas não o fará sem o apoio da sociedade. Por isso, é necessário construir uma escola que também seja uma escola-cidadã.
Como seria essa “escola-cidadã”?
No meu entender essa escola deveria ter algumas diretrizes básicas, entre elas: 1ª) ser uma escola autônoma para todos democrática na sua gestão; 2ª) valorizar a dedicação exclusiva dos professores e ser de tempo integral para os alunos; 3ª)valorizar a iniciativa pessoal de cada professor, do conjunto das pessoas envolvidas em cada escola; 4ª)cultivar a curiosidade, a paixão pelo estudo, o gosto pela leitura e pela produção de textos, não a aprendizagem mecânica; 5ª) deve propor a espontaneidade e o inconformismo; 6ª) deve, também, ser uma escola disciplinada. A disciplina que vem do papel específico da escola (o sistemático e o progressivo); 7ª) a escola não pode ser um espaço fechado. Sua ligação com o mundo se dá pelo trabalho; 8ª) a transformação da escola não se dá sem conflitos. Elas se dá lentamente. Pequenas ações, mas continuadas, são melhores no processo de mudança que eventos espetaculares, mas passageiros. Só a ação direta de cada professor, de cada classe, de cada escola, pode tornar a educação um processo enriquecedor; 9ª) não há duas escolas iguais. Cada escola é fruto do desenvolvimento de suas próprias contradições; 10ª) cada escola deveria ser suficientemente autônoma para organizar o seu trabalho da forma que quisesse, inclusive, a critério do seu Conselho de Escola, contratar e exonerar professores.
Essas 10 diretrizes seriam, no meu entender, uma espécie de decálogo da escola-cidadã.
Que forças poderiam construir essa escola? Na história da Educação brasileira, duas forças defenderam a escola popular: de um lado, os defensores da escola pública e, de outro, os defensores da escola comunitária confessional. Unir essas forças enraizadas na nossa História apresenta-se como uma estratégia necessária para realizar o princípio constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Daí a necessidade de unir o Estado com a sociedade civil na defesa da garantia de uma escola para todos. Essas duas forças sempre estiveram em oposição. Todavia, encarar o ensino público e o privado como dois blocos antagônicos é um equívoco. Tanto entre os defensores do ensino público quanto entre os defensores do ensino privado, é preciso distinguir aqueles que defendem uma escola democrática, para todos, e aqueles que defendem uma escola discriminadora e elitista.
A questão da escola não é apenas uma questão de quantidade, mas uma questão de qualidade, de busca de concepções novas e de novas utopias educacionais que sempre mobilizaram a sociedade.
Numa perspectiva utópica, que é mais forte do que as ideologias, podemos buscar saídas para a tão conhecida crise educacional. Hoje, a utopia propõe o retorno à comunidade onde a escola surgiu. Para realizar concretamente essa nova escola, será preciso que a comunidade defenda a escola como defende o acesso ao transporte, à moradia, ao asfalto, ao esgoto, ao trabalho… Enfim, que ela defenda a educação como fundamental para a sua própria qualidade de vida.
Essa nova escola já está sendo construída na resistência concreta ao modelo burocrático da escola atual. Essa é a escola onde as crianças estão sentindo prazer em ir, prazer em estudar, prazer em construir a cultura elaborada. Essa escola não será abandonada pelas crianças e adolescentes. Porque ninguém larga, ninguém abandona, o que é seu e o que gosta.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 54/LIVRO 1 – TEMA: EDUCAÇÃO
Comentário de Hélio Xavier de Vasconcelos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Este artigo vem assegurar à criança e ao adolescente o que é dever do Estado no que pertine à educação. Este dispositivo tem sete incisos e três parágrafos que iremos comentar.
Todos eles, sem exceção, guardam inteira simetria com o estabelecido na Constituição Federal e ampliam seu significado, sem, no entanto, ferir ou ultrapassar a intenção do legislador constituinte (ou o que dispõe a Lei Maior).
O inc. I garante ser o ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive e sobretudo para aqueles que a ele não tiveram acesso na idade própria, o que é inovador e excelente, fazendo desaparecer uma vedação discriminatória aos considerados “fora de faixa”.
Estender, progressivamente, a obrigatoriedade e a gratuidade ao ensino médio é o que dispõe o inc. II, o que é, sem dúvida, do maior alcance social, porquanto vai possibilitar ao adolescente o ingresso e a permanência em um novo nível de ensino que o credenciará ao exercício de novas oportunidades nos campos do saber e do trabalho.
Aos portadores de deficiência é assegurado o atendimento educacional especializado, que deve ser – preferencial e acertadamente – feito através da rede regular de ensino, com o quê se procura evitar toda e qualquer discriminação que erradamente se queira fazer com relação aos deficientes. É o que se depreende da leitura do inc. III.
O inc. IV, por sua vez, diz ser também dever do Estado assegurar creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. O acerto dessas garantias dispensa maiores comentários, por sabermos o valor e a necessidade de que se revestem. A creche e a pré-escola devem figurar como imprescindíveis nos campos da assistência e da educação.
O acesso aos mais elevados níveis de ensino, da pesquisa e da criação artística vai depender, no caso, da capacidade de cada um. É o que se depreende da leitura do preceituado no inc. V. Tem-se expresso um critério de justiça que é, sem dúvida, o reconhecimento dos mais capazes. O dispositivo vai contribuir para a descoberta de talentos que não tiveram oportunidades.
O inc. VI trata da oferta de “ensino noturno regular”, “adequado às condições do adolescente trabalhador”. Este dispositivo repete, em parte, o disposto no inc. VI do art. 208 da CF.
Os estudiosos da educação brasileira são unânimes em que o ensino noturno regular deva ser repensado, porquanto a sua prática não condiz, por não estar adequada, com a realidade, criando sérios óbices ao trabalhador estudante.
O Estatuto, apoiado no estabelecido na Constituição Federal, reabre a oportuna discussão do assunto, que deve desaguar na Lei de Diretrizes da Educação Nacional em tramitação no Congresso.
Sabemos todos que o acesso das chamadas “camadas populares” à escola pública e gratuita não é tarefa fácil. Sabe-se, também, que sua permanência na escola vai depender de inúmeros fatores, dentre os quais salientamos: a não possibilidade de aquisição de material didático-escolar; a ausência de recursos financeiros para o pagamento do transporte, para a alimentação e, muitas vezes, a falta de assistência à saúde. Daí por que, com inteira propriedade, o legislador incluiu o inc. VII, que prevê a existência de programas suplementares para suprir tais deficiências.
O § 1º do art. 54 estabelece, com invulgar clareza, que ” o acesso ao ensino obrigatório e gratuito” é ” direito público subjetivo”, porquanto é faculdade assegurada a pessoas nas Constituições Federal e estaduais, assim como nas leis orgânicas dos Municípios e na legislação ordinária, enquanto o § 2° o complementa, esclarecendo e determinando que a não oferta do ensino obrigatório pelo Poder Público e o seu não oferecimento regular ensejam aos prejudicados a busca de mecanismos judiciais para responsabilizar as autoridades competentes.
Atribui-se ao Poder Público a competência para recensear os educandos no ensino fundamental, assim como propiciar sua convocação e, mais que isso, estabelecer diálogo permanente com os pais ou responsável, a fim de que se obtenha um alto índice de frequência, o que é de todo certo e salutar. É o que se depreende, em síntese, da leitura do § 3° do artigo ora comentado.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury