ECA: ARTIGO 55 / LIVRO 1 – TEMA: EDUCAÇÃO
Comentário de Walter E. Garcia
Brasília
A inclusão do art. 55 no Estatuto da Criança e do Adolescente representa a reiteração de orientações que vêm sendo adotadas pelas principais leis de educação do País ao longo das últimas décadas. Esta disposição, que estabelece a responsabilidade do pai pela matrícula do filho no sistema regular de ensino, significa a contra partida de uma conquista histórica, que é o direito de todo cidadão – desde os primeiros anos de vida – a uma educação pública, universal, gratuita e obrigatória.
Para entender um pouco mais esta questão, que vincula o direito à educação com a obrigatoriedade de seu cumprimento, convém recordar que, antes do advento do Estado Moderno, o atendimento educacional não era visto como um dos direitos fundamentais da cidadania. Cada um estudava como podia e as famílias deveriam prover, caso tivessem recursos, a formação de seus filhos. A Revolução Francesa (1789) passa a ser o marco fundamental de reversão dessa prática, ao considerar o cidadão como princípio e fim de todo Estado de Direito. Daí por que se passa a reclamar a educação pública obrigatória como requisito para o novo estilo de vida social. O cidadão educado conhecedor de leis, direitos e deveres, torna-se mais apto ao desempenho de novos papéis exigidos pela sociedade em processo de crescente organização.
O princípio da educação primária para todos praticamente se generalizou em toda a Europa e também nos Estados Unidos. No fim do século passado, a maioria dos países hoje chamados desenvolvidos havia adotado a política de educação pública, universal, gratuita e obrigatória para todas as crianças. E a obrigatoriedade dos pais de assumirem essa exigência foi aceita naturalmente como um dos deveres da paternidade responsável.
O Brasil, onde representantes de suas elites sempre estiveram sintonizados com as principais mudanças ocorridas no mundo, também incorporou tais preocupações, e já na Constituição de 1824, art. 179, item 32, estabelecia a seguinte disposição:” A instrução primária é gratuita, a todos os cidadãos”. A mesma determinação no cumprimento desse direito, entretanto, nunca foi muito enfatizada.
Em realidade, o enunciado das Constituições e das leis nunca foi tão forte para suplantar o enorme descaso pela instrução de toda população. Conseqüência direta disso é que a obrigatoriedade também nunca foi cobrada. O raciocínio é simples: como exigir do pai a matrícula do filho na escola se o Estado não providencia estabelecimentos e vagas em número suficiente?
A Constituição de 1988 traz várias mudanças que aprimoram o conceito de direito à educação. Além de reiterar a obrigatoriedade e a gratuidade (art. 208), o texto constitucional considera que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, podendo compelir a autoridade competente a responder pelo seu não cumprimento (art. 208, VII, e §§ 111e 211). Com isto, os pais têm uma poderosa arma na defesa de seu direito de educar os filhos, desde que prefeitos, governadores ou secretários de Educação não estejam oferecendo oportunidade de educação gratuita a todos.
O art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente é coerente com o texto da Constituição de 1988, ao fixar também no art. 227, reiterando, inclusive, o art. 208, que o direito à educação, com absoluta prioridade, é dever da família, da sociedade e do Estado. Assim, a responsabilidade isolada e retórica das Constituições anteriores ganha um sentido mais amplo e mais abrangente com o novo texto constitucional. O pai negligente, tanto quanto o Poder Público desleixado, pode ser chamado a responder pela não matrícula da criança na escola.
Saber se o art. 55 vai ser cumprido ou não depende de muitos fatores, mas podemos assegurar que hoje já se dispõe de instrumentos mais eficazes e eficientes para que cada família, utilizando inclusive os instrumentos legais que estão à sua disposição.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury