Reportagem especial traça panorama da educação do campo no Brasil.
“A diversidade e a pluralidade não são o problema da educação, mas sim a sua solução”, afirma professora e pesquisadora da UFMG.
Alguns olhares contribuem para a definição de educação do campo, segundo o Ministério da Educação, uma “concepção político-pedagógica, voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando os povos e o espaço da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, os pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos, quilombolas, indígenas e extrativistas”.
Pode ser traduzida também – nos termos do Centro de Referências em Educação Integral – como uma modalidade de educação que ocorre em espaços denominados rurais e que, por isso, precisa considerar a diversidade de cada contexto, contemplando no currículo as características de cada local assim como os saberes ali presentes.
O fato é que esta concepção de educação está sempre em movimento. É o que nos explica a professora Maria Isabel Antunes-Rocha, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais: “A educação do campo é um movimento e está em movimento. Sua força motriz é a luta pela superação das desigualdades econômicas, políticas, sociais e culturais que as populações camponesas vivenciam”.
Da mesma forma, não se pode olhar para a escola do campo e tratar seus desafios isoladamente. Em entrevista ao Promenino, a professora e pesquisadora da Universidade de Brasília, Eliene Novaes Rocha, afirmou que a infraestrutura é importante para as 66,7 mil escolas do campo no Brasil (número aproximado de 2014, segundo o Censo Escolar), mas o que predomina é “um conjunto de ausências”. “É por isso que os movimentos sociais defendem uma política nacional de educação do campo (…). Nenhuma política pode ter um olhar único sobre a escola do campo.”
Além da precariedade na infraestrutura, a questão recente do fechamento de escolas na zona rural, os desafios no deslocamento de alunos e educadores e aspectos de formação de professores são demandas deste contexto que precisam ser consideradas como sistema articulado. “Existem ótimas escolas, com infraestrutura superadequada ao campo, mas com propostas que não dialogam com a realidade e o contexto da região”, diz Eliene. “O principal problema ainda é uma ideia fragmentada de política da escola do campo. Cada um acha que resolve o problema investindo em um elemento só.”
Autora dos livros “Territórios educativos na educação do campo” e “Juventudes do campo”, entre outros, a professora Maria Isabel destaca a importância da criação de marcos legais, da divulgação e dos debates para mostrar à sociedade o significado da educação do campo para as populações camponesas. Hoje, são 8,4 milhões de pessoas em idade escolar no campo.
Outras premissas fundamentais para a mudança neste contexto são envolver os sujeitos que demandam essa educação no planejamento, execução e avaliação da sua escola e considerar a diversidade como parte da solução, e não do problema. “Historicamente os modelos pedagógicos insistem em enfatizar a homogeneidade, negando as diferenças. O que precisamos é criar as condições para que a diversidade, a pluralidade e a desigualdade estejam presentes como temas pedagógicos”. Confira a seguir os principais destaques da entrevista:
Quais são os princípios da educação do campo?
Maria Isabel Antunes Rocha: A Educação do Campo é um movimento que luta pela conquista de políticas públicas. Neste sentido, quer, antes de tudo, que a população camponesa tenha o direito de acesso e permanência em uma escola com condições físicas e pedagógicas para garantir um ensino de qualidade. Por outro lado, o ensino de qualidade é entendido como aquele que possa responder as demandas destes povos, relacionadas à produção e à divulgação de conhecimentos e técnicas vinculadas ao trabalho, ao lazer, à cultura e à vida cotidiana, para que as populações camponesas tenham garantidas as condições de existência no campo.
Sendo assim, esta escola precisa ser planejada, executada e avaliada com a participação dos sujeitos que a demandam, no caso, as populações camponesas. Podemos resumir os princípios na tríade: escola, campo e sociedade. Isto é, um projeto de escola que seja articulado com um projeto de campo e de sociedade.
Quando se deu e como afetou o entendimento geral a mudança de uma concepção de educação rural para educação do campo?
Maria Isabel Antunes Rocha: Estamos em processo. Não podemos pensar em mudança de concepção em pouco mais de quinze anos. Temos um desafio pela frente. Por isso, a criação de marcos legais, a divulgação e os debates são importantes: para mostrar ao conjunto da sociedade o significado da Educação do Campo para as populações camponesas.
Como é possível lidar com a diversidade e pluralidade características deste tipo de educação?
Maria Isabel Antunes Rocha: A diversidade e a pluralidade não são o problema da educação, mas sim a sua solução. Historicamente os modelos pedagógicos insistem em enfatizar a homogeneidade, negando as diferenças. O que precisamos é criar as condições para que a diversidade, a pluralidade e a desigualdade estejam presentes como temas pedagógicos.
O que precisa ser transformado para que se alcance um ideal de ensino público neste contexto?
Maria Isabel Antunes Rocha: O educador Paulo Freire nos diz que a educação sozinha não transforma uma sociedade, mas sem ela não conseguiremos fazer as mudanças necessárias. Se há comunidades avançando em conquistas é porque há um conjunto de fatores envolvidos. Também não temos um ideal de ensino público. O conceito de ideal nos remete ao homogêneo, a uma situação estável. E a vida está em constante movimento. A Educação do Campo é um movimento e está em movimento. Sua força motriz é a luta pela superação das desigualdades econômicas, políticas, sociais e culturais que as populações camponesas vivenciam.