O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra reforça a importância de se pensar no protagonismo de negras e negros na formação da sociedade brasileira. Confira fatos pouco explorados pelos livros didáticos e que podem ser trabalhados na sala de aula com estudantes
Esta notícia foi atualizada em 23/11/2023
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é um importante marco para ressaltar o papel dos afro-descentes na formação do país. Com 56% de sua população composta por negros e pardos, o Brasil é o segundo maior país em população originária da África, perdendo o pódio apenas para a Nigéria. Apesar disso, naturalizamos a desigualdade racial, que fica evidente em diversos índices, inclusive os ligados à Educação. Segundo dados do IBGE, a taxa de analfabetismo caiu no Brasil, porém o percentual de pretos, pardos, idosos e nordestinos que não sabem ler e escrever, no entanto, continua sendo o mais alto.
Pautadas pelo movimento negro organizado, uma série de medidas foram tomadas nas últimas décadas para combater esse quadro. Em 2003, por exemplo, a lei 10.639 tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira.
Celebrado em 20 de novembro, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra representa mais uma dessas conquistas com a ressignificação do espaço ocupado pelas negras e pelos negros, frequentemente associados à escravidão, mas em papeis coadjuvantes na construção da sociedade brasileira.
Para valorizar narrativas que vão além dos registros nos livros didáticos, pedimos para alguns historiadores listarem temas de destaque da história afro-brasileira no Brasil que podem ser levados para a sala de aula. Confira a seguir!
Conceito de protagonismo
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra é uma oportunidade para levar a história para o centro do debate nas salas de aula. Pra começar, por que a data é celebrada em novembro? A historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, que leciona no Departamento de História da Universidade de Brasília (UNB), explica que a data é uma reivindicação de ativistas da década de 70 pelo protagonismo negro e marca a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.
Experiências de liberdade
Falar sobre os diferentes aspectos que envolvem a liberdade é outro exemplo de como um assunto pode ser melhor explorado no ambiente escolar. Ana Flávia Magalhães aponta que já no final do século XVIII estimava-se que o Brasil respondesse pela maior população de todas as Américas de negros e negras livres.
“Dados do censo de 1872 mostram que a cada 10 pessoas pretas e pardas, 6 eram livres ou libertas. Na cidade de São Paulo, a população afrodescendente livre chegava a 30%”, explica a pesquisadora, que é autora do livro Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil Oitocentista (Unicamp, 2018).
Apesar de ser um fato pouco estudado, toda essa população livre se organizava pela emancipação do povo negro. “Já em 1833 vão aparecer os primeiros jornais da imprensa negra, além de uma série de organizações religiosas, como a Irmandade do Rosário, que vão criar um contexto de proteção social para figuras que existiam, mas não tinham livre acesso a espaços de prestígio na sociedade”.
O Floresta Aurora, um dos primeiros clubes sociais negros a aparecerem, fundado em 1860, em Porto Alegre, é ainda hoje atuante. Como pioneiro, inspirou experiências que se repetiram em outros estados brasileiros. “São pautados na ideia de respeitabilidade, de valorização e manutenção de laços das famílias negras, de solidariedade e fraternidade”, complementa Ana Flávia.
Representatividade importa
A campanha Machado de Assis Real convocou os brasileiros a repararem a iconografia de um dos maiores escritores brasileiros. Negro, Machado de Assis (1839 – 1908) foi tradicionalmente retratado em pinturas, peças audiovisuais e até nas fotos de orelha de seus livros como um homem branco.
O caso faz parte de um apagamento histórico de figuras negras emblemáticas, como destaca Pedro Alves, que integra o coletivo Cartografia Negra, que reúne pesquisadores comprometidos em mapear pontos históricos do povo negro na cidade de São Paulo.
“Luis Gama, advogado, foi uma das personalidades que mais lutaram, inclusive de uma forma institucional, ocupando ambientes de discussão e defendendo a liberdade de seus iguais por meio de leis”, conta Pedro.
Ele também destaca o papel de André Rebouças, engenheiro fundador da Sociedade Brasileira Contra a Escravidão e responsável por projetos arrojados de estradas de ferro. Além da empreendedora Maria Punga, dona de um dos primeiros cafés de São Paulo.
“Normalmente, a maneira como os jovens da periferia sonham em melhorar sua condição de vida passa pela arte ou pelo esporte, áreas nas quais é mais comum ver negros bem-sucedidos. Mas conhecer a história de pessoas como as que citei pode potencializar outros sonhos na juventude”, destaca.
Trazer a representatividade através de figuras negras importantes para a história e a cultura brasileira também é um caminho a ser usado em sala de aula.
Resistir para existir
Falar da história dos negros e negras no Brasil é falar de ritmos, aromas, sabores, crenças e uma diversidade de manifestações culturais, como as congadas, o jongo, o maracatu e o samba, a capoeira, o candomblé e uma série de outras experiências originadas no continente africano, mas ressignificadas no Brasil.
Seja pela cultura ou pela luta, é uma história marcada por resistência, como destaca o professor Ramatis: “É a resistência através de rebeliões quilombolas. É resistência no período de transição para os regimes imperial e republicano com insurreições e rebeliões como aconteceu em Canudos, na Guerra do Contestado, na Revolta da Chibata e da Vacina. É a resistência no período posterior, na década de 30, com a criação da Frente Negra Brasileira, no final da ditadura com a criação de diversos movimentos emancipatórios. É resistência nos dias de hoje com toda a juventude nas suas mais diversas manifestações culturais e políticas. São vários momentos de resistência e de luta por uma população que nunca se submeteu à discriminação”.