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ECA: ARTIGO 92 / LIVRO 2 – TEMA: ENTIDADES DE ATENDIMENTO

Comentário de Ilanud
O artigo 92 do ECA, inserto no capítulo sobre entidades de atendimento, trata dos princípios a serem adotados pelos programas de entidades de abrigo. Cuida, portanto, dos valores fundamentais que devem orientar o atendimento em abrigos.

Em verdade, a previsão destes princípios pelo ECA revela o esforço por uma ruptura com a cultura de institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil. A título ilustrativo, tal intuito pode ser igualmente extraído da leitura do artigo 121 do ECA, o qual determina que a medida socioeducativa de internação constitui medida privativa de liberdade sujeita aos princípios da excepcionalidade e da brevidade.

São 9 os princípios previstos no artigo 92, sendo que 4 deles referem-se à preservação de vínculos afetivos, em especial de vínculos familiares. Com isso, busca-se poupá-los ao máximo do sofrimento causado pela separação de pessoas com as quais estão emocionalmente ligadas, sendo certo que tais vínculos são essenciais para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

A preservação de vínculos familiares e o não-desmembramento de grupo de irmãos, previstos respectivamente nos incisos I e V do artigo 92, correspondem ao direito da criança e do adolescente de ser criado e educado no seio de sua família natural.1 Do mesmo modo, a estima pela preservação dos vínculos com a família natural2 também é contemplada pelo princípio do inciso II, o qual determina que somente quando for realmente inviável a manutenção na família de origem deverá o abrigo proceder à integração em família substituta. Ou seja, a inserção em família substituta é medida excepcional e subsidiária, devendo apenas ser aplicada quando a manutenção dos vínculos com a família originária puder gerar riscos ou prejuízos ao desenvolvimento da criança e do adolescente.

No mesmo sentido, a preservação de vínculos afetivos pode ser extraída do princípio do inciso VI, que requer se evite a transferência para outras entidades de abrigo como forma de preservar os vínculos afetivos já construídos pela criança ou adolescente em determinada entidade e de resguardá-los de sentimentos de separação, perda e abandono.

O artigo 92 abrange ainda o princípio da individualidade e da coletividade do atendimento à criança e ao adolescente abrigado. O princípio da individualidade, previsto no seu inciso III, impõe ao abrigo ações que permitam a construção e desenvolvimento individual da personalidade da criança e do adolescente, respeitando assim a sua subjetividade. O princípio da coletividade vem contemplado no inciso VII do artigo, o qual, compreendendo não se tratar de medida privativa de liberdade3, respeita o direito à convivência comunitária4 do abrigado e condena o isolamento.

Os princípios contidos nos incisos IV e IX reportam-se ao direito à educação. Exigem que a educação de crianças e adolescentes em abrigos seja articulada por meio de atividades internas e externas à instituição. No mais, o inciso IV determina o desenvolvimento de atividades em regime de co-educação, ordenando com isso a presença de educadores habilitados aptos a contribuir com uma aprendizagem dinâmica dentro da entidade. Já o inciso IX direciona a participação de pessoas da comunidade no processo educativo e determina com isso que crianças e adolescentes abrigados usufruam os recursos comunitários, que estudem na rede regular de ensino, por exemplo, de forma a construírem e solidificarem uma vida extra-institucional.

Por fim, e não menos importante, o inciso VIII do artigo 92 prevê o princípio da preparação gradativa para o desligamento. Vale ressaltar que este princípio está em consonância com o parágrafo único do artigo 101 do ECA, segundo o qual o abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando em privação de liberdade. Com este princípio pretende o legislador evitar que o abrigo torne-se uma residência, um lar permanente. Deste modo, o diretor da entidade de abrigo deve estar ciente de que é preciso permitir que a criança e o adolescente construam a noção de um pertencimento do mundo e que o abrigo nas suas vidas foi um momento transitório do qual levarão referências emocionais, educacionais e culturais.

1 Art. 19 (ECA) – Toda a criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
2 Art. 25 (ECA) – Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.
3 Art. 101 (ECA) (…)
Parágrafo único -O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando em privação de liberdade.
4 O direito a convivência comunitária está previsto no artigo 19 do ECA. Conferir nota nº 1.

ARTIGO 92/LIVRO 2 – TEMA: ENTIDADES DE ATENDIMENTO

Comentário de Edson Sêda
Advogado e Educador/São Paulo
Entendeu o legislador que o detalhamento de princípios fundamentais exigíveis das entidades que desenvolvem programas de abrigo é fundamental para a mudança das práticas rotineiras no Brasil em relação a crianças abrigadas.

Notar que a aplicação desses princípios viabiliza, no mundo fático do Direito, os direitos elencados na norma constitucional no art. 227.

Para obter total cobertura jurídica da proteção devida ao abrigado, o legislador, no parágrafo, equipara o dirigente da entidade ao guardião, para todos os efeitos de direito. É natural que assim fosse, considerando-se que, nos termos do parágrafo do art. 101, a medida de abrigo é excepcional, presumindo-se, assim, que sua aplicação se fará sempre no âmbito de família que não apresenta condições de exercer a guarda em sua plenitude.

Observação importante: o intérprete ou aplicador do Estatuto não deve confundir abrigo com internação. O abrigo é o lar coletivo, de pequenas dimensões, onde o abrigado não está privado de liberdade. A internação é, por definição do Estatuto (art. 121), medida paliativa de liberdade, só aplicável em casos especiais.

Outra observação: não confundir o direito de ir e vir, a que se refere o art. 16, com a não submissão do abrigado às normas da instituição que o protege. A equiparação do dirigente ao guardião e a adequação do abrigo às normas do Estatuto impõem deveres ao abrigado.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez

ECA comentado: ARTIGO 92 / LIVRO 2 – TEMA: Entidades de atendimento
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