ECA: ARTIGO 98 / LIVRO 2 – TEMA: MEDIDAS DE PROTEÇÃO
Comentário de Wanda Engel
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
O primeiro dado a ressaltar ao comentar o art. 98 do Estatuto é o reforço que se dá, também neste capítulo, à premissa de que é dever da sociedade em geral e do Poder Público em especial, além da família, assegurar a crianças e adolescentes seus direitos básicos.
Seriam, pois, sujeitos-alvos das medidas de proteção todas as crianças e adolescentes que, por omissão destes dois agentes, tivessem aqueles direitos ameaçados ou violados.
Comporiam este conjunto, por um lado, crianças e jovens vítimas históricas de políticas econômicas concentradoras de renda e de políticas sociais incompetentes em sua tarefa de assegurar a todos os cidadãos seus direitos sociais básicos. Crianças e jovens com a saúde ou a própria vida ameaçadas pelas condições de pobreza, desnutrição e insalubridade ambiental; sem acesso a uma assistência médica de qualidade; fora da escola ou submetidos a um processo educacional que os leva ao fracasso escolar, à estigmatização e à exclusão; inseridos num trabalho que os explora e afasta do convívio familiar e comunitário, da escola e do lazer.
Estariam também neste grupo, por outro lado, crianças cujas famílias se omitem do dever de assisti-las e educá-las, praticam maus-tratos, opressão ou abuso sexual, ou simplesmente as abandonam.
Crianças e jovens sujeitos ao desuso, abuso ou violência da sociedade, do Estado e da família ganham concretude nas figuras da criança abandonada, do jovem violentado, do pequeno bóia-fria, do exército de evadidos da escola ainda analfabetos ou semi-alfabetizados, do menino de rua.
Surge, porém, na letra da lei, entre os responsáveis pela ameaça ou violação dos direitos da criança, um terceiro agente – ela própria (a criança), em função de sua conduta.
Reconhece a legislação que a criança e o jovem, em função de uma dada conduta – crime ou contravenção – reconhecida como ato infracional, possam vir a ter direitos ameaçados ou violados. Ao lado disto, entretanto, a mesma lei elege o princípio da inimputabilidade dos indivíduos entre 0 e 18 anos, tomando por base a reconhecida condição peculiar de desenvolvimento sócio-cognitivo em que se encontram estes sujeitos.
Conciliando estas premissas aparentemente contraditórias, assegura-se à criança até 12 anos que comete um ato infracional a preservação de todos os direitos assegurados em lei, admitindo-se apenas para o adolescente infrator a restrição do seu direito à liberdade, e assim mesmo somente em casos considerados de extrema gravidade e em condições específicas.
Cumpre ressaltar, finalmente, que mesmo nestes casos permanecem assegurados todos os seus demais direitos, não sendo admissível, por exemplo, negar-se escolaridade ou atendimento médico a uma criança em função de sua “má conduta”.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 98/LIVRO 2 – TEMA: MEDIDAS DE PROTEÇÃO
Comentário de Edson Sêda
Advogado e Educador/São Paulo
Aqui se encontra, normativamente, o coração do Estatuto, no sentido de que, com este artigo, o legislador rompe com a doutrina da “situação irregular”, que presidia o Direito anterior, e adota a doutrina da “proteção integral”, preconizada pela Declaração e pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança.
E aqui se encontra a pedra angular do novo Direito, ao definir com precisão em que condições são exigíveis as medidas de proteção à criança e ao adolescente.
O princípio da exigibilidade, nesse caso, diz-nos que o desvio da norma, sempre que ocorram as três condições por ela referidas, autoriza à cidadania (através do direito constitucional de petição), ao Conselho Tutelar, através da requisição, ao Ministério Público, através da representação em juízo, e à autoridade judiciária, em decisão fundamenta, buscar os fins sociais a que o Estatuto se destina, consoante seu art. 611.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury