O pleno desenvolvimento de pessoas com deficiência enfrenta muitas barreiras para uma educação inclusiva. A escola, a interação entre estudantes e a formação de professores são centrais para mudar o quadro.
Para começar a falar sobre educação inclusiva é importante alguns conceitos. O termo inclusão é usado para se referir a ações pensadas para igualar as oportunidades a grupos historicamente excluídos. Promover tais iniciativas faz com que as relações se construam a partir do convívio com a diferença, naturalizando as limitações e potencialidades de cada indivíduo. Para se aproximar desse debate, no entanto, é preciso refletir: o que significa incluir?
“As pessoas ainda não entendem a diferença entre integração e inclusão. A ideia da integração parte da premissa de que nossos corpos não tem a mesma capacidade. Inclusão é ter pessoas diferentes em um mesmo espaço, e não um espaço para pessoas diferentes”, afirma Victor Di Marco, em um de seus vídeos no Instagram.
Nas redes sociais, o cineasta se dedica a produzir conteúdo sobre capacitismo e compartilhar sua vivência como uma pessoa com deficiência. O produtor de conteúdo cita, ainda, as salas de aula criadas apenas para pessoas com deficiência como um exemplo de medida que não representa uma educação inclusiva.
Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) foi aprovada para garantir infraestrutura e acesso de pessoas com deficiência à rede regular de ensino. Embora não desconsidere a possibilidade de matrículas em escolas especializadas, a lei continua a ser uma conquista entre os especialistas que defendem a aprendizagem em turmas mistas.
“A LBI é uma tradução da Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas Com Deficiência, que traz para a legislação brasileira o que há de mais avançado e atualizado no mundo. A possibilidade de conviver com as diferenças desde cedo é uma oportunidade preciosa de desenvolvimento a partir da interação com a heterogeneidade da sociedade”, comenta Rodrigo Hübner Mendes, fundador e superintendente do Instituto Rodrigo Mendes.
O que prevê a LBI?
- Nenhuma escola poderá negar matrículas de pessoas com deficiência;
- As escolas, sobretudo as particulares, não poderão cobrar taxas adicionais;
- É considerada discriminação toda forma de segregação ou exclusão da pessoa com deficiência;
- Torna-se responsabilidade do Estado brasileiro investir em acessibilidade, tecnologias assistivas e formação de equipe pedagógica para possibilitar o acesso a oportunidades de aprendizagem adequadas.
Inclusão e as competências do século XXI
Além do respaldo na legislação, essa conquista também se reflete no percentual de estudantes com deficiência que estão matriculados no ensino básico regular. Dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica 2019 mostram que as matrículas passaram de 46%, em 2007, para 85%, no ano de 2018.
Já em 2019, um levantamento feito pelo Datafolha em parceria com o Instituto Alana, mostrou a percepção da sociedade brasileira em relação ao modelo de educação inclusiva. Dentre os entrevistados, 76% concordam que as crianças com deficiência aprendem mais em conjunto com crianças sem deficiência.
“A presença de maior diversidade em sala de aula gera um desconforto construtivo na equipe pedagógica e discente, pois catalisa o processo de ampliação de repertório, atualização do conhecimento e introdução de novas tecnologias. Sendo assim, ela impulsiona a criação de uma pedagogia mais condizente com o mundo contemporâneo”, afirma Rodrigo Hübner Mendes.
Habilidades como autonomia, empatia, mediação de conflitos, comunicação e resolução de problemas são consideradas competências do século XXI, e uma forma de trabalhá-las é expandir a convivência com as diferentes demandas da comunidade escolar.
A segregação das escolas especiais
Apesar dos ganhos para o desenvolvimento, pensar em turmas mistas ainda traz muitas inseguranças, tanto para as famílias quanto para os educadores. É preciso viabilizar as infraestruturas, ou seja, oferecer uma educação inclusiva. Das práticas pedagógicas, até simples atividades cotidianas como ir ao banheiro ou se locomover pelo ambiente escolar.
“A legislação prevê que existam pessoas dedicadas aos cuidados especiais dentro das escolas, mas a falta de diálogo dentro da comunidade cria mais receios e dificuldades para todas as partes. Incluir não é apenas garantir a matrícula na escola, as pessoas com deficiência devem ser formadas com autonomia e para participarem da sociedade”, acrescenta Carolina Videira, especialista em Práticas Inclusivas e Membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU Brasil.
As chamadas escolas especiais podem soar como uma alternativa segura a princípio no que tange à educação inclusiva. No entanto, a especialista reforça que essa premissa não garante eficiência na formação e funciona como uma medida paliativa, sem resultados eficientes a longo prazo.
“O conceito de escola especial, exclusiva para crianças e jovens com deficiência, é segregador por si só. Essa concepção limita o desenvolvimento dos estudantes, pois cria bolhas de convivência e trata toda deficiência como limitante, sem levar em consideração o potencial construtivo da interação para o desenvolvimento de todas as crianças”, finaliza.
Formação de professores como ponto de partida
Além de especialista em educação inclusiva, Carolina também é mãe do João, diagnosticado com a Síndrome de Pelizaeus-Merzbacher – que causa dificuldades na fala e na locomoção. Foi a partir dessa vivência, e do olhar apurado para os desafios de alcançar uma educação inclusiva de qualidade, que surgiu a Turma do Jiló.
A organização da sociedade civil tem o propósito de incluir as pessoas com deficiência por meio da educação. Promove cursos de capacitação inclusiva para docentes e funcionários de escolas, assegura atendimentos psicossociais, jurídicos e assistenciais e oferece consultoria personalizada para adaptação de espaços físicos da rede de ensino. Só no estado de São Paulo a Turma do Jiló tem cerca de 100 escolas públicas na espera para receber o Programa de Educação Inclusiva.
“Nem sempre os docentes aprendem na formação acadêmica a lidar com as diferenças. E isso é de extrema importância para redução das desigualdades, do problema da invisibilidade e do preconceito relacionado às diferenças. Ao capacitarmos professores, garantimos o desenvolvimento dessas crianças e jovens”, afirma a fundadora.
Segundo Carolina, cobrar que a educação inclusiva seja disciplina obrigatória nos currículos do Ensino Superior é o primeiro passo rumo à eficiência nas práticas pedagógicas. Além disso, políticas públicas que incentivem a formação continuada e ofereçam recursos para as escolas apoiarem as famílias e manterem o diálogo aberto com a comunidade escolar são essenciais para a garantia de uma vida autônoma.