Transformar a linguagem da programação em poesia compilada é o objetivo da jovem para repensar a metodologia de ensino dos algoritmos
Caso você enxergue ciências humanas e ciências exatas como saberes opostos e quase nunca complementares, pode se surpreender com a proposta da jovem Soraya Roberta dos Santos. Aluna do curso de Sistemas de Informação, ela ensina a linguagem da programação por meio da construção de poemas.
Aos 22 anos, Soraya encontrou na poesia a chave para se expressar e, posteriormente, uma forma efetiva (e também afetiva) para ensinar uma das linguagens mais temidas em sala de aula: os algoritmos.
Tendo Cecília Meireles e Clarice Lispector como referência em literatura, Soraya sempre se envolveu com as palavras. Foi nelas que encontrou refugio para enfrentar os problemas na escola, de onde se afastou dos sete aos nove anos de idade para fugir da discriminação de colegas e professores. “Eu tentava descontar a ausência daquele ambiente na leitura e na escrita. Fui muito a bibliotecas, buscava entender, brincava de escrever”, conta a jovem.
Quando voltou para a sala de aula, deu continuidade ao desenvolvimento de sua escrita, destacando-se pela habilidade com os poemas. Aos 16 anos, no entanto, decidiu aventurar-se pelo curso técnico de informática no Instituto Federal do Estado
Nascida em Jardim de Seridó, a quase 250 km de Natal, no Rio Grande do Norte, a estudante não tinha acesso a computadores e viu no curso uma porta de entrada para esse universo. Foi a partir de uma aula de programação que nasceu o primeiro poema compilado. “O professor de algoritmo começou a explicar a estrutura daquela linguagem, e eu só conseguia pensar nas semelhanças com a poesia”, afirma.
Poesia e programação
Uma vez descoberta a sintaxe e a semântica própria da programação, a estudante continuou a expressar diversos temas por meio dessa nova forma de arte. Nascia o projeto Poesia Compilada, que acabou se tornando seu projeto de pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Com a ajuda de um colega de classe, Felipe Tavares, Soraya criou um manifesto artístico do movimento e lançou uma página no Facebook para disponibilizar as poesias em código e reivindicar questões sociais e pessoais, para além do desenvolvimento de um sistema.
Hoje, ela se dedica a aplicar sua pesquisa de programação e poesia em escolas públicas da região de Caicó, cidade onde fica o campus da UFRN, onde estuda. A pesquisa busca destacar a importância de aproximar o cotidiano do ensino dos algoritmos, sugerindo a associação com a estrutura semântica de um poema.
As atividades envolvem produção de poemas em sistemas de desenvolvimento, associação dos códigos com a vida cotidiana das crianças e até mesmo o trabalho de questões sociais.
“Se eu ensino programação por meio da poesia, eu ensino que o problema que ela vai ter que resolver no dia a dia tem de ser refletido, analisado e transformado”, comenta Soraya. “Esse código é uma espécie de arte, e como arte ele gera um impacto na vida de outras pessoas”.
O contato com alunos mais novos provou pela experiência que esse impacto gera alternativas diversas de aprendizado. Inicialmente, as turmas não sabiam que deveriam “ensinar um computador a pensar”, mas ao longo do tempo expostas as atividades com a poesia, Soraya diz ter notado um entendimento intuitivo dessas crianças, que aos poucos perceberam que programar não é tão distante de suas realidades.
Um dos temas mais recorrentes dos poemas compilados de Soraya trabalha com questões relacionadas ao feminismo. A iniciativa que ela propõe se coloca em uma constante quebra de estereótipos tanto pelo deslocamento de perspectiva e pela inflexibilidade dos modelos até então conhecidos de ensino, quanto pela disputa desse espaço dominado, em sua maioria, por homens.
“Vivo falando em sala de aula que independente da área, respeitar uns aos outros é essencial. Se a mulher errou, ela não errou por ser mulher, errou porque é um ser humano. A programação ensina que errar é humano”.
“O machismo é muito grande nessa minha área. Colocar esse tema em códigos ajuda a reconhecer e debater a questão.”