Um dos pioneiros no Brasil dos estudos sobre Educação e cultura digital, o professor Nelson Pretto acredita que não é a rede que precisa estar na escola e sim a escola que precisa estar na rede. Também defende que o professor precisa se compreender como autor do processo pedagógico.
A partir do momento em que entrou para a faculdade de física, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), na década de 90, Nelson Pretto se interessou pela relação da educação com as tecnologias. À época, a tecnologia educacional ainda era o livro didático, mas ele já acreditava que esse material deveria ser trabalhado a partir da perspectiva de rede. Referência nacional e internacional no debate sobre educação e tecnologias digitais, o físico com mestrado em educação e doutorado em comunicação defende que a escola deve ser entendida como um ecossistema de educação, comunicação, informação, produção de conteúdo e de aprendizado.
“Não é a rede que precisa estar na escola e sim a escola que precisa estar na rede”, afirmou Nelson Pretto em entrevista para o portal Fundação Telefônica Vivo.
Coordenador do grupo de pesquisa “Educação, Comunicação e Tecnologias”, da UFBA, Nelson Pretto gosta de se apresentar como professor e ativista militante da relação da educação com a cultura e com a ciência e a tecnologia. Nesta conversa, fala sobre sua trajetória como professor e pesquisador que acompanha, desde o final dos anos 1990, experiências de uso de tecnologias digitais na educação. Avalia a adoção, sem muito planejamento, dessas tecnologias durante a pandemia de Covid-19. Também defende sua concepção de que o professor precisa se perceber como autor no processo pedagógico.
Fundação Telefônica Vivo: Professor Nelson Pretto, você tem acompanhado experiências do uso de tecnologias digitais em educação desde o final dos anos 1990. Como você vem acompanhando o cenário atual?
Nelson Preto: A gente tem toda uma discussão que vem sendo feita sobre as tecnologias digitais na educação e sobre alguns experimentos que já aconteciam desde o final dos anos 1990. Existia muita resistência de escolas e professores sobre o uso da internet nas aulas. Porém, a partir de 2020, por conta do isolamento social, as escolas começaram a aceitar. Começa-se a testar várias coisas e de várias formas. Algumas coisas funcionaram, algumas não funcionaram muito bem e outras simplesmente não funcionaram.
Tudo isso que aconteceu será objeto de uma disciplina que criamos no nosso departamento, chamada “Educação e pandemia”. Nós vamos trabalhar esse tema com alunos de pedagogia, para fazer exatamente esse debate com os futuros professores. Quando eu desenhei essa disciplina, eu estava no pós-doutorado em Barcelona, com minha colega, a professora e historiadora Cláudia Vasco, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ela também vai oferecer em paralelo uma disciplina com a mesma abordagem.
A proposta desses estudos é exatamente olhar o que foi, o que é e, principalmente, o que pode ser a educação a partir do aprendizado ocorrido nos dois anos e pouco de isolamento social.
Nosso grupo de pesquisa também lançou o livro “Educação em tempos de pandemia”. Neste trabalho, apresentamos 41 pontos de reflexão, que é na verdade uma retrospectiva dos nossos 25 anos de estudos, apontando o que as pesquisas indicavam que poderia ser a educação em momentos como este da pandemia. Porque efetivamente o que a gente já defendia era uma formação mais sólida, não instrumental. Que é a essência da minha tese de doutorado, que está publicada no livro “Uma Escola sem/com futuro Educação e multimídia“, agora publicado pela editora Edufba, em formato licenciado de forma aberta.
O que quero dizer com formação instrumental é que hoje, no Brasil, os professores estão desprestigiados, incorporados, mesmo a contragosto, a uma linha de montagem, em que lhes cabe apenas cumprir determinadas tarefas de um processo que mais parece o da produção de um automóvel do que o da formação de crianças e adolescentes.
Um passo importante na formação mais sólida de educadores para uma escola do futuro é considerar, no cotidiano da sua formação, as questões da comunicação, da informação, das imagens e da internet com o sentido de formar profissionais preparados para vivenciar os desafios do mundo que se está construindo. Naturalmente, se estamos pensando em uma escola na qual a cultura digital terá uma presença forte, o professor, principal personagem desse processo, precisa estar preparado para trabalhar com essa cultura. Ou seja, ele não deve apenas ser preparado para usar plataformas digitais, mas para criar novos usos para essas plataformas.
Fundação Telefônica Vivo: E como você avalia as experiências de aprendizagem mediada por tecnologias digitais que aconteceram em razão da pandemia?
Nelson Preto: No livro “Educação em tempos de pandemia”, fomos resgatando tudo aquilo que a gente dizia: ‘a internet tem que ser um patrimônio da humanidade; tem que ser um direito humano fundamental; a banda larga não pode ser medida em megabytes, mas tem que ser medida em qual é a velocidade que possibilita que o usuário faça confortavelmente aquilo que ele deseja; as salas de aulas precisam estar conectadas’. Além disso, não devemos pensar as salas de informática como espaços especializados, mas garantir que a internet esteja na vida dos professores, dos alunos e dos servidores da escola; que essa formação não tem que se dar nessa perspectiva instrumental, mas tem que se conhecer todas as dimensões éticas, estéticas, filosóficas do que é estar na rede.
Pois bem, quando a pandemia chegou, tudo aquilo que a gente vinha falando não havia sido feito. Então é como a gente costuma dizer: não fizemos o dever de casa e agora nós fomos pegos de surpresa, tendo que aderir às soluções que nós há muito tempo já havíamos combatido.
Fundação Telefônica Vivo: Qual o papel do professor e da escola nesse cenário de avanço de tecnologias digitais no mundo da Educação?
Nelson Pretto: O importante é nós mostrarmos para os alunos e para os professores que nós não queremos a internet nas escolas, mas sim as escolas na internet. Isso significa o quê? A internet só se configurará como algo absolutamente pleno se ela conseguir superar a lógica do meio de comunicação de massa. Ou seja, constituir-se numa rede de criação e não numa rede de distribuição de conteúdo e de experiências. A escola é um ecossistema de educação, comunicação, informação, produção de conteúdo e de aprendizado. Então esse é o sistema, ele é fundamental para isso. Por isso, precisamos que os professores deixem de ser atores, de um roteiro que é produzido fora (por bases nacionais, por guias curriculares ou por orientações centralizadas que emanam das secretarias), e passem a ser autores do processo.
Então, os professores têm que ser, eu não gosto da palavra, mas como ela é muito usada a gente adota, empoderados como lideranças intelectuais e políticas para promover a transformação da escola. Transformação que seja uma verdadeira revolução no cotidiano da escola.