COMENTANDO O ECA – ARTIGO 90 / LIVRO 2 – TEMA: ENTIDADES DE ATENDIMENTO
Comentário de Ilanud
A proteção integral deve se concretizar através de uma articulada rede de serviços de atendimento, capaz de assegurar todos os direitos e garantias de crianças e adolescentes. Para tanto, o artigo 90 determina que as entidades de atendimento sejam responsáveis pela manutenção das suas unidades, bem como pelo planejamento e execução dos seus programas. E mais, ainda impõe uma gradação de regimes, nos quais as entidades de atendimento devem se inserir. São sete regimes, cada qual previsto em um inciso, que mapeiam a condição da criança e do adolescente quanto à sua situação de risco pessoal e social e necessidade de desligamento da família.
Os incisos deste artigo se colocam de maneira gradual. Procuram em primeiro lugar assegurar uma boa situação familiar que ampare a criança e o adolescente, nos termos da. orientação e do apoio sócio-familiar, enquanto um sinal verde para um desenvolvimento saudável. À medida que estes mecanismos falham, prevê-se um atendimento mais drástico, o que inclui até mesmo a colocação da criança ou adolescente em abrigo, constituindo um sinal amarelo, indicativo da situação de risco em que a pessoa se encontra. Já as medidas socioeducativas, em especial a internação, representariam o sinal vermelho, momento no qual é preciso separar o adolescente do convívio familiar e comunitário devido ao cometimento de um ato infracional.
Portanto, temos que o referido artigo apresenta uma seqüência gradativa de opções de atendimento, que nas palavras do legislador assim se manifestam: I orientação e apoio sócio-familiar; II apoio sócio-educativo em meio aberto; III colocação familiar; IV abrigo; V liberdade assistida; VI semiliberdade; VII internação. Podemos dizer que estes incisos se organizam de acordo com a lógica do semáforo já discutida no comentário ao artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos.
O primeiro inciso, orientação e apoio sócio-familiar, indica que as entidades de atendimento devem garantir uma ajuda não-material que consiste em encaminhamento familiar a grupos de ajuda e discussão, bem como orientação psico-social aos familiares. Já o apoio seria uma ajuda de cunho financeiro, às famílias que apresentem dificuldades econômicas na manutenção de suas necessidades; mas pode significar também um encaminhamento a organismos que promovam a inserção dos familiares em programas de emprego. Como se vê, este dispositivo busca garantir condições para que a família possa criar seus filhos com dignidade e respeito aos seus direitos. Procura, portanto, garantir um sinal verde para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Já o segundo inciso, apoio sócio-educativo em meio aberto, busca assegurar um sinal verde de forma mais direta para crianças e adolescentes. Trata-se da disponibilização de serviços que devem ser complementares às atuações familiares e da escola. Estes programas de apoio social e educativo não se confundem com as medidas socioeducativas, que visam à responsabilização de adolescentes em conflito com a Lei, mas integram a importante missão de formar, juntamente com a escola e família, o tripé da proteção integral: família, escola e comunidade. Em termos de conteúdo, devem oferecer: reforço escolar, apoio nutricional, esporte e atividades artístico-culturais, dentre outros.
A colocação familiar, presente no inciso III, implica no afastamento familiar, na qual a criança ou adolescente é colocado em uma família acolhedora (substituta) até que cesse a situação de periculosidade e lesão a direitos provocada por sua família de origem. Já a institucionalização de crianças e adolescentes em abrigos, prevista no inciso IV, é medida mais drástica, vez que priva a pessoa do convívio familiar diário. Ambas são medidas protetivas, que ocupam o sinal amarelo do semáforo.
As medidas socioeducativas (contempladas nos incisos V, VI e VII) simbolizam o sinal vermelho do semáforo. Elas indicam que o adolescente rompeu com os valores sociais e praticou uma conduta reprovável: um ato infracional. Além de serem classificadas como sinal vermelho, as medidas socioeducativas também apresentam uma gradação: desde as medidas que se operam em regime aberto, como a liberdade assistida, passando por medidas transitórias e intermediárias como a semiliberdade, até chegar a medida mais extrema (por resultar na perda temporária da liberdade) que é a internação.
No mais, o artigo 90 também estrutura formas de controle para a garantia da proteção integral. Desta forma, dispõe que qualquer entidade, seja ela governamental ou não-governamental, deve proceder a uma inscrição de seus programas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ou seja, antes que uma entidade inicie seus trabalhos, deve se submeter a um registro, que avaliará se a instituição: encontra-se regularmente constituída, oferece instalações físicas e condições de higiene, salubridade e segurança adequadas, bem como se apresenta em seus quadros funcionários idôneos. De forma suplementar a este primeiro controle, o artigo em questão também faz referência a uma fiscalização que deve ser operada pelos Conselhos Tutelares; estes devem zelar pelo cumprimento e respeito a todos os direitos e garantias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, as entidades responsáveis pelo atendimento às crianças e adolescentes submetem-se a um duplo controle: preventivamente, quando do registro nos Conselhos Municipais de Direito e repressivamente quando, mediante denúncias de violações a direitos junto aos Conselhos Tutelares e ao Ministério Público (artigo 95 do ECA), houver a responsabilização pelas irregularidades praticadas. O artigo 97 do Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, apresenta as medidas cabíveis para a responsabilização de entidades governamentais e não governamentais, o que não exclui a responsabilidade civil e criminal dos dirigentes de tais entidades.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez
ARTIGO 90/ LIVRO 2 – TEMA: ENTIDADES DE ATENDIMENTO
Comentário de Edson Sêda
Advogado e Educador/São Paulo
Da mesma forma como no caso da política de atendimento, também aqui, quando se fala em entidades de atendimento, juridicamente, deve-se entender nos termos em que a questão é enfocada na Lei Maior: atendimento aos direitos da criança e do adolescente.
Ocorre, porém, que toda entidade que trata com crianças deve, juridicamente, ser entidade com essa característica, seja ela da esfera da educação, da saúde, do esporte, da cultura, do lazer, da profissionalização etc., porque não se admite que, atendendo a crianças, não atendam elas também a seus direitos!
No caso deste artigo, o Estatuto refere-se às entidades voltadas para programas especiais, que são os de proteção e sócio-educativos previstos no art. 98 do Estatuto, a saber, os destinados a crianças e adolescentes cujos direitos forem ameaçados ou violados: I por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III em razão de sua conduta.
Já mostramos, linhas atrás, que o Estatuto prevê o desvio da norma e, assim o fazendo, prevê mecanismos para correções de todo tipo de desvio. Essa a razão pela qual a política de atendimento dispõe que os Municípios devem instalar programas de proteção e sócio-educativos para que, havendo ameaça ou violação de direitos, tenhamos mecanismos já instalados para a aplicação das medidas previstas no tít. II do Livro II do Estatuto.
O art. 90 prevê a existência de sete regimes de atendimento para essas circunstâncias, todos eles juridicamente exigíveis, seja no contexto das próprias políticas públicas de saúde, educação, recreação, esporte, cultura, lazer etc., seja especificamente criados para esse fim. Cabe aos Conselhos dos Direitos municipais verificar a existência ou não desses tipos de programas e deliberar quanto ao aperfeiçoamento dos eventualmente existentes ou à criação de novos, se necessário, a cargo de entidade governamental ou não-governamental, segundo as conveniências locais.
Tais programas deverão ser inscritos junto ao Conselho, o qual comunicará seu registro às autoridades, que aplicarão medidas a serem cumpridas nesses regimes: o Conselho Tutelar e o juiz da infância e da juventude.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez