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Gestores de escola de várias regiões do Brasil revelam estratégias para superar dificuldades que emergiram com a retomada das escolas em 2022

#Educação

Escola de várias regiões do Brasil revelam estratégias para superar dificuldades que emergiram com a retomada das escolas em 2022

A retomada das escolas foi desafiadora para as escolas públicas brasileiras. Com a reabertura, entraram questões novas pela porta e se somaram aos velhos problemas estruturais da educação, como evasão escolar e falta de infraestrutura. A aprendizagem sofreu impacto em todas as etapas de ensino, mas afetou principalmente a alfabetização, como mostraram os indicadores do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021 e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2021.

Simultaneamente, os estudantes tiveram que voltar a aprender a conviver com os pares e reconstruir uma rotina de estudos. A comunidade escolar ainda lida com o luto gerado pela pandemia. É nesse contexto que as escolas públicas brasileiras precisaram atuar em 2022. Mas não faltaram criatividade, colaboração e resiliência para transpor os obstáculos.

Com a finalidade de entender os desafios do período, a Fundação Telefônica Vivo entrevistou oito escolas públicas de sete estados brasileiros, que revelaram as estratégias usadas para lidar com as principais questões que apareceram na retomada das escolas. Essa é a primeira de uma série de reportagens de retrospectiva sobre os assuntos que mais mexeram com nossa educação neste ano. Ao longo do mês, apresentaremos um panorama dentro dos temas de competências digitais e formação docente, aprendizagem híbrida e dados educacionais no apoio de políticas públicas. Acompanhe!

A aprendizagem na retomada das escolas

A recomposição das aprendizagens é um dos principais desafios de escolas de norte a sul do país, especialmente em relação à alfabetização. Muitos estudantes de 3° e 4° anos do fundamental voltaram para aulas presenciais sem saber ler e escrever, um atraso de mais de dois anos do tempo desejado. Em Manaus (AM), a Escola Municipal Nossa Senhora Aparecida apostou nas parcerias com universidades locais e em metodologias ativas para avançar com a alfabetização.

“As crianças estão aprendendo a ler e a escrever enquanto investigam abelhas polinizadoras da Amazônia. É a chamada ecoalfabetização, uma vertente da educação ambiental que trabalha a sustentabilidade por meio da observação e do aprendizado com os sistemas naturais”, explica a diretora Janeide Alexandre Dantas, que conduz o projeto.

Em Areia Branca (SE), a diversificação de estratégias é o que está funcionando em muitas escolas. “Apostamos em metodologias diversificadas, oficinas de leitura e produção de texto, mas também de barbeiro, confeitaria e maquiagem para motivar os estudantes. Todos os professores planejaram suas aulas baseadas em leitura e escrita”, conta Marionete dos Santos Britos, diretora da Escola Municipal Célia Franco da Costa Prado.

Já na Escola Municipal José Inácio da Fonseca, também em Areia Branca, a tecnologia está sendo indispensável para a personalização e avanço da aprendizagem. “Tablets, computadores, celulares e outros aparatos tecnológicos nos proporcionam um leque de possibilidades para avançar com a aprendizagem dos nossos alunos”, disse a diretora da escola, Izapaula Rocha Oliveira. A Rede Municipal de Sergipe integra o projeto Aula Digital, uma iniciativa da Fundação Telefônica e da Fundação Bancária La Caixa, da Espanha.

Reaprendendo a ser estudante na retomada escolar

A alfabetização também foi problema para a Escola de Educação Básica Professora Zélia Scharf, em Chapecó (SC), mas o principal desafio foi a recriação de uma rotina de estudos, como observa o diretor Arquimar Guarda: “O isolamento social desregrou completamente os educandos. Em casa, eles dormiam em horários que não os habituais e passavam muito tempo na internet sem a supervisão dos familiares. Grande parte deles retornou com dificuldades de relacionamento”.

Assim, a atenção individualizada e a atuação coletiva foram as estratégias adotadas para lidar com o problema durante o período de retomada das escolas. Guarda destaca que a formação em pensamento computacional do Pense Grande Tech – Eletivas, realizada por ele em julho deste ano, foi essencial para o enfrentamento dos problemas, uma vez que oferece subsídios para traçar soluções criativas e mais democráticas no espaço escolar. “A partir da decomposição dos problemas e reconhecimento de padrões, conseguimos propor ações mais assertivas e eficientes”, disse.

A falta de rotina afetou a vivência escolar dos estudantes de ensino médio da Escola Estadual Alberto Torres, em São Paulo (SP). “Nossos meninos estudam das 7h às 16h, então a rotina é importante. E nós percebemos que ela ficou comprometida, especialmente no começo do ano. Eram comuns os atrasos nas aulas, falta de organização para cumprir entregas, esquecimento de material no armário. Parecem coisas simples, mas atrapalhavam nossos jovens, que tiveram que reaprender a ter postura de estudante”,  relata a diretora Lídia Moura. Ela também destaca dificuldades para aprender a conviver e tolerar as diferenças, superadas com mediação de conflitos e tutoria entre pares.

Foco na saúde emocional durante a retomada escolar

Antes de tudo, esse período de retomada das escolas foi marcado por muita escuta e acolhimento para a Escola Estadual Santa Rosa de Lima, também de São Paulo (SP). “Antes da pandemia nunca tinha se pensado sobre o quão fundamental é trabalhar com questões socioemocionais na escola. Foi o primeiro ponto que tivemos que pensar no retorno, especialmente depois de tantas perdas de alunos, professores e famílias”, diz a diretora Paula Beatriz De Souza Cruz. “Foi como caminhar num túnel escuro acendendo luzes para chegar ao final dele com mais resiliência, empatia, autoconhecimento, amor e respeito à diversidade”.

Do mesmo modo, o luto também foi a questão central para o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Djalma Ramos, de Lauro de Freitas (BA). A coordenadora pedagógica Fátima Santana relata que professores também tiveram que lidar com a frustração ao ver o agravamento da pobreza das famílias e com uma série de dificuldades que as crianças traziam, como comprometimento da oralidade, da psicomotricidade e de socialização. “O poder público não tratou de cuidar de quem cuida. Não tivemos políticas públicas de enfrentamento que considerassem a realidade das famílias atravessadas por marcadores como raça, gênero e classe social”.

Foi fundamental a característica de aquilombamento da escola, com apoio mútuo entre estudantes, famílias, gestão e educadores. Também fez diferença o projeto  Por uma infância escrevivente: práticas de uma educação antirracista, apoiado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). Com ele, a escola promoveu experiências de felicidade a partir da representatividade da vida e obra de pessoas e coletivos negros. Foram realizadas oficinas, seminários de pesquisa, rodas de conversa regulares e produção de e-books que envolveram toda a comunidade escolar.

Credibilidade e gestão democrática

A principal dificuldade no Colégio Estadual São José, em Poço Verde (SE), foi a perda de credibilidade das famílias na escola, uma vez que os estudantes não desenvolveram as competências necessárias na pandemia. A gestora Edilania da Silva Souza contou que foi necessário implementar projetos para aproximar os pais da escola. “Assim eles viram como estávamos trabalhando para sanar as dificuldades e fomos retomando nossa credibilidade”, disse.

A gestão democrática é realidade na escola de ensino médio CE Professor José de Souza Marques, no Rio de Janeiro (RJ) desde 2015. E foi fundamental na retomada das escolas para lidar com desafios como atrasos no processo de escolarização e episódios de violência e intolerância. “Na educação, as coisas são dinâmicas. Assim, chamamos para o debate os pares, os sujeitos da educação, gestores, alunos, comunidade e a sociedade civil. O diálogo ajuda a trazer soluções conjuntas para os problemas enfrentados”, disse o diretor André Barroso.

Juntamente com espaço de diálogo, outra medida certeira já vinha se desenvolvendo desde o início da pandemia, quando estudantes criaram um clube de ciências no WhatsApp. Com o retorno das aulas presenciais, o grupo evoluiu para uma equipe científica. Em parceria com a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, a escola ganhou sala maker e impressora 3D. Como resultado, a equipe foi premiada com medalha de ouro e prata em três projetos realizados pela FAPERJ.

“Com a pandemia, os alunos ficaram muito tempo fora do espaço escolar e se agravaram os problemas. Como diz Conceição Evaristo, mesmo a pior escola salva vidas. Por mais que você não atinja o objetivo da série, do sistema ou da escola que você está, o aluno nunca entra e sai da escola da mesma forma”, diz Barroso.

Concorrência com o mundo do trabalho

Em Goiânia (GO), a professora Kalinka Ribeiro Aragão vivenciou desafios diferentes em duas escolas. Durante a pandemia, ela completava seu 6º ano de mandato como gestora da Escola Municipal Engenheiro Antônio Félix e teve a missão de administrar “uma escola fora da escola”, com todas as demandas pedagógicas, sociais e sanitárias. “Comunicação entre escola, secretaria, gestão e coletivo sempre foi uma questão importante na educação. Durante a pandemia, ela foi essencial para preservar vínculos e trazer crianças para o ambiente virtual de aprendizagem.”

Durante a retomada das escolas,  ela voltou a dar aulas de geografia e sociologia para estudantes do ensino médio do Colégio Estadual Jardim Balneário Meia Ponte e se deparou com o desafio de entender as demandas daqueles alunos e garantir a permanência não mais no espaço virtual, mas no físico. “As questões econômicas afetaram diretamente a vida deles. Muitos começaram a trabalhar para ajudar no sustento da família, outros que já trabalhavam perderam o emprego e tiveram que se virar com bicos. Nesses momentos de crise, o mundo do trabalho captura os estudantes e nosso desafio é garantir não só o acesso, mas a permanência na escola”, diz Kalinka.

 

Busca ativa como solução

Portanto, a busca ativa foi a grande estratégia utilizada no Colégio Estadual Jardim Balneário Meia Ponte e envolveu todos os profissionais da escola, sem exceção. “Ligavamos, íamos na casa dos meninos para saber por que eles não estavam frequentando as aulas”, relata a professora. As soluções foram pensadas para cada caso e passaram por troca de turno e até mesmo de escola para locais próximos do trabalho. Depois, a escola promoveu avaliações de diagnóstico para traçar planos de recomposição e ampliação de aprendizagem para o próximo ano.

“A escola sempre foi atravessada por questões sociais, econômicas e políticas. Durante a pandemia, essas questões se agravaram e escancarar nossas desigualdades, o que prejudicou muito os alunos. Isso deixa claro para mim que precisamos garantir que esses estudantes estejam na escola. Porque não é a educação que vai salvar o mundo, mas ela é um dos caminhos para isso. Precisamos garantir esse caminho diante de tantos outros que se apresentam para nossos meninos”, enfatiza Kalinka Aragão.

Os desafios que envolveram a retomada das escolas públicas
Os desafios que envolveram a retomada das escolas públicas