Projetos como PanoSocial e Segunda Chance reintegram profissional e socialmente ex-detentos, acreditando em seu potencial criativo.
Projetos como PanoSocial e Segunda Chance reintegram profissional e socialmente ex-detentos, acreditando em seu potencial criativo.
Reinaldo Jacinto é de fala rápida e ácida; suas palavras e conselhos atravessam mesas onde repousam máquinas de costura, máquinas que conhece intimamente: sabe que agulhas usar, o tecido que perfuram, o modo como a linha deve dançar para costurar a camiseta. A poucos metros dele, Paulo Tadeu tem a voz embargada quando conta sobre suas duas paixões: o ofício de costura e o trabalho voluntário de inclusão que faz com jovens. No meio da conversa entre cabides e roupas, os dois homens só ficam sérios quando contam o que pensam do sistema penitenciário brasileiro, nos quais passaram anos de sua vida: que é um sistema que não recupera ninguém.
O Brasil já tem a quarta maior população carcerária do mundo, com aproximadamente 600 mil detentos, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) feito em dezembro de 2014. A grande proporção de presos não significa que os índices de violência em território nacional tenham diminuído, bem ao contrário: a reincidência nos delitos é grande e os processos de ressocialização e reintegração do egresso na sociedade, quando e se existem, são falhos. Paulo os sentiu na pele nas duas vezes em que esteve preso, uma por delito, outra por erro da justiça. “O sistema penitenciário brasileiro não recupera ninguém, não oferece suporte, e se você quiser se reintegrar, vai ter que fazer isso sozinho”.
A assistente social Karine Andrea Dias é egressa e trabalha há anos com empregabilidade para ex-detentos. Para ela, embora as leis do país sejam muito progressistas em termos de ressocialização de passantes pelo sistema penitenciário, isso não é posto em prática. Quem sai da cadeia vai ao encontro a uma sociedade hostil e de poucas oportunidades. “Dentro do sistema penitenciário o contato que os detentos têm com equipe técnica e pedagogos é restrito. Poucas unidades oferecem condições de estudo, formação ou trabalho. Então, quando o preso está apto a voltar para a sociedade, ele sofre de um lapso temporal e não se encaixa”.
Karine oferece serviços de acompanhamento psicológico e jurídico para egressos que, como Paulo e Reginaldo, trabalham na ONG PanoSocial. Em funcionamento há aproximadamente um ano, a empresa contrata egressos para trabalharem na confecção de roupas para marca própria e atacado. Quando o designer Gerfried Gaulhofer e a produtora de moda Natacha Barros idealizaram o projeto, queriam que a ONG cumprisse o papel de humanizar e reintegrar os egressos não somente no mercado de trabalho, mas na vida cotidiana. “Oportunizar trabalho é uma forma de dignificar a pessoa. Quando sai da unidade, o egresso está sem oportunidade e acaba indo por outros caminhos, como a criminalidade. E aí a violência urbana cresce. Queremos contribuir com a melhora desse quadro social”, explica Natacha.
A PanoSocial foi concebida para que seus colaboradores passem 80% do horário dedicados a produção, 10% em desenvolvimento humano e 10% na capacitação profissional. Enquanto recebem aulas de resgate de técnicas de costura como o crochê, eles também são incentivados a se aprimorar como profissionais e dar vazão a sua veia empreendedora. “Queremos que eles tenham seus próprios negócios, troquem entre si, saiam fortalecidos em uma rede de negócios sociais”, relata Gerfried. Karina complementa que o empreendedorismo se configura muitas vezes como única saída para o ex-detento, que tem dificuldade de se enquadrar em um mercado formal que não o aceita.
A assistente social trabalha não somente na PanoSocial, como também no Segunda Chance, projeto de empregabilidade da ONG AfroReggae para egressos. Após anos construindo uma base de dados de ex-detentos, com informações importantes sobre habilidades, contexto social e família, hoje o projeto possui um banco de dados otimizado, oferecendo suporte tecnológico para conectar egressos com vagas de empregos que condizem com seu perfil e trajetória profissional; esse sistema de banco de dados é utilizado pela própria PanoSocial. O sistema também torna possível saber que cursos seriam desejáveis para que a pessoa possa se profissionalizar, o que faz toda diferença, visto que 75,08% tem somente o ensino fundamental completo.
Se hoje Reinaldo e Paulo são responsáveis por seu sustento e de suas famílias, e ainda têm tempo para criar e se dedicar a projetos pessoais, é porque organizações como a PanoSocial reconhecem sua responsabilidade no que concerne a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. “Hoje pagamos a violência com vingança. Se o empresariado der oportunidade e a sociedade abrir sua mente, podemos fazer com que esse ciclo seja quebrado”, finaliza Natacha.