A Escola Presidente Campos Salles possui um modelo de educação inclusiva e democrática que combina pedagogia e tecnologia. Confira!
Pedagogia e tecnologia juntas na transformação da EMEF Campos Salles
Heliópolis já foi a maior favela da cidade de São Paulo (SP). Com cerca de 200 mil habitantes em uma área de aproximadamente 1 milhão de metros quadrados, essa comunidade vem se transformando nos últimos anos através de um projeto pedagógico inovador.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Presidente Campos Salles, dirigida por Braz Nogueira, possui um modelo de educação inclusiva e democrática, implementado graças a união de professores, pais e alunos.
A escola, que costumava sofrer com a violência da região, hoje não possui muros e integra o Centro de Convivência Educativa e Cultura, uma área que conta com uma Escola Técnica Estadual (ETEC), uma Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI), uma creche e um Centro Educacional Unificado (CEU) que está sendo construído no local. Toda essa estrutura que existe hoje iniciou-se ao redor da EMEF Campo Salles, que trabalha por meio de cinco princípios:
Tudo passa pela educação.
A escola é um centro de liderança na comunidade.
Autonomia.
Responsabilidade.
Solidariedade.
A escolha pedagógica da comunidade pode ser notada nas salas de aula. Ou melhor, nos salões. Nesses espaços, os alunos trabalham em grupos de estudo de quatro integrantes. Não há lousas para copiar matéria ou aulas expositivas, mas um roteiro de estudos que cada grupo deve seguir. Os professores caminham por entre as mesas, tirando dúvidas e auxiliando os estudos.
Para colocar em prática mudanças tão radicais, inspiradas pela Escola da Ponte, em Portugal, foi preciso contar com apoio de professores e toda a comunidade. O diretor convocou uma assembleia, que contou com 15 professores e 400 moradores. Após explanar suas ideias e objetivos, a proposta foi aprovada por unanimidade. “Nosso objetivo era interferir na relação professor e aluno, que vê o aluno com um inferior. Queríamos tratar o aluno como um ser capaz e fazê-lo caminhar com as próprias pernas”, explica Braz Nogueira.
A princípio, as paredes das 12 salas de aula foram mantidas, para que os professores se adaptassem de maneira menos brusca. Mas em 2007 elas foram derrubadas, dando lugar aos salões. Desde 2011, o projeto recebe apoio da Fundação Telefônica Vivo.
Roteiro de estudo
A educação é norteada pelos roteiros de estudo. Os alunos devem desenvolver seu conteúdo, sendo responsáveis pelo ritmo de trabalho e decidindo o momento em que serão avaliados. “O objetivo é que o roteiro tenha clareza, sentido e significado para os alunos e para os outros professores. Havia uma dificuldade grande nesse sentido”, explica Braz. Além de trazer maior responsabilidade ao aluno, o método causou mudanças para os professores.
O professor Éder do Carmo de Souza é formado em matemática, elabora roteiros de informática, e na sala de aula acompanha e tira dúvidas de todas as disciplinas. “Avaliar outra disciplina tira da zona de conforto e ajuda entender as dificuldades dos alunos. É um desafio”. Éder diz que erros e dificuldades ocorrem no caminho, por se tratar de um processo novo. “Temos que aprender com erros e nos adaptar. Não vamos levar até o fim algo que está prejudicando o aluno”.
A professora Thuane Nogueira, formada em letras, dava aula em outra escola da rede municipal e era estudiosa dos métodos da Escola da Ponte. Ela revela que a teoria já era conhecida, mas a prática foi desafiadora: “Aqui nós lidamos com as decisões dos alunos. Foi necessário se adaptar ao projeto e se dedicar para entender seu funcionamento”.
Na escola é comum dizer que “O ponto forte do projeto é o trabalho em grupo. E o ponto fraco é o trabalho em grupo”. Apesar das dificuldades, esse método trouxe como resultado alunos mais independentes e autônomos. Mais do que aprender matérias e decorar fórmulas, a escola desenvolve ética, valores e responsabilidade. Éder destaca a situação singular de dar aula para alunos que constantemente pedem para ser avaliados.
Leonardo do Carmo tem 15 anos e está no 9º ano. Ele diz gostar de estudar através de roteiro e grupos de estudo, pois provoca debate e ele sente que aprende mais assim. Na Campo Salles desde o 1º ano, viu o projeto sendo aplicado e a escola mudando pouco a pouco. Revela que no começo, quando tiraram os muros, foi um pouco difícil. “Algumas crianças queriam sair pela rua. Foi preciso muita conversa com o Braz e algum tempo para que isso parasse”. O aluno revela que ele mesmo mudou bastante. “Eu vivia na diretoria por causa de briga. Era muito quieto também. Participar da comissão de sala levantou minha autoestima e a escola me ajudou a melhorar”.
Comissões e república de alunos
As comissões de sala são grupos mediadores de conflito. Eles são eleitos por voto dos alunos e tem autonomia para criar regras, aplicar penalidades, convocar pais de alunos e reclamar de professores que estão cometendo alguma falta. Eles também podem excluir membros da comissão que não se comportam de maneira adequada.
Yasmyn Muniz, integrante da Comissão do 4º ano, explica que quando um aluno começa a causar problemas, eles o convocam e conversam. “Primeiro nós chamamos a atenção. Falamos dos pontos positivos da pessoa e o que ela tem de melhorar, então exigimos um compromisso. Se não melhorar, podemos convocar os pais e aplicar castigos”. Ela conta que recentemente um aluno ficou sem recreio por causa de uma briga. Ele teve que pegar seu lanche e voltar para o salão de aula.
Para que as regras e decisões das comissões não causassem conflitos entre si, a escola resolveu criar a república de alunos, composta por vereadores e um prefeito. Os vereadores se reúnem em assembleias quando é preciso decidir algo. “Não dá pra fazer assembleia com 400 alunos”, explica Braz. A escola estuda implementar um refeitório self-service e a assembléia de alunos irá participar da decisão. “Esse processo democrático ajuda eles a se prepararem para fazer uso do refeitório”.
É exatamente esse o resultado que se vê na Campos Salles. Incluindo os alunos nos processos decisórios, cria-se um vínculo com a escola. Eles se tornam responsáveis pela sua manutenção. Não se vê vandalismo ou depredação no prédio ou no pátio. “Gosto de viver a política da escola e gostaria de continuar a ter esse espaço participativo fora dela”, afirma Leonardo.
As TIC e o papel da Fundação Telefônica
A Fundação Telefônica Vivo contribui com a EMEF Presidente Campos Salles através do projeto Escolas Que Inovam, que introduziu a cultura digital na escola. A Coordenadora Pedagógica Amélia Arrabal Fernandez explica a importância dessa parceria. “Desde o início, a parceria contribuiu na formação dos professores no domínio das TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) na escola. A Campos Salles já vinha empenhada em introduzir nos roteiros de estudos o uso das TIC no contexto educacional geral, como uma avaliação e uma auto avaliação dos roteiros. A FTV veio apoiar isso, fornecendo formação aos professores para eles serem multiplicadores”.
Hoje a escola conta com 33 computadores, 70 notebooks e 20 classmates. “A doação de classmates auxilia demais o trabalho para que todos os alunos tenham acesso e aprendam mais e com autonomia. A parceria vai ajudar a avançar no IDEB, focando língua portuguesa e matemática”, avalia Amélia.
Na escola, a informática não é ensinada como uma disciplina à parte, é incorporada às demais matérias, seguindo a filosofia de trabalhar com projetos e desfragmentar a educação para um aprendizado global.
“A tecnologia é fundamental no que se refere a autonomia do aluno”, afirma Braz Nogueira. O diretor acredita que graças à parceria com a FTV, a escola estará mais preparada para as mudanças que a Prefeitura quer introduzir no ensino, com a utilização de computadores na sala como ferramenta de ensino. O professor Éder opina que a tecnologia vai ser uma ferramenta muito importante para realizar avaliações. “Espaços virtuais de colaboração serão uma chave pra escola”.
Formação de cidadãos autônomos e independentes
Valéria Gonçalves tem 12 anos e está no 8º ano. Ela participa do Jornal Mural, publicação realizada pelos alunos. As reuniões de pauta estão ocorrendo com o auxilio da internet. “Os colaboradores discutem e sugerem os temas muitas vezes por e-mail e site. É mais fácil do que reunir todo mundo toda vez”, explica. Valéria diz que pretende fazer universidade e quer ser arquiteta quando crescer. Já a sua irmã gêmea, Vanessa Gonçalves, ainda não escolheu a futura profissão. “Eu ainda não decidi o que quero ser, mas posso ser o que quiser”, afirma, com confiança.
“Estamos tentando criar um meio propício para as crianças serem tocadas pela esperança no futuro”, conta o professor Éder. A fantástica transformação ocorrida, tanto no espaço físico quanto na mentalidade de toda uma comunidade, fazem com que essa esperança pareça muito mais uma possibilidade.
A coordenadora Amélia diz que os alunos da EMEF Presidente Campo Salles, ao saírem da escola, ganham fama de questionadores e que isso se tornou uma marca registrada. “Eles desenvolvem a competência de argumentar e fluência na comunicação. Isso cria conflitos quando eles vão para outros lugares”. Ela brinca que, sempre que um ex-aluno começa a demonstrar a inquietude característica, os professores de outras escolas exclamam: “Tinha que ser aluno da Campo Salles