Lançada com o apoio da Fundação Telefônica Vivo, a pesquisa Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil traz evidências sobre como a tecnologia pode influenciar positivamente o ensino e a aprendizagem. Os resultados fornecem insumos para apoiar a construção de políticas públicas
Assim como a tecnologia tem potencial para transformar a educação, ela também pode aprofundar desigualdades de aprendizagem se não for integrada ao ensino de maneira adequada e equitativa. É o que demonstra a pesquisa Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), com apoio da Fundação Telefônica Vivo.
A partir de dados do Censo Escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o estudo analisa como a desigualdade racial se reflete na apropriação da tecnologia pelos estudantes na educação básica, no acesso ao Ensino Superior e na inserção dos jovens no mercado de trabalho.
O evento de lançamento aconteceu no Insper, em São Paulo, na última terça-feira (18/06). A agenda contou com a participação de Lia Glaz, diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo; Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI); Kátia Schweickardt, Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação; Ivan Siqueira, especialista em educação e professor da UFBA; Alysson Portella, pesquisador e doutor e Economia; Ariana Britto, gerente de políticas públicas do J-PAL, pesquisadora e doutora em Economia; Lourdes Navarro, professora, especialista em currículo na Diretoria de Ensino de São Paulo e mestre em Educação Matemática; e Naercio Menezes Filho, pesquisador, professor de Economia do Insper e doutor em Economia.
Os participantes comentaram a pesquisa destacando como os resultados apresentados podem contribuir para apoiar a o desenho e elaboração de políticas públicas voltadas à promoção da inclusão e da igualdade de oportunidades na educação
Em seu discurso de abertura, Lia Glaz enfatizou a importância de apoiar iniciativas que relacionem tecnologia e educação com um olhar atento à desigualdade racial. “Precisamos aprender mais e mais sobre as disparidades no ensino e na aprendizagem, para que possamos efetivamente ajudar na construção de melhores políticas educacionais”, destacou.
Com participação virtual, Kátia Schweickardt reafirmou o compromisso do órgão do Governo com a conectividade para fins pedagógicos em todas as mais de 135 mil escolas públicas do Brasil.
“Tudo o que estamos desenhando dentro da estratégia nacional Escolas Conectadas considera transversalização de questões étnico-raciais. Esse compromisso não é teórico, está sendo aplicado na prática. Temos a plena convicção de que ainda precisamos avançar muito com dados reais sobre onde estão os estudantes pretos e pardos em relação à educação digital”, declarou.
Tecnologia e desigualdades raciais na educação básica
Ao apresentar um resumo dos principais dados do estudo, Alysson Portella destacou que os estudantes brancos têm maior acesso à tecnologia nas escolas de educação básica (57%), quando comparados aos estudantes pardos (49%) e pretos (50%). Além disso, as diferenças se aprofundam ao considerar as disparidades regionais entre escolas públicas e privadas.
Enquanto 64% dos estudantes brancos da rede privada da região Sul do país têm acesso à tecnologia, apenas 40% dos estudantes pretos da rede pública do Nordeste dispõem das mesmas condições
“Quando comparamos os dados de 2019 e 2023, vimos que as desigualdades raciais persistem, apesar de uma ligeira melhora ao longo do tempo. Do mesmo modo, há constantemente diferenças entre escolas públicas e privadas, inclusive no uso de tecnologia em sala de aula por professores”, afirma Portella.
Alysson Portella, pesquisador e doutor em Economia
Por outro lado, ao considerar a relação entre tecnologia e aprendizagem, o estudo indica que um aumento no índice de exposição à tecnologia de estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental está associado à maior pontuação em Matemática no Saeb (18,5 pontos a mais).
No entanto, estudantes pretos e pardos têm desempenho escolar pior. “Um estudante negro obtém, em média, 4 pontos a menos em Matemática no Saeb do que um estudante branco, considerando as mesmas condições socioeconômicas e região. Esta diferença evidencia a relevância da questão racial na discussão sobre o tema”, indicou o pesquisador.
Ensino Superior: participação de negros no total de matrículas x áreas do conhecimento
Com relação aos resultados de acesso ao Ensino Superior, a pesquisa Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil identifica que houve um avanço significativo de 12 pontos percentuais (p.p) na participação dos negros nessa etapa de ensino entre 2009 e 2022. Porém, mais de 90% desse resultado é reflexo do crescimento da presença de estudantes negros em cursos de instituições privadas.
