A especialista em futurismo Rosa Alegria fala sobre a urgência da escola se reinventar para ajudar as novas gerações a viverem felizes
Na década de 80, dois autores americanos usaram uma sigla para explicar o mundo que estava em constante transformação: VUCA, um acrônimo em inglês para as palavras volátil, incerto, complexo e ambíguo. Desde então, o conceito se fortaleceu e passou a ser usado por teóricos de várias áreas do conhecimento, inclusive de educação. Afinal, como a escola prepara o aluno para viver num mundo cada vez mais VUCA? O que é o futurismo e como ele pode auxiliar nessa missão?
A Fundação Telefônica Vivo, em parceria com a Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, convidou os secretários municipais de educação do Brasil para integrar essa discussão. Desde maio está promovendo a oficina O Futuro chegou para uma educação mais inovadora, realizada com o apoio do CIEDs e do Criamundi.
“A oficina é embasada no estudo de tendências e na pesquisa Visões de Futuro + 15. A ideia é olhar para sinais e movimentos que apontam para o futuro para pensar numa agenda de inovação educativa. Com a construção de uma escola diferente, com novos processos de formação de professores e envolvimento de alunos”, explica Beto Silva, que é colaborador do CIEDs e responsável por conduzir a oficina com os dirigentes municipais.
A oficina já passou por São Paulo, Sergipe, Paraíba e Maranhão alcançando 193 dirigentes e suas equipes técnicas. A meta é finalizar o ano com 300 participantes e, depois, expandir os conteúdos para gestores de escolas e estudantes de pedagogia. “O interessante é que nós não trabalhamos um único processo de inovação, um único caminho para o futuro”, diz Beto. “Nós respeitamos o tempo, as condições e as experiências de cada lugar para que os gestores encontrem as melhores formas de inovar dentro de suas redes”.
Por aqui, o movimento é encabeçado por Rosa Alegria, diretora do núcleo brasileiro do Projeto Millennium, uma rede de acadêmicos, executivos e cientistas que pesquisam o futuro. Ela é responsável pela plataforma recém-lançada Teach The Future Brasil, que oferece materiais gratuitos para capacitar os professores de ensino fundamental a trabalhar o futuro nas escolas de todo o país.Inverter a lógica e pensar no futuro preferível para então buscar maneiras de atuar no presente é um conceito novo no Brasil, mas já ganha força. Especialmente quando se fala em inovação educativa.
“A escola de hoje ensina a mesma coisa de 100 anos atrás. Como ela quer preparar os alunos para a 4ª revolução industrial se só ensina o passado?”, questiona a especialista. Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, ela discutiu a importância de reformular a escola, avaliou nosso papel de humanos diante da inteligência artificial e alertou para a necessidade de não se prender a um único conceito de futuro. Confira:
Rosa Alegria é um dos principais nomes do Brasil no estudo das tendências do mundo
O que é, afinal, o futurismo?
Rosa: Nada tem a ver com uma prática de adivinhação ou esoterismo. É uma ciência interdisciplinar que nasceu na Europa e nos Estados Unidos do pós-guerra para tentar entender, apoiado em práticas e metodologias, como o mundo poderia se recuperar depois da devastação.
Hoje podemos definir o futurismo como uma disciplina que estuda o movimento das mudanças para ajudar na preparação para o futuro. Vale lembrar que o futuro não existe, não é uma coisa dada, então o que estudamos são as diversas possibilidades de futuro.
Falando sobre educação, normalmente estudamos o passado para encontrar saídas para melhorar o que está por vir. O futurismo vem para romper essa lógica? Como analisar as tendências do futuro pode servir a uma educação de qualidade?
Rosa: Muitos conteúdos de educação não servem mais. Ao mesmo tempo, quando falamos de futuro normalmente falamos com o adulto quando, na verdade, os jovens é que deviam estar sendo convidados a refletir sobre isso. Estudar o futuro é tão importante quanto aprender sobre o passado, uma vez que ajuda as gerações a se antecipar aos acontecimentos e a se preparar para as mudanças.
Como a escola pode começar a fazer isso?
Rosa: Primeiro, a escola precisa entender que o papel dela agora é menos ensinar conteúdos e mais ensinar habilidades e competências que ajudam a compreender o mundo, influenciar mudanças e se antecipar aos acontecimentos. Entre essas habilidades estão a tomada de decisão, o pensamento crítico, a criatividade, com a inserção na grade curricular de gamificação, jogos e ferramentas que incentivem inovação e imaginação, e o pensamento sistêmico¸ que ajuda o jovem a olhar para o todo e fazer conexões.
Gosto muito da definição do Fórum Econômico Mundial que diz que na indústria 4.0, as novas lideranças, que são os alunos de hoje, tem de ser mais humanitários, ou seja, preocupados com inclusão social, impacto humano e diversidade, inovadores no sentido de criar espaço para o novo, além de dominar a tecnologia e serem futuristas, com a capacidade de enxergar longe e imaginar novas possibilidades.
Em suas palestras você tem alertado para que nós não nos deixemos afetar pelo o que você chama de futuro colonizado, ou seja, um futuro pré-determinado sobre o qual pouco podemos influenciar. Nós devemos ser mais ativos nesta construção?
Rosa: O futuro não é singular, pré-determinado. É plural, no sentido de que existem muitos futuros. Normalmente quando se fala em futuro é para abordar as fortes tendências tecnológicas divulgadas por grandes centros de pesquisas internacionais, a maioria deles localizado em países que pouco têm a ver com a realidade aqui no Brasil.
Acreditar que essas tendências são as únicas possíveis é aceitar um futuro colonizado. Por exemplo, quando falamos num mundo dominado por robôs, no qual os humanos ficam obsoletos em muitas funções. Há duas maneiras de lidar com essa informação: aceitar ou tentar criar outras possibilidades de futuro que façam mais sentido. Aí inovação e criatividade importam mais do que nunca.
Com os avanços da inteligência artificial, que caminha para transformar de vez nossas vidas, qual será o nosso papel como seres humanos?
Rosa: Não podemos competir com as máquinas, é um erro querer ser mais inteligente do que elas. Quanto mais automatizada é uma sociedade, mais ela precisa aprofundar o valor do que é ser humano. Então, se não vamos competir com máquinas, que tal sermos aquilo que nós somos?
Vamos resgatar nosso valor humano, ou seja, ser feliz, cuidar uns dos outros, gerar bem-estar social, exaltar as coisas belas, desenvolver arte, olhar para ética e estética… enfim, gerar valor para a vida das pessoas.
Uma pesquisa recente mostrou que o mundo está hoje mais infeliz do que era há 50 anos. Os altos índices de suicídio estão aí para não nos deixar mentir. Mas que sentido faz nos tornarmos mais tecnológicos e infelizes?
Agora é hora de revermos a nossa relação com as máquinas e com a tecnologia. Essa é a oportunidade que temos para reinventar a nossa forma de viver.