Conheça seis conceitos que ajudam a entender como o modelo finlandês de educação tornou-se referência mundial
“Estes são nossos recursos naturais: muito frio, madeira e água. Essa é a receita para a melhor educação do mundo (risos)”. Foi com bom humor que Jarkko Wickström começou sua palestra no evento Scandinavian Day, encontro que repercutiu boas práticas dos países escandinavos em diversas áreas. Em pouco mais de meia hora, o especialista apresentou os fatores considerados diferenciais no modelo de educação na Finlândia.
Para Jarkko, diretor de operações da Universidade da Finlândia, entidade que reúne universidades públicas finlandesas, a receita do país nórdico é simples: formação básica, pesquisa e valorização de professores.
No Brasil, a entidade articula junto ao Ministério da Educação, a governos estaduais e a universidades privadas, consideradas mais dinâmicas em criar cursos de aperfeiçoamento, visando melhorar a qualidade do ensino por meio da cooperação.
A ideia é dar apoio à construção de projetos em todo o mundo, difundindo conceitos que fizeram da Finlândia um dos países líderes do PISA, teste trienal conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mede, em 70 países, a competência de jovens de 15 anos em matemática, leitura e ciências.
A seguir, veja seis conceitos que ajudam a entender como a educação na Finlândia chegou a outro patamar de inovação em todo mundo.
Visão aberta
Uno Cygnaeus é considerado o pai do sistema público escolar finlandês. Em 1862, seu plano foi aprovado, baseado na visão de filósofos da Europa Central. Ele rodou bastante pelo mundo, chegou inclusive a vir ao Brasil, virou professor no Canadá e passou por regiões remotas, como a Sibéria, para buscar a resposta de como deveria ser o papel do professor e o sistema educacional.
Trinta anos depois da criação da primeira escola de formação de professores, a Finlândia já contava com uma rede extensa de ensino público. A cada 15 km, se a zona fosse habitada, deveria haver uma escola.
Uma questão central implementada foi o conceito de visão aberta, por meio da qual a educação na Finlândia passou a cooperar e se abrir para diferentes visões de mundo. Nomes como Pestalozzi e Friedrich Fröbel eram referência.
O pensamento era o de formar cidadãos críticos e escapar do domínio russo e sueco. Trinta anos depois da criação da primeira escola de formação de professores, a Finlândia já contava com uma rede extensa de ensino público. A cada 15 km, se a zona fosse habitada, deveria haver uma escola. A chave não era ter estruturalmente a melhor sala de aula, já que o país tinha uma economia agrária e utilizavam os materiais que tinha à disposição.
Base curricular comum
Pouco tempo depois, em 1969, a Finlândia passou por um processo que o Brasil está discutindo agora, de criação de uma base nacional comum curricular “A maior mudança feita foi a criação de um sistema único para a educação. Todos passaram a ir para a escola nos primeiros nove anos e todos os professores passaram a ter a mesma formação. E o requisito mínimo para dar aula era o mestrado”, explica Jarkko Wickström.
Atualmente, todos os educadores são mestres em suas áreas, ou em pedagogia. Os professores de matemática, por exemplo, fazem mestrados em sua área e se dedicam ao menos um ano a estudos pedagógicos.
Há 80 anos, o país tem o mesmo sistema educacional. A história de privações provocadas por guerras, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, onde a educação básica era assegurada apenas em um ciclo de quatro anos, moldou um sistema que dá oportunidade a todos e determina de tempos em tempos o conteúdo mínimo para formar um cidadão.
Valorização do professor
A Finlândia seleciona seus professores entre os mais bem preparados da sociedade. “O ideal de homem perfeito é projetado para o professor: brilho no olho, vontade de mudar o mundo, vontade de criar cidadãos. Na Finlândia, são os 10% dos melhores candidatos que se tornam professores. Em pedagogia, só 5% dos candidatos entram”, conta Jarkko.
O final da União Soviética trouxe corte de verba para a educação, então tomou-se a decisão de extinguir a função de coordenador pedagógico para manter o nível educacional. O professor passou a ser treinado para assumir também a função de inspeção e fiscalização da qualidade do ensino.
O país não paga os mais altos salários para a categoria, mas eles são respeitados e o conceito de formação continuada é levado muito a sério.
“O ideal de homem perfeito é projetado para o professor: brilho no olho, vontade de mudar o mundo e vontade de criar cidadãos. Na Finlândia, são os 10% dos melhores candidatos que se tornam professores. Em pedagogia, só 5% dos candidatos entram”, Jarkko Wickström, diretor de operações da Universidade da Finlândia.
Pesquisa para inovar
Não é apenas a educação básica que garante o desenvolvimento da Finlândia, mas o número de universidades pode ajudar a explicar o sucesso. O investimento em pesquisa aumenta a produtividade em todas as áreas e, na pedagogia, melhora a educação básica.
“Pesquisa é uma ferramenta de todos os professores na sala de aula. Tem política de inovação, claro, mas isso é uma consequência natural da pesquisa feita nas universidades”, afirma Jarkko, explicando que a cooperação entre universidades e empresas é fundamental para aplicar os estudos e ter resultados.
Foco no indivíduo e equidade
O modelo finlandês não é único, e anda junto aos de outros países líderes em rankings educacionais: Canadá, Estônia, Finlândia, Japão e Hong Kong. Na maioria dos casos, há uma forte relação entre o alto desempenho em avaliações e a equidade da sociedade.
Mais do que tentar garantir que todos tenham as mesmas possibilidades, independentemente de características físicas, psicológicas e sociais, o sistema vê cada indivíduo como uma peça chave para a economia do país.
“Todo mundo está pronto para contribuir. Se uma pessoa tem um talento, a gente tenta garimpar isso durante a formação obrigatória. É importante garantir que todo mundo tenha uma base para contribuir com a economia, saber como o país e o mundo funcionam e entender as estruturas básicas para ser um membro integral da sociedade”, enumera Jarkko.
Avaliações como coadjuvante
Os finlandeses demoraram a acreditar no próprio mérito. No primeiro PISA, o país se destacou em literatura, mas ficaram esperando um telefonema falando que haviam cometido um erro. Em 2003, mediram o conhecimento de matemática e a Finlândia novamente figurou nos primeiros lugares. Aí começaram a achar real a possibilidade. Apenas ao liderar a terceira avaliação, acreditaram mesmo.
Ainda assim, Jarkko Wickström nega que esse seja o motor da educação na Finlândia. “Não gosto das avaliações PISA. Toda vez que aparecemos no topo, os jornalistas querem saber o que estamos fazendo e a resposta é: a mesma coisa de sempre!”. O diretor de operações da Universidade da Finlândia afirma que o país executa conforme o que acredita, pois seria um objetivo totalmente errado se pautar em ser líder de avaliações, sejam mundiais, nacionais, estaduais ou municipais.
“Educação não existe para ser medida. Educação existe para ser dada. Recomendo avaliar estes fatores: liberdade de imprensa, segurança pública, se a estrutura do estado faliu ou não, se é um lugar amigável para ser mãe. Esses são índices que mostram qual é o resultado de um ecossistema educacional no país”, finaliza o palestrante.