Ferramentas tecnológicas e respeito pelo saberes informais de jovens e adultos analfabetos podem acelerar o processo de aprendizado.
Em tempos digitais, ferramentas tecnológicas e o respeito pelos saberes de jovens e adultos analfabetos podem acelerar o processo de aprendizado.
Na primeira carteira da sala de aula, está sentado um menino de 15 anos com processo de escolarização tardio. Na última fileira, uma senhora com seus 90 e poucos anos finalmente coloca no papel o imenso saber que tem na mente experiente. Dentro das salas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a diversidade etária, regional e de gênero é imensa, e por consequência, também existe uma grande diversidade de conhecimentos.
Não se deve subestimar o jovem ou adulto aprendiz. O marceneiro pode não saber escrever uma equação, mas ele a trabalha a todo tempo nas superfícies de seu ofício. O mesmo se pode dizer da dona de casa, que sabe milimetricamente a medida para se fazer um bolo, embora não consiga escrevê-la. Em uma realidade de 13 milhões de adultos acima de 15 anos que não sabem ler e escrever é preciso reconhecer antes o que eles de fato sabem. “Esse adulto já avançou, constituiu família e muitas vezes conseguiu ter sua casa própria e trabalho. É importante ter respeito aos saberes que o educando construiu ao longo da vida”, fala Sonia Couto, coordenadora do Centro de Referências do Instituto Paulo Freire.
Patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1921-1997) foi pioneiro em processos de alfabetização adulta, com sua bem-sucedida experiência em Angicos (RN), em 1963. Seu Instituto, em São Paulo, defende que os pilares da alfabetização adulta sejam os de respeito ao conhecimento existente e que o aprendizado seja significativo para o adulto, tanto prática quanto politicamente. Por isso, Sonia ressalta ser muito importante diferenciar metodologias de alfabetização para crianças e adultos: muitas vezes interessados em aprender, os mais velhos se decepcionam quando encontram uma metodologia infantilizada. Daí a necessidade de métodos que respeitem suas diversas faixas etárias.
“O bom de trabalhar com EJA [Educação de Jovens e Adultos] é porque percebemos a evolução do aluno a cada dia. Ele tem muito desejo de aprender, muitas vezes mais do que uma criança, e isso é fundamental no processo de aprendizagem. Ele chega à sala pensando que não sabe nada, e em um mês se desenvolve, porque o que precisava era do contato com a cultura escrita, que vai liberando conhecimentos adormecidos”, afirma Sonia.
Se há mais de 50 anos Paulo Freire já apontava a necessidade de que o aprendiz encontrasse sentido naquilo que era ensinado e que a curiosidade fosse sua força-motriz, os tempos digitais trazem novos objetos para auxiliá-lo. Celulares fazem parte do cotidiano dos adultos e se constituem em uma fonte não só de entretenimento, com também de saber. Enxergando potencial nas ferramentas digitais, a empresa Ies2 criou o aplicativo Palma ESCOLA.
“A ideia é: o educador usa o seu método de alfabetização, o aluno vai para a casa e através do aparelho continua o aprendizado, por meio de atividades relacionadas com o que viu na sala de aula. Isso acresce o tempo de estudo e deixa o aluno engajado na alfabetização”, explica José Luis Poli, diretor presidente da Ies2. Por meio de uma série de desafios, o usuário do aplicativo vai galgando níveis de aprendizado, com interações que vão desde clicar até arrastar, trabalhar com desenhos, digitação, histórias em quadrinhos e outras mídias. Todo o design foi feito de modo a ser estimulante, instrutivo e nada infantilizado.
Para ser utilizado tanto dentro quanto fora da sala de aula, o Palma ESCOLA, segundo a diretora de desenvolvimento Anterita Godoy, pode ser complementar aos variados métodos de alfabetização adulta. “Se eu for professor, posso pular partes que não queira mostrar para o aluno naquele momento”, exemplifica. A escolha do vocabulário do aplicativo tem a ver com o cotidiano dos seus alunos, a fim de ajudá-los a realizar tarefas como ir ao banco ou ler uma receita culinária, por exemplo.
O pernambucano Paulo Freire sempre foi muito adepto das boas e novas ideias. Para Sonia Couto, não tem dúvida que “a ideia do aplicativo dialoga muito com o princípio freiriano, que é o da descoberta da curiosidade e o de ser significativo para o aluno”. A fim de evitar o aumento do número de analfabetos e para alfabetizar os que ainda existem, a utilização de ferramentas digitais pode ser uma peça fundamental para os educadores inovarem suas metodologias e para que alunos estendam seu aprendizado e vontade de saber muito além das horas de aula.