ECA: ARTIGO 27 / LIVRO 1 – TEMA: FAMÍLIA
Comentário de Washington de Barros Monteiro
Universidade de São Paulo
O presente dispositivo foi derrogado pela Lei 8.560/92, na parte em que prescreve tratar-se o reconhecimento do estado de filiação de direito personalíssimo, tendo em vista que o Ministério Público passou a ter legitimidade para ajuizar a ação de investigação de paternidade, sem prejuízo da iniciativa de quem tenha legítimo interesse (art. 2°, §§ 4° e 5°). Ademais:”O Ministério Público tem legitimidade para propor ação de investigação de paternidade, ainda que o investigante tenha sido registrado e nascido antes da vigência da Lei 8.560/92″ (RT717/227) (nota do Coordenador Munir Cury).
Direito personalíssimo, direito indisponível e direito imprescritível são as três normas essenciais do estado de filiação.
É direito personalíssimo porque inerente ao estado de filho. Não comporta sub-rogados, nem se trata de direito suscetível de ser exercitado por outrem (p. ex., por um dos netos), ou mesmo por um espólio.
Só se admite a representação, em caso de procedimento judicial, se o filho, que pede o seu reconhecimento, for civilmente incapaz (CC, art. 84).
É direito indisponível, não comportando, assim, nenhuma negociação, inclusive transação (CC 1916, art. 1.035; CC 2002, art. 841).
E é igualmente imprescritível. Enquanto vivo, assiste ao filho o direito de reclamar o reconhecimento de seu status familiar, assim como ao genitor dever de responder pelo seu dever.
Essa imprescritibilidade descansa na conexão existente entre o interesse do indivíduo e o do Estado. Além disso, o status família implica coincidência de direitos e deveres, que impede que alguém se isente de seus deveres, despojando-se dos direitos que porventura lhe assistam. Nesse sentido a Súmula 149 do STF.
Trata-se, aliás, de relação jurídica extra commercium. Nesse sentido a lição de Antonio Cicu (La Filiazione, p. 144). Mas o direito exercer-se-á sempre em segredo de justiça (CPC, art. 155, 11).
Como dizia Bentham, a publicidade é a alma da justiça. Tudo há de ser feito às claras. Todavia, excepcionalmente, casos há, indicados nesse preceito da lei adjetiva, que impõem a reserva, o sigilo, dada a possibilidade de suscitar escândalo, embora o segredo de justiça seja garantia não só da observância das formas como da imparcialidade dos juízes (Albert Tissier, Traité Théorique et Pratique d’Organisation Judiciaire, de Compétenceet de Procédure Civile, Il/399).
Como dito acima, com apoio na Constituição de 5.10.88, a família é a base da sociedade. Contudo, em verdade, é bem mais do que isso. No dizer de Cícero, “o gênio que o povo romano teve igual ao seu império”, na frase de Sêneca, ela é o seminarium reipublicae. Realmente, quando somos adolescentes, a família educa o nosso coração. Adultos, ela torna-se escola de moral, afastando-nos das más ações pelo exemplo dos pais, pela honra de sermos casados, a que acresce a força do trabalho. Velhos, impomos a obrigação dos bons exemplos, a fim de que os nossos descendentes se tornem melhores do que nós. São palavras de Fornari (Dell’Obbligo degli Alimenti, p. XXV).
Enfim: “É no seio da família que se aprendem os primeiros ensinamentos da religião, as primeiras ideias do dever e do direito, da justiça e da injustiça, do amor da pátria e do respeito às leis. Justamente por isso, foi chamada de “santuário dos afetos” (Mario Sasso, Nuovo Digesto Italiano,verbo”Famiglia”).
Por essa razão, terá de ser o que de mais caro temos. Em última análise, ela é, mesmo, a pequena pátria que se lega à grande pátria, na feliz expressão de Rousseau.
Defendê-la intransigentemente, em todos os terrenos e em todas as circunstâncias, inclusive no campo do Direito, é obrigação geral, e não diminuí-la ou a mesquinhá-la, como fez Gide, ao escrever a célebre apóstrofe: “familes, je vous haïs”.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury