ECA ARTIGO 60 / LIVRO 1 – TEMA: DIREITOS
Comentário de Oris de Oliveira
Esta nova redação é dada pela Emenda Constitucional 20, que alterou a original do inc. XXXIII do art. 7º da Lei Maior. Assim, o texto original do art. 60 do ECA, acima reproduzido, está revogado.
O art. 1º da Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada pelo Brasil, explicita que a proibição refere-se à admissão a emprego ou a trabalho, não se restringindo, pois, ao trabalho efetuado em uma relação empregatícia.
Idades mínimas e trabalho infantil
No texto constitucional há quatro faixas etárias sobre trabalho, a serem consideradas: a) antes dos 14 anos, proibido qualquer trabalho; b) a partir de 14 anos (até 18 anos), permitido trabalho na condição de aprendiz; c) 16 anos para trabalho executado do processo de aprendizagem; d) abaixo dos 18 anos, proibido trabalho insalubre e perigoso.
È tecnicamente infantil todo trabalho proibido com fins econômicos ou equiparados ou sem fins lucrativos em ambiente residencial para terceiros (doméstico) quando não se obedece às limitações acima apontadas sobre idades mínimas.
A interpretação das normas legais sobre idade mínima comporta duas leituras. Uma paupérrima, que vê no enunciado apenas o não proibitivo, outra, em conformidade com a sua teleologia, revela os valores que elas preservam: o direito de ser criança, direito de brincar, direito á lazer, à convivência familiar, à educação, à escola de qualidade. Valores, estes, que não podem ser privilégio de “eupátridas”, de bem-nascidos.
Lugar de criança não é nem no trabalho nem na rua, mas na família e na escola. O trabalho prematuro e da rua privam do direito de ser criança
. Trabalhar na condição de aprendiz
Trabalhar na condição de aprendiz significa trabalho inserido em programa de aprendizagem, que é uma das primeiras etapas de formação técnico-profissional (cf.comentários aos arts. 62 e 65).
Vulgarmente, às vezes, por conveniência, denomina-se aprendizagem a execução de tarefas (tais como estafeta, office-boy, ensacador de compras, vigilância de carros na rua) que não necessitam de passagem prévia por um processo de aprendizagem. Se não se tomar a expressão na condição de aprendiz no sentido estrito ou técnico, a Constituição estaria fixando aos 16 anos a idade mínima de trabalho fora de um processo de profissionalização e, ao mesmo tempo, anulando seu próprio enunciado, rebaixando-a para 14 anos.
Dimensão e causas do trabalho infantil
Comparando com alguns países com menor desenvolvimento econômico e social, é relativamente grande no Brasil a dimensão do trabalho na faixa etária de 10 a 17 anos, atingindo, segundo dados conservadores, um número aproximado de 7 milhões, diversamente distribuídos por regiões econômicas, pelos setores primário, secundário e terciário das atividades econômicas e por gênero.
Há, hoje, consenso em que a unicausalidade não explica o fenômeno do trabalho infantil. Além do fator econômico, inquestionavelmente condicionante, outros contribuem para sua sustentação, dando-lhe configurações próprias. Entre eles, merece destaque cultural, que, em vez de ver no trabalho infantil um problema, uma chaga a ser extirpada, nele vê uma solução para o dilema fechado e ideológico alimentador de exclusão, ranço novecentista: ou o trabalho, ou a rua, como sina do pobre e como fruto da pobreza aceita como fatalidade.
Eliminação do trabalho infantil
Faz poucos anos que o trabalho infantil, ultimamente sob a modalidade de doméstico (TID), entrou na agenda nacional, graças indubitavelmente à inserção do Brasil no IPEC ( Internacional Programo n Elimination Child Labour), gerenciado pela OIT. Antes do IPEC a referência ao trabalho infantil tinha conotação puramente acadêmica ou retórica, mas, por ser culturalmente aceito, pouco ou nada se fazia para debela-lo. O IPEC no Brasil envolveu e envolve em sua dinâmica os órgãos da Administração Pública (especialmente o Ministério do Trabalho), da administração da Justiça (com destaque para a destemida atuação de muitos membros do Ministério Público Estadual, do trabalho, Federal e de Juizados), da organização sindical patronal e operária brasileira (em diversos níveis, inclusive centrais sindicais), da sociedade civil organizada, na qual sobressaem os Centros de Defesas municipais, estaduais e nacionais. Muitos Conselhos Estaduais e Tutelares têm dedo uma contribuição relevante na luta pela erradicação do trabalho infantil.
Centrando sua atuação no campo da educação, o papel desempenhado pelo UNICEF tem sido decisivo para obtenção dos objetivos propostos. Várias lições podem ser retiradas da experiência até agora vivida no combate ao trabalho infantil: a eliminação é um processo gradativo, que envolve uma necessária parceria de todos os atores acima mencionados, porque ações isoladas da Fiscalização se mostram infrutíferas ou pouco douradoras.
Focos de trabalho infantil (entre outros no setor dos calçados, da colheita de cana) foram eliminados, embora parecessem, inicialmente, indestrutíveis. A maior lição que hoje se tira no embate da eliminação do trabalho infantil é que ele só se erradica preenchendo o não proibitivo legal com alternativas positivas: programas de educação, de lazer, de emprego e renda para os pais, de renda mínima – todos eles acoplados à freqüência à escola, especialmente no ensino fundamental.
Piores formas de trabalho infantil
Em todos os países, inclusive nos chamados desenvolvidos, com maior ou menor extensão e intensidade, existem formas de trabalho infantil altamente agressivas a saúde física e psíquica e o desenvolvimento moral e social da criança e do adolescente. O adjetivo “piores”, que se lhes aplica, é apenas comparativo em relação a outras formas que são totalmente inaceitáveis.
A convenção 182, ratificada pelo Brasil, e a Recomendação 190 da OIT enfocam as piores formas propondo prioridade na eliminação. Foi o que de fato se deu no Brasil, em que as primeiras ações voltaram para a pesquisa sobre trabalho infantil e sua erradicação, por exemplo, no setor da colheita da cana, na fabricação de calçados, nas carvoarias, na exploração sexual, no envolvimento com drogas.
As Convenções 138 e 182 e as recomendações que as acompanham não exigem dos países que as ratificam uma instantânea e miraculosa transformação cultural e sociológica. O art. 1º da Convenção 138 exige comprometimento na adoção de uma política nacional que assegure a progressiva, mas efetiva abolição do trabalho infantil.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury