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A idéia deste artigo é compartilhar com os interessados em desenvolvimento de grupos, elementos recorrentes extraídos da nossa prática de trabalho com grupos, usando a teoria para pontuar aquilo que é generalizável e que pode servir de pano de fundo para compreensão da complexa realidade de cada grupo.

Sempre que falamos em grupo, estamos nos referindo ao ajuntamento de pessoas em torno de um propósito comum. Seu nascimento é mobilizado pelo desejo de existir para cumprir determinado fim, mesmo que ele se perpetue indefinidamente. Por mais óbvio que isso possa parecer, toda vez que um grupo entra em crise descobre que muito de seus problemas estão enraizados na pouca consciência presente no grupo sobre seu real propósito ou suas intenções ao se formar.

Assim como uma criança pequena, predomina nessa existência temprana uma vitalidade inigualável, traduzida no ímpeto de agir com o outro em direção a um desejo comum. A motivação está no auge, impulsionada pela necessidade de poder, traduzida no desejo de influenciar e liderar outras pessoas para se conseguir fazer diferença no meio em que se está inserido. O mote dessa fase, denominada por Tuckman de “formação (1)”, é a “ação” sobre o meio, concomitante ao conhecimento dos outros indivíduos e da tarefa que têm diante de si.

Nesse primeiro momento de existência, o grupo tem pouca consciência de si próprio. Assim como na primeira infância em que a noção que a criança tem de si está totalmente baseada na imagem que ela tem da mãe, um grupo recém-nascido vê no reflexo de sua ação a sua identidade.

Se quisermos ampliar nossa consciência sobre esse momento de formação, temos que atentar para os seguintes fatores:

A vitalidade do grupo é movida pela necessidade de influenciar outros para a realização de um objetivo comum. Quanto mais claro, mais específico e mais concreto esse objetivo, melhor a capacidade do grupo de atrair para si indivíduos que contribuam para a manutenção da vitalidade do grupo.
A abertura para participação garante a oportunidade de sustentar essa vitalidade nos momentos de crise que com certeza surgirão. Garante também que se forme um grupo realmente participativo que assuma integralmente a responsabilidade pelas suas ações.
Na fase da formação ainda há pouco conhecimento real dos indivíduos com os quais se trabalha (mesmo os velhos conhecidos tem facetas desconhecidas quando num novo grupo!) e pouco conhecimento da capacidade do grupo de agir em conjunto. Como o grupo está concentrado na ação sobre o meio e na tarefa a ser desenvolvida, tende-se a continuar deixando de lado o esforço de enxergar o outro ou lhe dar o espaço necessário, algo que gradualmente passa a corroer o espírito de grupo. Neste momento, portanto, quanto mais explícitos os acordos de interação e ação, maior a capacidade do grupo de lidar com as dificuldades do porvir.
Esse momento de formação é caótico pela sua própria natureza exploratória e portanto carece de um líder mais do que de um sistema organizacional para experimentar-se no mundo.
Mas, depois de dois anos explorando o mundo que a mãe faz chegar até ela, a criança sofre a dor de descobrir que ela e a mãe são criaturas diferentes. O que por um lado dói, por outro a liberta para continuar sua relação com o mundo sobre outra forma de interação.

Num grupo até então concentrado em sua ação sobre o mundo, eis que surgem gradualmente desconfortos, inquietudes, dúvidas e frustrações tanto individuais como do grupo na relação com o seu meio. A clareza das ações se turva diante das demandas pouco priorizadas, as responsabilidades e a liderança são questionadas, as decisões tomadas intuitivamente passam a incomodar pela falta de critério, a motivação entra em declínio e a participação igualitária passa a dificultar o processo decisório. Formam-se nuvens negras sobre o grupo e em algum momento a partir daí, vem o que Tuckman chama de “tempestade”.

É nessa crise, vivida pelos grupos que decidem “entrar na chuva para se molhar” que está o primeiro chamado para o desenvolvimento consciente. A pergunta retumbante soa assim: “que tal nos comprometermos com o nosso crescimento?” Por ser apenas um ruído no coração do grupo, essa pergunta pode ser facilmente ignorada e assim, muitos grupos optam por se manter nessa primeira infância em que relegam a responsabilidade pelo auto-desenvolvimento em nome da responsabilidade mais premente de atender as demandas externas ao grupo. Retiram-se os incomodados e assim, inúmeros grupos permanecem anos a fio nessa fase agindo sob o dinamismo desenfreado em que ciclicamente se vivencia uma crise com dois tipos de sintomas: relações pautadas por emoções e sentimentos e pouca capacidade organizacional como reflexo da ação desprovida da auto-consciência de grupo. O grupo torna-se um ativista tomado por uma idéia, que por não ser intercambiada e transformada na sua relação com os outros e com o mundo, vira ideologia a ser imposta sobre os outros e o mundo.

Assim como nos indivíduos que optam por se auto-desenvolver com o intuito de se tornarem pessoas mais capazes, o grupo que resolve atender ao chamado da crise, tem como primeira tarefa, encará-la de frente, admiti-la como parte intrínseca de qualquer processo de desenvolvimento e começar a se rever sob uma nova perspectiva, revelando de forma explícita os novos acordos de relação no grupo.

Nessa fase o desafio está em promover a diferenciação funcional, caracterizada pela necessidade de “normatização”, a terceira fase de desenvolvimento de um grupo, segundo Tuckman. Como diz Schaefer (2) quando fala sobre desenvolvimento de uma organização, é o momento em que forma e consciência têm que ser intercambiadas. A forma que o grupo encontra para se organizar a partir de uma maior consciência de si é o que determina sua capacidade de ter êxito.

Nessa fase de normatização, assim como a criança que se percebe como indivíduo, o grupo tem que lidar com sua dupla dimensionalidade: a dos indivíduos e a do conjunto de pessoas. Considerando-se que o processo de desenvolvimento de um grupo requer transformações nesses dois âmbitos é preciso que se dê atenção distinguida a ambos.

A energia e o tempo que antes eram gastos exclusivamente com a ação externa, têm que se dividir entre os processos externos e internos do grupo. Acreditar que esse investimento é válido, legítimo e principalmente, gerador de ganhos futuros é essencial para que haja um comprometimento com a manutenção do espaço e do tempo necessários para que o grupo olhe para si. Essa fase bem cuidada garante em grande parte a saúde vitalícia do grupo porque aprende-se a fazer o exercício de olhar para si como parte integrante do meio e dos objetivos para os quais se trabalha.

Há dois fatores importantes a serem analisados na dimensão pessoal: a liderança do grupo e as características particulares que contribuem para o todo do grupo.

A liderança que até então foi natural – ou pouco questionada – deve ser avaliada com o intuito de se trazer à consciência quais as características de liderança que melhor contribuem para que o grupo maximize sua capacidade de atuação externa. Desse modo, favorece-se a despersonalização da liderança, o que fortalece o grupo na medida em que ele passa a acionar e contabilizar seus ativos ao invés de se apoiar exclusivamente sobre os subjetivos encarnados por indivíduos que à primeira vista parecem insubstituíveis. O grupo passa então a ter consciência de sua liderança, empossada por suas características e potenciais que podem ser acessadas e substituídas quando necessárias, sem que com isso o grupo se fragilize ou desmorone.

A forma de reconhecimento da liderança e organização dos processos decisórios, formatando também os modos de organizar o trabalho em função dessa estruturação serão tanto melhores quanto maior a capacidade do grupo de instaurá-las a partir de seu processo de conscientização.

Com o tempo, a dedicação das pessoas ao grupo tem que trazer um retorno para os indivíduos para que a motivação antes ditada apenas pela ação externa do grupo agora também seja constituída por outras formas de motivação. A necessidade que antes era ditada principalmente pela vontade de influenciar e liderar outros para a realização de uma tarefa comum, agora tem que estar mais voltada para a as necessidades do grupo. É o momento em que o ajuste do indivíduo ao grupo e das necessidades de ambos traz à tona a questão: eu quero mesmo ser parte desse grupo? Lembrar que essa é a questão que está em jogo no momento ajuda o grupo a ganhar consciência sobre a importância de olhar para os indivíduos.

Lembrando que ninguém motiva ninguém, cabe ao grupo criar oportunidades para que as pessoas encontrem sua própria motivação para continuarem a ser parte do grupo. E isso se faz através de dois processos principais: saber ouvir as necessidades, dificuldades, vontades e saber respeitar as diferenças de cada um. O que a princípio parece uma obviedade sem tamanho e tarefa inerente a uma pessoa bem intencionada, na prática da vida em grupo se revela um trabalho bastante difícil e só com muito empenho um grupo realmente se dedica a isso. Mas uma coisa é certa: se estes processos não forem planejados, certamente não existirão e ficará o discurso no lugar da prática, realidade da maioria dos grupos.

Uma característica comum à capacidade de ouvir o outro e à capacidade de respeitar as diferenças é substituir o julgamento automático que se faz, pelo exercício de trazer à tona o que está por trás do julgar. Por exemplo, pode-se fazer em conjunto o exercício de se analisar as diferentes personalidades e necessidades individuais que existem no grupo a fim de potencializar as qualidades e minimizar o efeito das características inibidoras de desenvolvimento do grupo, ajustando os pontos de motivação individual à realidade da vida do grupo. (3)

Aprender a dar feedback é outro exercício que se pode fazer para que se consiga aumentar a capacidade de fazer as pessoas se ouvirem. É uma arte de difícil maestria, mas de excelentes resultados para o desenvolvimento da saúde de um grupo.

Esses dois fatores da dimensão pessoal devem sempre ser incorporados à dimensão de desenvolvimento do grupo através de um planejamento de ações e processos que os contemplem. Senão, o grupo acaba ficando egocêntrico e deixa de alimentar o desenvolvimento do seu trabalho com o desenvolvimento das pessoas ao invés de usá-lo para enriquecer sua prática.

No que se refere à dimensão de desenvolvimento do grupo então, há que se atentar para um fator primordial: a instauração de processos que organizem as ações do grupo em função do seu objetivo (revisto junto com os novos acordos de trabalho). O planejamento e a análise racional predominam.

Nessa fase de desenvolvimento, o grupo está fortalecendo sua identidade ao definir conscientemente qual a forma com que se organiza para cumprir sua missão. O processo de organização deve considerar que o grupo é um organismo vivo que adquiriu características que o definiram até então. Essas características devem ser analisadas e balizadas junto à proposta de atuação do grupo para definir as políticas, os procedimentos e os meios de organização do trabalho. Não adianta tentar implantar procedimentos inovadores que destituam a forma do grupo ser, porque a vida orgânica vai predominar sobre a vida organizada. Então o que se tem a fazer é implantar os processos que potencializem as qualidades e minimizem os impactos dos defeitos que o grupo tem. Mais uma vez, é o intercâmbio entre forma e consciência que determinará a competência de atuação do grupo.

Se reconhecermos o grupo como um organismo vivo, temos que lidar com o fato de que com o tempo, tudo muda. A saúde vitalícia pode ser em parte garantida pela capacidade de aprender a juntar consciência e forma como parte sistemática do trabalho do grupo e em parte tomando uma vitamina essencial ao crescimento: a avaliação de sua prática como modo de aprendizado.

Antes o que importava era formar o grupo para agir; a fase da formação. Com a tempestade, vem a normatização, fase cujo foco está nos procedimentos, nos processos. Mas precisa-se ir adiante e colocar essas normas para gerar resultados para o grupo e para fora dele. Até este momento um grupo certamente melhorou muito em dois aspectos: sua eficiência (capacidade do grupo de fazer os indivíduos disporem de sua competência para agir) e sua eficácia (capacidade do grupo de implementar processos e procedimentos que os tornem melhores naquilo que fazem). Na terceira fase de seu desenvolvimento o grupo tem que se voltar para a efetividade: a capacidade do grupo de alcançar os objetivos estabelecidos, transformando a realidade em que atua. É a terceira fase de desenvolvimento do grupo, chamada por Tuckman de performance. A necessidade premente aqui é a de realização, atingir metas, alcançar a excelência e conseguir realmente transformar. (4)

E é nessa fase que o grupo volta a se questionar sobre o seu papel no mundo e sobre sua capacidade de agir. Tenta-se rever a missão, avaliar o impacto de seu trabalho, checar a competência de seus indivíduos.

É um momento de muito mais maturidade, e esperemos, de maior consciência. Nessa fase, as necessidades de afiliação, poder e realização estão mais equilibradas porque há melhor canalização das motivações individuais, uma renovada compreensão da atuação do grupo e uma melhor divisão das tarefas e do poder de cada um dentro dele.

Mas, o grupo que chegou até aqui tem uma tarefa de responsabilidade ainda maior: de sobreviver às mudanças externas e internas para continuar a existir, caso seja essa a sua vontade. E aí há um grande motor a ser posto em marcha: do aprendizado baseado na experiência. Quanto maior a capacidade do grupo de balizar suas ações sobre a reflexão profunda de sua experiência, maior sua qualidade de performance. Surge aqui um desafio inédito: o de ser capaz de sistematizar estes aprendizados de modo que eles deixem de ser anedotas, fatos soltos, experiências circunscritas a momentos específicos da vida do grupo para transformá-los em informação capaz de subsidiar tomadas de decisão e mudanças no grupo. O que se aprendeu até aqui deixa então de pertencer aos indivíduos que viveram no grupo e passa a ser um ativo do grupo, em que eficiência, eficácia e efetividade são definidos a partir de elementos concretos e acessíveis a todos.

A maioria das pessoas que falam do desenvolvimento de grupos citam essas quatro fases. Tuckman acrescenta a fase do “encerramento” do grupo. Apesar de parecer simples, poucos grupos conseguem chegar a essa fase com dignidade. O encerramento de um grupo, além de exigir que se assuma que se chegou ao fim, exige uma atitude pouco comum que é a de compartilhar a experiência, passar as informações e principalmente abrir para outros um espaço que seu grupo ocupou durante muito tempo. O que melhor ilustra essa fase é a do sábio idoso que quer preparar outros para dar continuidade a algo valioso. Ele se vale de seu vasto conhecimento acumulado pela experiência, de sua habilidade de formar outras pessoas e de uma atitude de doação, de abertura, de flexibilidade para aceitar que outras pessoas podem e são capazes de nos substituir, mesmo quando têm características tão diferentes das nossas.

Encerro eu esta pequena contribuição reiterando o fato de que com certeza não lhes contei nada de novo sobre a vida de um grupo, ainda que tenha lhes contado sobre a vida de vários grupos com os quais convivi. O que nos dá essa sensação de que fala-se sobre o óbvio é que os movimentos de vida são arquetípicos e se sobrepõe a um outro movimento arquetípico que é o do processo de aprendizagem. Um grupo se forma, passa pela tempestade, encontra suas normas, faz sua grande performance e sai de cena. São cinco fases de um ciclo, que pode se repetir em outras fases da vida do grupo. Quanto ao aprendizado, temos a experiência, a reflexão sobre a nossa experiência, a capacidade de sistematizá-la sob forma de novos conhecimentos e a capacidade renovada de planejar novos caminhos, caminho de desenvolvimento com o qual nos deparamos continuamente ao longo da vida, principalmente nas crises de crescimento. Não é nas idas e vindas dessas fases e desses ciclos que pautamos a nossa história de vida, de nossos grupos, de nossas organizações? Conhecer quais são essas fases e ciclos nos ajuda a apreender que fases e que ciclos estamos vivendo para então compreender um pouco mais sobre nossa existência. E tudo isso só acontece se há consciência e esforço concentrado nessa tarefa. Portanto, aos grupos que querem crescer e viver com mais consciência, há uma grande tarefa diante de si: mãos à obra e boa sorte!

(1) Tuckman é o autor que definiu os cinco estágios de desenvolvimento de um grupo como sendo: forming, storming, norming, performing, adjourning. Eu os traduzi como formação, tempestade, normatização, performance e encerramento. Diferente do que Tuckman indica, pela prática observo que no primeiro estágio, quando o grupo se forma, o foco está muito mais na ação externa do que na construção interna do grupo.

(2) Schaefer, C. O desenvolvimento consciente de iniciativas. In: Schaefer, C. e Voors, T. Desenvolvimento de iniciativas sociais: da visão inspiradora à ação transformadora. São Paulo : Antroposófica/Christophorus, 2000.

(3) Há instrumentos desenvolvidos que podem ser aplicados gerando oportunidade de colocar essa dimensão do desenvolvimento individual no contexto organizacional. Um exemplo é o do trabalho com as diferentes personalidades, definidas por cores, de Roberto Coda (FEA-USP). David Kolb também trabalha com um instrumento (Learning Style Inventory) capaz de identificar os diferentes modos individuais de aprendizagem, o que ajuda muito a identificar os focos de motivação de cada um.

(4) Mencionei três tipos de necessidade até aqui: a necessidade de poder, necessidade de afiliação e necessidade de realização. Essas necessidades que aqui eu usei para falar de grupo, foram desenvolvidas por McClelland para falar sobre os tipos de motivação individuais. Este psicólogo, bastante polêmico aliás, desenvolveu um teste para identificar as motivações humanas e as dividiu nestes três grupos. Não tenho nenhuma pretensão de fazer uma transferência de aplicação dessa teoria nesse contexto. A idéia aqui é perceber que em cada fase de seu desenvolvimento o grupo está focado em algo diferente e mobilizado por necessidades diferentes que, grosso modo, observo que são necessidades presentes no grupo em suas diferentes fases de vida. O que vale é atentar para as diferenças e ganhar consciência sobre o impacto delas sobre as atitudes do grupo.

Fases no desenvolvimento de grupos
Fases no desenvolvimento de grupos