É importante evidenciar que o Ensino à Distância (EaD) também ganhou relevância no período, com aumento de 17 pontos percentuais na proporção de negros na modalidade.
“Embora seja positivo ver maior representatividade racial no Ensino Superior, é fundamental pensar se o aumento da participação de negros tem sido acompanhado pela garantia de uma educação de qualidade”, destaca Alysson Portella. “Sendo assim, recomendamos avaliar a qualidade do Ensino Superior privado e EaD, além de fortalecer o ingresso de estudantes em instituições públicas. É também fundamental incentivar políticas de inserção no mercado de trabalho que levem em conta o componente racial”, conclui Portella.
Outro destaque da pesquisa está relacionado às desigualdades raciais em diferentes áreas do conhecimento. Ao examinar a distribuição dos estudantes negros entre áreas STEM (sigla para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e não STEM em 2022, é possível observar que, embora a participação deste grupo esteja crescendo em ambos os campos, a disparidade entre negros e brancos é maior nos cursos STEM (13,7 p.p.) do que em cursos não STEM (3,9 p.p.)
“Essa diferença é relevante porque o acesso desigual a cursos de maior prestígio e melhores perspectivas de emprego pode limitar oportunidades profissionais e contribuir para as disparidades salariais observadas posteriormente na carreira”, explica Michael França, Coordenador do NERI.
“Não podemos nos limitar ao que a realidade apresenta”
O especialista em educação Ivan Siqueira partiu de uma perspectiva otimista para falar sobre a importância das políticas públicas para a equidade racial no Brasil.
Ivan Siqueira, especialista em educação e professor da UFBA
Dessa forma, enfatizou o legado da Conferência de Durban, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2001, na África do Sul, que resultou na assinatura de documentos para construção de políticas públicas voltadas para o combate ao racismo em todo o mundo. O Brasil esteve presente no encontro e é signatário das resoluções.
“Esse reconhecimento do governo brasileiro possibilitou uma série de políticas públicas desde então, como a adoção de cotas para estudantes negros nas universidades públicas e a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas. Olhar para isso nos ajuda a pensar nas conquistas daqueles e daquelas que lutaram tanto para a gente chegar aonde chegou”, disse.
Além disso, o professor destacou que não há como desenhar políticas para a superação das desigualdades sem dados de qualidade. “Pesquisas como essa [o estudo lançado no evento] funcionam para evidenciar e discutir. Mas também têm o potencial de inspirar como a gente pode avançar para além dos fatos que estão ali colocados. Não podemos nos limitar apenas por aquilo que a realidade apresenta”, conclui.
Construindo políticas públicas equitativas
Para aprofundar as discussões sobre tecnologia e desigualdades raciais no Brasil, o evento contou com um painel mediado por Michael França. A professora Lourdes Navarro trouxe sua experiência nos desafios que relacionam raça, gênero e ensino de Matemática, com um olhar à tecnologia.
“Há um letramento racial que precisa ser feito antes de tudo, porque ainda existe entre os meus colegas uma relação entre cor da pele e inteligência. Alguns professores enxergam alunos negros como menos capazes e também temos a questão da representatividade. O estudante não consegue se enxergar naquele espaço quando têm poucos professores iguais a ele”, destaca.
Da esquerda para a direita: Ariana Britto, Naercio Menezes Filho, Lourdes Navarro e Michael França
Já Ariana Britto enfatizou que falar sobre tecnologia na educação e redução de desigualdades passa por quatro componentes: formação de professores, recursos educacionais digitais, infraestrutura e gestão escolar. “Uma das coisas que as evidências nos mostram é que somente entregar computador para as crianças não resolve. Esses quatro componentes precisam estar combinados e respaldados pelo plano pedagógico das escolas”, disse.
O professor Naércio Menezes Filho também reforçou a necessidade de que as políticas públicas ofereçam apoio para estudantes e professores. “Temos dois desafios muito importantes a serem resolvidos: igualar as oportunidades para todos os estudantes desde o início da vida escolar e empoderar professores para que eles consigam fazer com que as crianças aprendam com as novas tecnologias”, concluiu.
Acesse gratuitamente a pesquisa Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil
Clique aqui e baixe a pesquisa completa realizada pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI) com o apoio da Fundação Telefônica Vivo. Lá também é possível acessar o resumo executivo da pesquisa e uma apresentação com os principais resultados.