Com o incentivo de aprender além da sala de aula, alunos criam protótipos eletrônicos com o lixo acumulado às margens da escola
Barcos de isopor, aranhas elétricas embrulhadas em papel de jornal, carrinhos de PVC movidos à sensores. Impossível? Não para os alunos da professora Débora Garofalo, que desenvolvem um projeto de robótica utilizando o lixo acumulado em um córrego às margens da escola.
Educadora da rede municipal de São Paulo há treze anos, Débora tem um currículo multidisciplinar: já deu telecursos, atuou como professora de sala de leitura e, ao longo do tempo, descobriu nas tecnologias um meio transformador de realidades. Mas foi em 2015, quando ouviu os relatos dos alunos, que encontrou uma oportunidade de unir aprendizado, consciência ambiental e tecnologia.
“A escola em que trabalho, a EMEF Almirante Ary Parreiras fica numa comunidade no Jabaquara, zona sul de São Paulo, e sofre com a falta de saneamento básico e recursos. Temos um córrego próximo, e as crianças relatavam, nos dias de chuva, a dificuldade com as casas alagadas e os matérias acumulados”, conta Débora. “Nasceu daí a vontade de promover uma diferença na vida dessas crianças”.
Diante dessa realidade, a professora propôs aos alunos do sexto ano uma aula externa, para que entrassem em contato direto com esse cenário, identificando os objetos descartados e levando alguns para a sala de aula. Aos poucos, Débora foi instigando-os com perguntas sobre o que poderiam criar com aquele material, sugerindo a robótica como alternativa.
Do estranhamento ao aprendizado
A primeira reação dos estudantes foi de estranhamento, mas a partir do momento em que passaram a aprender mais sobre os impactos no meio ambiente, da origem cultural do lixo no Brasil, e como as Leis de Newton poderiam ajudá-los a realizar os primeiros protótipos, a desconfiança transformou-se em interesse.
Em um processo de aprendizado mútuo, a turma passou a trazer soluções e tentar construir os equipamentos. Um carrinho movido a balão de ar abriu o caminho para muitos outros projetos, como máquina de sorvete e latinha para estourar pipoca.
“A surpresa deles em testar e ver que funcionava transformou a iniciativa em uma febre!”, acrescenta Débora, que a partir de então teve de expandir o projeto de robótica do sexto ao nono ano na escola.
As crianças passaram a trazer materiais espontaneamente, mostrando um desempenho surpreendente dentro e fora da sala. Além disso, a professora explica que o perfil de aprendizagem dos alunos começou a mudar, pois passaram a relacionar saberes multidisciplinares com muito mais facilidade aplicando-os na prática.
Desafiando o currículo regular
Segundo a educadora, a ideia também foi recebida com certo estranhamento no início pelos colegas, porém tudo começou a mudar quando os demais professores notaram o impacto positivo das aulas práticas no desempenho dos estudantes.
Após a iniciativa ganhar destaque, Débora pode contar também com um kit de equipamentos especial para o ensino da robótica. A partir de então, o projeto foi segmentado por bimestre e de forma multidisciplinar.
Além dos resultados em sala de aula, agora, todos os anos acontece uma feira aberta de tecnologia na escola, em que os alunos ficam responsáveis por explicar como funcionam os protótipos criados (veja no álbum abaixo).
“Isso vai valorizando e resgatando a autoestima. Não é por estarem em uma escola pública que não podem fazer. Muito pelo contrário. Eles podem sim, olha o que eles estão produzindo e conquistando!”, diz Débora Garofalo.
Neste ano, por exemplo, os protótipos desenvolvidos pelos alunos foram expostos na FIC Maker, em São Paulo. “Eles estão mudando uma realidade, e mostrando que o lugar não determina o que você pode ser”.