ARTIGO 97/LIVRO 2- TEMA: DA POLITICA DE ATENDIMENTO
Comentário de Esther Maria de Magalhães Arantes
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Um dos méritos do Estatuto da Criança e do Adolescente é ser preciso: não deixa dúvidas quanto ao que sejam tanto os direitos das crianças e dos adolescentes quanto os deveres da família, Estado e sociedade no cumprimento destes direitos, apontando, também, as medidas cabíveis no caso de risco, violação ou descumprimento dos mesmos.
Assim procedendo em relação a todas as matérias, não seria diferente em relação às entidades de atendimento: no art. 90 define o que são tais entidades; no art. 95, ser da competência do Judiciário, Ministério Público e Conselhos Tutelares a fiscalização tanto de entidades governamentais como não governamentais; e no art. 97 apresenta as medidas aplicáveis àquelas entidades que descumprirem suas obrigações. Estas obrigações, por sua vez, também não são subjetivas ou genéricas, mas encontram-se definidas no art. 94, entre outros. É importante ficar claro que o que se deseja assegurar no Estatuto como um todo, e também neste art. 97, que trata de medidas aplicáveis às entidades que descumprirem suas obrigações, são os direitos das crianças e dos adolescentes. Não fosse assim, não remeteria, no parágrafo único do art. 97, as infrações cometidas pelas entidades ao risco do não atendimento daqueles direitos. Daí ressaltarmos o caráter educativo do Estatuto mesmo quando trata de sanções: não podendo mais ser tratados como “casos”, seja de polícia, seja de patologia social, devem, crianças e adolescente ter seu direitos assegurados por todos e também pelas entidades de atendimento. No caso de não cumprimento de obrigações e sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou prepostos, as medidas aplicáveis às entidades vão desde a simples advertência até o fechamento de unidade ou interdição de programa, para as governamentais, e cassação de registro, para as não governamentais.
Pode-se, no entanto, argumentar – como, de fato, tem sido feito – que tudo o que acima foi dito nos ofereceria grande alívio não fosse o Brasil um País do qual já se disse uma vez que certas leis “não pegam”. Este argumento, longe de ser simplista, merece de nossa parte sérias considerações.
Sem cairmos no engano de remeter nossas mazelas sociais a um suposto “caráter” nacional e também sem cairmos no engano de acreditar que Código de Menores e Estatuto da Criança e do Adolescente se equivalem, sendo ambos boas leis que apenas não foram ou não serão cumpridas, devemos reconhecer as dificuldades, os entraves e as resistências que já fazem e provavelmente se farão presentes em relação ao reordenamento institucional e á mudança das práticas que o Estatuto preconiza e, mesmo, impõe. Neste sentido, podemos imaginar, p. ex., pressões sobre as famílias das crianças e dos adolescentes para que aceitem certas práticas das instituições ? práticas não conformes ao Estatuto ? sob ameaças de perda de vagas ou matrículas nos programas. Do ponto de vista ético-político, só nos parece justo pedir a alguém que se arrisque em denúncias caso se assegure a contrapartida, na prática, de que tais denúncias serão não apenas devidamente esclarecidas como, também, não se voltarão contra o denunciante. No caso aqui em questão, estas garantias legais são possíveis, através dos instrumentos previstos no Estatuto, quais sejam, entre outros, os diversos Conselhos.
Desta forma, para além das pequenas ou grandes infrações ou dos subterfúgios que poderão ser utilizados por esta ou aquela entidade de atendimento para dissimular o não cumprimento de obrigações, e tendo-se em vista a estrutura social brasileira – desigual e autoritária – consideramos que, para o momento atual, é a demora na implantação dos Conselhos, ou sua implantação apenas parcial, o maior risco em relação aos direitos das crianças e adolescentes, comprometendo, inclusive, o art. 97, que ora comentamos, pois que é também função dos Conselhos Tutelares a fiscalização das entidades de atendimento. E no vazio da implantação dos Conselhos e do não esclarecimento da população sobre o Estatuto que todo tipo de prática pode encontrar abrigo e justificativa.
Na medida, também, em que a participação popular está prevista no Estatuto, através de representações nos Conselhos, a não implantação dos mesmos, a implantação apenas parcial ou, mesmo, a demora podem estar significando que esta participação, apesar de preconizada, não está sendo desejada por alguns setores, o que seria retirar parte da legitimidade conferida ao Estatuto.
Na realidade, acreditamos que o Estatuto é a lei mais avançada e bonita que a sociedade brasileira foi capaz de elaborar, fruto da mobilização de um povo generoso e que, apesar de sofrido, insiste ainda em acreditar em algo tão abstrato e ao mesmo tempo tão concreto como é a justiça. Como corolário destas afirmações, devemos supor que o Estatuto não é para sempre, mas que será modificado quantas vezes se fizerem necessárias para acompanhar os avanços democráticos de que a sociedade brasileira for capaz – não antes, porém, de ter sido colocado em prática por inteiro. E esta é uma grande característica do Estatuto: sendo uma lei que tem seus fundamentos na doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, a organicidade de seu todo depende do funcionamento de suas partes, não havendo funções mais importantes. Sendo uma lei concebida democraticamente pela sociedade, também pode ser pensada como um instrumento de educação desta mesma sociedade, evoluindo ambos, instrumento e sociedade, no sentido da garantia, na prática, destas mesmas conquistas.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 97/LIVRO 2 – TEMA: DA POLITICA DE ATENDIMENTO
Comentário de Edson Sêda
Advogado e Educador/São Paulo
Finalmente, fechando o ciclo dos mecanismos jurídicos acionáveis quando do desvio das normas de atendimento de direitos, o Estatuto institui as medidas aplicáveis pela autoridade judiciária (v. inc. V do art. 148), por representação do Ministério Público (art. 201) ou da cidadania, nos termos do parágrafo único.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury