Imagine-se uma pessoa sem título de eleitor, sem R.G. (ou carteira de identidade) e mesmo uma pessoa sem certidão de nascimento: que conseqüências isso tem? Com intensidades diferentes, ela pode ficar excluída de algumas oportunidades e até mesmo ter dificuldades para exercer seus direitos. Juridicamente ela não existe. E em uma empresa ou entidade do Terceiro Setor, não há que se falar em identidade organizacional?
Voltando à pessoa. É possível imaginar alguém sem sobrenome? Ou mesmo sem nome? Como ela vai ser tratada pelas outras pessoas? Pode acontecer às vezes de uma pessoa falar com outra pessoa sem saber o nome uma da outra. Uma das hipóteses é que ela pode acabar recebendo um número e ser tratada como “mais uma” (ela conta, mas não chega a valer). Ou seja, ela tende a não ser reconhecida pelos outros.
Indo mais além, o que acontece com uma pessoa que não tem idéias próprias? O que acontece com uma pessoa que é incapaz de dizer “não”, ou mesmo dizer “sim”, com firmeza? Uma pessoa sem idéias próprias fica à mercê das outras. Para uma pessoa sem idéias próprias, qualquer idéia cabe. Ela pode ficar tentando seguir tendências, oportunidades, modismos que, no fundo, são padrões definidos por terceiros.
Evidentemente a situação oposta também precisa ser considerada: o que acontece com pessoas que se prendem muito às próprias idéias, que parecem achar que somente as suas opiniões é que valem, que têm um senso de ?certeza absoluta? em tudo o que dizem? Essas pessoas têm grandes chances de ficar isoladas, pois de certa maneira se fecham em suas próprias considerações…
Tais fenômenos que valem para pessoas tendem a valer também para grupos e organizações…
Sistemas sociais
Toda organização da sociedade civil pode ser considerada um sistema social. Um conjunto de elementos que se relacionam entre si com alguma coerência, vivo, em desenvolvimento. Bernard Lievegoed (1), num antigo livro sobre organizações em desenvolvimento, traz algumas dicas muito importantes para aqueles que trabalham com sistemas sociais, especialmente organizações em desenvolvimento.
A primeira dica é que o limite de um sistema social é arbitrário. Isso significa que aquilo que é definido como “dentro” ou “fora” depende do observador. Numa entidade social pode-se ter uma noção clara de quem a compõe ou não, mas essa definição é fruto da consideração de um conjunto definido de pessoas e tende a ser conjuntural. Dizer se algo ou alguém pertence ou não à entidade depende de certos critérios, que podem estar mais ou menos conscientes, explícitos ou implícitos.
A partir desse raciocínio, fica evidente que todo sistema faz parte de um sistema maior. Nenhuma organização social pode ser tratada como se estivesse isolada, separada do contexto em que se insere. A definição de limites é, em essência, uma simplificação para que se possa lidar com a sua complexidade. Cada organização, movimento ou grupo está inserido num conjunto ainda maior de relações e interações dos quais se pode apenas ter uma noção, jamais uma visão completa.
Cada pessoa que trabalha numa organização social trabalha com a noção de sistema, de totalidade. Diariamente distingue, julga e faz planos com base nessa noção que tem e que amadurece com o passar do tempo.
Num sistema vivo e com certo grau de auto-consciência é possível distinguir (não separar) dimensões. Aqueles que dirigem ou governam organizações sociais devem estar atentos a essas dimensões para que possam influir no seu desenvolvimento. São pelo menos três: estrutura, identidade e potencial.
Estrutura diz respeito à ordem dos elementos que compõem um sistema. Estrutura está relacionada à forma. É muito comum gestores se preocuparem com as estruturas dentro das organizações em que trabalham, numa busca contínua por ordem e controle. Muitas organizações tentam resolver problemas relativos ao seu crescimento e desenvolvimento através de mudanças em estrutura. Freqüentemente, porém, essas tentativas resultam em poucos avanços, pois as raízes dos problemas estão em outras dimensões.
Identidade diz respeito àquilo que mantém a integridade de um sistema. Um sistema pode ter uma identidade forte ou fraca e isso influencia muito a forma como se relaciona com o mundo ao seu redor. Mudanças internas e externas podem levar à preservação ou à perda da identidade da organização. A total perda de identidade leva à desintegração do sistema, em mais ou menos tempo.
Toda organização contém um certo potencial, que pode ou não estar sendo expresso nas condições do dia-a-dia. O potencial de um sistema pode ser maior ou menor; existem entidades que têm um grande potencial de desenvolvimento e outras em que se têm uma sensação contrária. Quanto maior o potencial, maior a possibilidade do sistema manifestar uma identidade própria a partir de processos diversos de metamorfose.
A seguir são explorados alguns elementos que compõem a identidade de uma organização social.
Elementos da Identidade Organizacional
Diferentes conceitos (e não definições) serão tratados nesta seção. No campo da administração, por ainda ser considerada uma ciência pouco madura, é comum encontrar diferentes versões para alguns conceitos. Portanto, não é de se surpreender o encontro de idéias diferentes para as mesmas palavras. Para diminuir as controvérsias e tentar ser o mais fiel possível à abrangência de algumas ideias, se fará uso algumas vezes do dicionário – ele costuma ser uma fonte legítima de informações. Pode-se recomendar a grupos que queiram se atrever a fazer planejamento carregar consigo, nas reuniões, um bom dicionário, pois isso facilita muito algumas discussões.
VISÃO DE MUNDO
O primeiro conceito é o de visão de mundo. De acordo com Allan Kaplan , do Communnity Development Resources Association – CDRA – da África do Sul:
“A primeira condição para uma organização capacitada, o pré-requisito sobre o qual todas as outras capacidades são construídas, é o desenvolvimento de uma estrutura conceitual que reflita o entendimento do mundo por aquela organização. É um quadro de referência coerente que permite à instituição dar sentido ao mundo ao seu redor, localizar-se dentro deste mundo, e tomar decisões com relação a ele. Este quadro não é uma ideologia ou teoria particular, não é necessariamente correta, nem tampouco impossível de criticar ou mudar. Não é uma coisa preciosa e frágil, mas um esforço sério de acompanhar conceitualmente os desenvolvimentos e desafios com que a organização se defronta. A instituição que não tem um entendimento operacional competente do seu mundo pode ser dita incapacitada, a despeito de tantas outras qualidades e competências que possa ter”.
Toda organização da sociedade civil está, como o próprio nome diz, a serviço da “sociedade”, pautando-se consciente ou inconscientemente pelo seu entendimento. Allan Kaplan argumenta:
“A organização precisa construir sua confiança para agir no e sobre o mundo de uma forma que acredite que possa ser efetiva e ter impacto. Posto de outra forma, tem que saltar do ‘papel de vítima’ ao exercer algum controle, para acreditar na sua própria capacidade de afetar as circunstâncias. ”
“Com clareza de entendimento e um sentimento de confiança e responsabilidade surge a possibilidade de desenvolver a visão e a estratégia organizacional. … Entendimento e responsabilidade conduzem a um senso de propósito a partir do qual a organização não fica jogando de um problema para outro, mas opera de forma a planejar e implementar um programa de ação – e é capaz de adaptar este programa de maneira racional e ponderada.”
Em uma OSC que trabalha com adolescentes na periferia de São Paulo, uma das dificuldades detectadas foi o sentimento de impotência dos professores perante os problemas trazidos pelos jovens. Este problema ficou explícito na questão expressada por eles: “Como aprofundar a leitura da realidade de forma a definir a resposta que precisa ser dada e assim definirmos prioridades com mais facilidade e segurança?” O conceito aqui chamado de visão de mundo foi nomeado por eles de leitura da realidade.
Esta leitura não pode ser um mero resumo do que acontece; precisa ser crítica, coerente, completa, inteira, sistematizada e compreensível, para então gerar confiança, segurança e clareza quanto ao papel que se quer assumir no mundo e que efetivamente obter-se-á de impacto. Por estar sempre em construção, é importante que haja nas organizações espaços para rever ou desenvolver essa leitura da realidade. Todo planejamento de futuro para uma entidade baseia-se, mais ou menos conscientemente, numa leitura explícita ou implícita da realidade feita pelas pessoas.
Existem fundações que expressam sua visão de mundo num “ideário”, “marco conceitual” ou “marco referencial”: um documento contendo seu diagnóstico de determinados problemas e princípios que considera norteadores para resolvê-los; este documento é discutido com potenciais parceiros para orientar futuros projetos a serem desenvolvidos.
As seguintes questões podem ajudar a desenvolver ou clarificar uma boa Visão de Mundo:
- Como são percebidos e entendidos os dilemas vividos pela comunidade?
- Quais são os principais atores envolvidos?
- Quais são as alternativas de “solução” desses dilemas?
- Que papel cada parte deve ter?
- Quais são os principais obstáculos a superar?
- Quais oportunidades existem para explorar?
- Que tipo de relações estão “em jogo” nessa situação?
- O que pode atuar como alavanca para o desenvolvimento desta comunidade?
- Quais são os pressupostos que estão na base da prática desta organização?
- Que tipo de imagem espelha bem a Visão de Mundo deste grupo?
Uma boa Visão de Mundo não pode ficar somente em idéias que refletem “bom senso”, sob pena de não contribuir para a solução de problemas; não pode tampouco chegar ao extremo de transformar-se numa ideologia radical, pois gera o risco de gerar uma postura sectária e viesada demais da realidade (o que significa, em última análise, negá-la).
Um grupo de trainees, ao analisar uma organização do interior do país, levantou a seguinte questão aos seus gestores: “Como vocês concebem o voluntário?” – eis aí um bom exemplo de exercício de construção de Visão de Mundo.
Em uma organização que trabalha com portadores da Síndrome de Down emergiu a questão “Como entendemos o portador da Síndrome de Down?”. O processo de responder a essa pergunta mobilizou depoimentos de pais, técnicos e familiares. Num certo momento, um dos presentes chamou a atenção para o fato de que, por mais que se tentasse, nunca o grupo seria capaz de colocar-se no lugar de um portador da Síndrome. Em outro momento, um participante procurou levantar questões que os próprios jovens com Síndrome de Down se fazem e fez perguntas muito difíceis, do tipo “Posso fazer tudo o que outras pessoas fazem?”, “Posso andar sozinho nas ruas?”, “Porque meu rosto é diferente dos outros?”, “Porque quase todos meus amigos são como eu?”, “Porque às vezes riem de mim?”, “Posso sair sozinho com amigos para passear?”, “Quando crescer vou poder dirigir?”, “Porque meus irmãos não são como eu?”, “Eu demoro p/ aprender as coisas?”, “Porque me tratam de maneira diferente?”. Estes acontecimentos tocaram a todos e enriqueceram demais as discussões, subsidiando a construção de uma visão comum da Síndrome de Down.
Numa outra instituição, que existe há bastante tempo, a questão era encontrar algo que desse sentido à existência de três grandes programas – eles aparentemente nada tinham a ver um com o outro e atuavam isoladamente. Chegou-se à conclusão que todos os três contribuíam para o “desenvolvimento comunitário”. A partir daí, percebeu-se a importância de conceituar “desenvolvimento comunitário”, ou seja, (re)construir a Visão de Mundo da instituição sobre isso, para depois voltar a discutir a efetividade dos três programas.
MISSÃO
O conceito de missão vem sendo bem discutido nos dias de hoje, sendo considerado fundamental no meio do Terceiro Setor. Porém, pode-se encontrar várias organizações com missões pobres e pouco úteis, razão pela qual vale a pena explorar melhor esta idéia.
Um dos grandes desafios para as OSCs não é criar uma boa missão, mas sim tomar maior consciência dela. Segundo o experiente consultor holandês que vive em São Paulo, Jacques Uljeé, “Uma missão não deve ser inventada, mas percebida naquilo que estamos fazendo“.
Como a missão se expressa na vida de uma pessoa? Muitas pessoas fazem, no decorrer da vida, perguntas do tipo:
- “Por que eu nasci neste país, nesta época, no meio destas pessoas?”
- “Se eu morresse hoje, morreria satisfeito?”
- “Qual é minha tarefa principal nesta vida?”
- “Qual é o meu papel no mundo?”
Não são perguntas fáceis de responder; ao contrário, são bastante sérias e profundas. É possível afirmar que as pessoas que buscam um sentido para a vida são as pessoas que se fazem estes tipos de perguntas.
Provavelmente a maioria das pessoas adultas já deve ter tentado alguma vez definir a “missão de sua vida” ou, pelo menos, buscar um propósito maior para dar sentido à própria existência. Nesse momento, reflete-se sobre sua história, sua família, seus objetivos, suas qualidades e defeitos, o local em que se vive, quem está ao redor, o que pode acontecer no futuro, o que aconteceria se tudo continuasse da mesma maneira e daí por diante.
Quando eu penso neste assunto, também percebo que minha idéia da minha missão tem evoluído com o passar do tempo. E quando pergunto para grupos obtenho a concordância quanto a isso: nossa missão muda com o passar do tempo. Grupos jovens tendem a responder simplesmente: “ser feliz”, enquanto grupos mais maduros apresentam as respostas mais diversas, mas já incluindo outros em seus propósitos.
Por trás dessas afirmações está o pressuposto de que missão precisa ser tratada como algo intrínseco à vida, ou melhor, àquelas pessoas que procuram um sentido maior no que fazem e são. Esta idéia não deve ser tratada como algo que vem de fora para dentro, mas que naturalmente surge como pergunta conforme se amadurece. É possível vivenciar este conceito no dia-a-dia.
O que uma organização tem a ver com missão? Para explorar a idéia de missão em organizações é importante considerar algumas outras de suas características:
- A organização pode ser imortal: caso processos de sucessão e crises sejam adequadamente conduzidos e superados, toda organização tem o potencial de sobreviver por muito tempo. Sem dúvida, porém, ela tem que transformar-se para isso, pois o mundo ao seu redor muda.
- Toda organização surge para atender necessidade de outros: nenhuma organização sobrevive em função de si própria. Nem mesmo a organização do empresário que diz “eu só estou interessado no lucro” sobrevive se apenas isso estiver acontecendo. Não há lucro para o empresário se ele não estiver atendendo necessidades de outros. A organização não pode desvincular-se do seu ambiente externo e deve preocupar-se em servi-lo – isso garante sua sobrevivência no longo prazo. As pessoas só se interessam por organizações que façam algo de útil, seja para elas (numa relação de troca ou empréstimo), seja para terceiros (numa relação de doação).
- Cada organização tem um papel essencial no mundo: porque no momento em que ela deixa de ter um papel importante ela começa a morrer, pois ninguém se interessa mais por ela. Seja uma empresa ou entidade sem fins lucrativos ou cooperativa ou qualquer outro tipo, ela tem que estar atenta à sua própria contribuição relevante para o mundo. Seja uma fábrica de automóveis ou uma escola, toda organização tem um papel essencial a cumprir na sociedade.
- As pessoas esperam que ela cumpra seu papel: todas as pessoas têm necessidades e expectativas diversas; quando procuram uma organização, sempre esperam que ela cumpra seu papel essencial, para si próprias ou para terceiros.
- Toda organização implica assumir uma responsabilidade: na medida em que toda instituição existe em função de outras pessoas, que seu papel está relacionado a fazer algo de relevante para essas pessoas, criar ou dirigir uma instituição significa tornar-se responsável por algo no mundo. Ter consciência de qual responsabilidade está-se assumindo é um grande passo em direção a uma organização sustentável (e, quem sabe, sociedade).
Todas essas imagens ou conceitos permeiam a idéia de missão. Com ela mais uma vez assume-se que toda organização é algo vivo, dinâmico, que pode desenvolver-se com o passar do tempo e que mantém estreita relação com o mundo ao seu redor. A missão relaciona a organização ao seu destino e ao de outros, dando um sentido profundo à sua existência.
Missão no dicionário quer dizer “função ou poder que se confere a alguém para fazer algo; encargo, incumbência … obrigação, compromisso, dever a cumprir: missão de pai.”
Segundo um padre de nome Henrique, a palavra missão tem como origem o vocábulo “mitere”, que significa “a quê foi enviado”.
Uma boa imagem para ajudar a entender a idéia de missão é a da estrela-guia, utilizada por navegadores para cruzar o oceano. A estrela-guia é algo inalcançável, porém presente e útil em cada momento da viagem. Ela ajuda a manter o rumo, a direção, desde que se saiba por ela orientar-se.
Porém, a missão é, geralmente, algo difícil de ser definido ou formulado. Exige reflexões profundas e muitas vezes prolongadas; exige contrapor aquilo que se faz àquilo que se consegue; exige analisar diferentes pontos de vista, enfim, pode levar tempo para se chegar a uma boa missão – por isso ela deve ser construída com o passar do tempo.
Há vantagens de ter uma missão na vida das pessoas; quando uma organização consegue ter uma missão bem definida, ela pode esperar alguns efeitos do tipo:
- “Aqui é o meu lugar“: as pessoas se identificam mais facilmente com os propósitos da entidade.
- Quem está fora quer entrar: uma boa missão expressa com tanta simplicidade e essência o papel da organização que serve de estímulo, para aqueles que têm motivos semelhantes, a se aproximarem mais rapidamente.
- Dá sentido ao sacrifício: as pessoas precisam, em geral, ver um sentido maior em tudo que fazem – ver este sentido ajuda a suportar maiores sacrifícios e fazer maiores esforços.
- Facilita suportar tensões e atritos: as pessoas suportam mais tempo situações difíceis quando vêem maior importância naquilo que estão fazendo.
- Eleva as aspirações: uma boa missão deve inspirar as pessoas, motivando-as para além de “cumprir sua tarefa”.
- Todo mundo fala a mesma língua: uma boa missão – clara, concisa, simples – facilita o diálogo entre as pessoas, ajudando-as a partir do mesmo princípio.
- Permite dizer: “Esta é minha contribuição!”: uma missão com as qualidades acima ajuda cada pessoa a ter maior clareza a perceber qual é sua contribuição para ela.
- Cada um se sente responsável: se a missão da organização encontra “eco” nas pessoas e em suas missões pessoais é maior a possibilidade delas sentirem-se co-responsáveis pela tarefa da organização.
- Gera a ação correta: uma boa missão sempre é prática, podendo ser útil em quase todos os momentos – dessa forma, expressam o que e como deve ser feito algo.
Há também vantagens de ter uma missão para a organização como um todo; pelo menos as seguintes vantagens são observáveis para organizações que têm boas missões:
- Mantém na direção certa;
- Determina a competência, ou seja, a missão expressa em que campo ou área a organização é ou precisa expressar sua competência;
- Mantém ligada aos clientes: uma boa missão deve ajudar a organização a não se distanciar das necessidades que tem que atender;
- Concentra os esforços: porque torna explícitos aquilo que efetivamente tem que ser realizado;
- Define o papel no futuro: expressa o que a organização tem que assumir durante o resto de sua existência;
- Facilita fazer escolhas e definir prioridades: na medida em que fornece “um norte”, a missão facilita a escolher as metas e objetivos a serem alcançados;
- Ajuda a dizer “não”;
- Fortalece a identidade.
Laurie Jones, em seu livro “The Path”, coloca 3 qualidades necessárias a uma boa missão:
- Nunca ser maior do que uma sentença;
- Ser entendida facilmente por um jovem de 12 anos;
- Ser recitada de cabeça mesmo sob pressão.
É comum levantarem-se controvérsias a respeito de que tamanho deve ter uma missão. Na verdade, o que precisa existir é um profundo senso comum e compartilhado de missão. O enunciado escrito de uma missão sempre será uma simplificação deste senso, se ele realmente existir. Inegavelmente, porém, uma frase curta é muito mais fácil de ser articulada.
Uma boa missão deve responder bem às seguintes questões:
- Expressa resultados no público alvo?
- Alcança todos os clientes?
- Reflete o que se acredita, uma filosofia?
- É onde se pode ser mais competente?
- Dá para guardar na cabeça?
- É aplicável todos os dias?
- É válida para os próximos 50 anos?
Estas perguntas pressupõem que: a) a missão é tão essencial que dura muitos anos (o que não significa que ela não pode mudar quantas vezes for preciso); b) a missão é uma coisa prática, podendo ser checada a cada trabalho feito; c) a missão tem um foco bem definido e dá idéia do talento principal da organização; d) a missão não é impessoal, mas reflete as crenças principais daquele grupo naquele momento; e) a missão é a mesma para todos os clientes; f) a missão sempre está voltada à satisfação de determinadas necessidades e/ou à realização de certos ideais.
Alguns exemplos de missão, a título de ilustração, não necessariamente atualizados:
- De um grupo de alcoólicos: “Mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade”.
- De um pronto-socorro : “Transmitir confiança aos aflitos”.
- De um centro de apoio a estudos e seminários: “Propiciar acolhimento e aconchego para favorecer o encontro, o convívio e o aprendizado”.
- De um grupo de palhaços: “Levar alegria a crianças hospitalizadas, seus pais e profissionais de saúde, através da arte do Teatro Clown”.
- De uma fundação que trabalha com direitos da infância: “Sensibilizar e mobilizar a sociedade sobre as questões da infância, promovendo o engajamento social e empresarial em propostas para a solução dos problemas da criança”.
Pode-se explorar dois exemplos hipotéticos e discuti-los: um barbeiro e uma empresa (!) de máquinas de fotografia. A missão do barbeiro pode ser “Deixar as pessoas com a aparência que querem ter”; e a missão da empresa de fotografia pode ser “Reter a memória da forma mais viva possível”. O importante nestes exemplos é perceber como a missão pode ser prática, aplicável ao dia-a-dia, e como deixa muito claros resultados! Repare como o barbeiro pode, orientado por ela, perguntar a cada cliente como se sente durante e ao final do trabalho. E também como a empresa de fotografia pode adotar diversas estratégias para cumprir sua missão.
A seguir é apresentada uma lista de perguntas que podem ajudar na construção do senso de missão num grupo:
- Que imagens pode-se fazer do papel desta organização no mundo?
- O que cada um conta quando apresenta a organização?
- O que a organização provoca de alterações na vida das pessoas com que trabalha?
- Quais foram as coisas mais importantes feitas até aqui?
- Quais eram os sonhos dos fundadores? Que profecias eles faziam? Como é isso hoje?
- Qual é a causa deste grupo?
- Se a organização deixasse de existir, o que ficaria faltando no mundo?
VISÃO
“Há algum tempo, tive a experiência de sair em busca, com minha mulher, de uma casa para morarmos. Estávamos cansados de pagar aluguel, decidimos que queríamos construir um patrimônio próprio e aceitamos o risco de entrar num financiamento. A primeira coisa que nos veio foi conversar sobre a imagem da casa que queríamos. Esta imagem foi importantíssima para nós, pois dedicamos 7 meses, quase todos os finais de semana, procurando “aquela” casa. Uma coisa muito pequena que ajudou esta imagem a ficar bem concreta foi um presente que recebi dela: uma miniatura de casa (que cabe na palma da mão), que colocamos na estante da sala. Aquela pequena imagem continha uma série de características exatamente iguais à nossa imagem de casa. Durante aquele período passamos por muitos corretores, cada um dizia que tinha a “casa que a gente queria” e vimos coisas bastante diferentes do que imaginávamos. No final do sexto mês já estávamos visitando diversos apartamentos, pois tínhamos que sair do local onde morávamos. A questão era: abandonamos o que queremos ou arriscamos continuar procurando? Quase compramos um apartamento, mas decidimos ir até nosso limite, não abandonando nossa imagem original. Finalmente, encontramos a casa que sonhávamos – uma visita apenas e em poucas horas tínhamos o negócio fechado.”
Esta história traz o conceito de visão. O que se pretende ser? Que visão se tem dos resultados a serem obtidos? É uma imagem clara daquilo a ser alcançado, construída em conjunto, baseada naquilo que cada um já traz de imagem idealizada, resultado de um esforço de equipe.
Visão pode ser entendido como um objetivo claro e abrangente, que fornece uma idéia nítida daquilo que se quer ser ou fazer. É algo que as pessoas visualizam e percebem como importante de ser feito. Visão sempre é um elemento de futuro, algo ainda a ser realizado.
Visão não é, entretanto, uma profecia, aparição ou revelação. Pessoas consideradas “visionárias” não devem ser consideradas notáveis porque “prevêem o futuro” ou vêem o que ninguém vê, mas por conseguirem juntar impressões e quadros parciais numa imagem coerente e inspiradora, capaz de mobilizar esforços e a atenção de todos.
A visão tem um efeito muito relevante sobre os esforços que as pessoas fazem. Ela motiva, inspira e ajuda a suportar períodos sem resultados. No caso da compra da casa, “aquela” imagem ajudou a suportar os vários finais de semana de busca. Quando tem-se uma imagem do que está por vir, facilita às pessoas entregarem-se com mais afinco e capricho ao trabalho. Antigos construtores de catedrais muitas vezes começavam suas obras, mas não as terminavam, porque demorava muitos anos – no seu dia-a-dia podiam contar somente com a imagem daquilo que estava por vir, talvez expressa num quadro, pintura ou planta.
Em organizações uma boa visão não é desenhada de uma vez só. Ela é fruto tanto de uma série de reflexões, como também de esforços práticos para implementá-la, num convívio intenso com a realidade. Também precisa ser construída, gradualmente, exigindo persistência, tentativas e erros. Se ela tem qualidade, a cada elemento novo ela pode gerar nas pessoas convicção e um impulso forte de “pôr as mãos à obra”, imediatamente.
Um exemplo marcante de visão é aquele assumido pela Microsoft há vários anos (embora ela chamasse isso de missão): “Ter em cada mesa de trabalho em casa e nos escritórios um computador rodando um software Microsoft”. Um outro belíssimo exemplo de visão, levada a cabo por uma instituição muito conhecida é: “Eliminar a pólio no mundo”.
A visão pode ter um forte componente intuitivo, muitas vezes, relacionado à capacidade de ver o potencial ou a necessidade das oportunidades com que se defronta no dia-a-dia. Como dizem Collins e Porras (3), “a visão não consiste em adivinhar o futuro, mas em criar o futuro atuando no presente”. É preciso estar aberto para aquilo que pode vir a acontecer. Estes autores expressam três condições necessárias para que um objetivo abrangente vingue:
a) Ser reflexo das motivações, necessidades e valores dos membros da organização;
b) Ter significado real para as pessoas, havendo uma autêntica dedicação pessoal a ele;
c) Ser constantemente comunicado e revisitado.
Estas condições deixam claro que não é o caso de definir uma visão e transferi-la para os outros. Ao contrário, é um processo inverso, de “tirar de dentro”. O quanto a equipe acredita na visão torna-se uma variável crucial.
A visão pode ser tanto interna, como externa: a visão interna refere-se a uma descrição de como é a organização, enquanto que a visão externa refere-se a como será o mundo, o público-alvo, os resultados da ação da organização no mundo. Algumas visões internas, que são do tipo “Ser uma referência…”, podem levar as organizações a adotar, inconscientemente, posturas egocêntricas.
Por fim, um desafio pode ser lidar com imagens contraditórias, a princípio, surgidas das pessoas da equipe. A arte não está em dizer qual é a certa ou errada, mas descobrir como uma influencia, complementa e potencializa a outra.
Abaixo vão algumas perguntas que podem ajudar a definir a Visão:
- Como será o mundo daqui a 5 ou 10 anos?
- Como será o país, a cidade, a comunidade e a organização daqui a 5 ou 10 anos?
- Como estará cada projeto / programa daqui a 5 ou 10 anos?
- Como estará cada um daqui a 5 ou 10 anos?
- O que destas imagens já atuam em cada um hoje? Como?
VOCAÇÃO
Vocação no dicionário tem os sentidos de “ato de chamar … escolha, chamamento, predestinação … tendência, disposição, pendor … talento, aptidão”. Tem origem na palavra “vocare”, que significa chamamento, a quê foi chamado.
Toda organização, como as pessoas, têm uma vocação. Esta vocação é um conjunto de talentos, habilidades, capacidades, aptidões, que dizem respeito àquilo que ela é capaz de fazer de melhor no mundo.
Vocação está intimamente ligada ao sentido de “voz interior”. O reconhecimento da vocação da organização é um passo importante no auto-conhecimento, bem como ponto de partida relevante para decidir o foco em que a organização deve se concentrar.
É preciso um bom ambiente de reflexão e introversão para que uma organização possa ouvir sua “voz interior”, reconhecer aquilo a que é chamada. A vocação está intimamente relacionada às necessidades do contexto e época em que a organização atua e existe – a idéia de chamamento relaciona-se com isso: qual é o chamamento do mundo para a organização, sendo uma força positiva para propiciar o encontro entre ideais e necessidades. Assim, pode ser mais fácil para um grupo consolidar sua visão de vocação ao ouvir ou dar maior atenção àquilo para o quê é chamada a organização.
Na vida pessoal é possível reconhecer o sentido de vocação, havendo mesmo testes vocacionais no momento de escolher uma ou outra profissão. O teste vocacional é uma forma de tornar mais claro para quê se tem maior pendor e talento. No dia-a-dia muitas vezes é comum se ter dúvidas sobre aquilo que se tem maior capacidade de fazer ou onde se dedicar mais – nestas horas pode facilitar prestar atenção às coisas para as quais as pessoas próximas pedem ajuda, revelando qualidades que podem não estar tão conscientes ou não dar tanta prioridade.
Algumas perguntas podem ajudar uma organização a definir melhor sua vocação:
- Revisando a biografia da organização, quais foram os maiores resultados produzidos?
- Que talentos ajudaram a produzir estes resultados?
- Quais são as principais capacidades da equipe atual? Como elas estão sendo utilizadas no dia-a-dia? Quais estão sub ou super-aproveitadas? Por quê?
- Que tipo de público tem procurado a ajuda desta equipe? Quais necessidades ele tem manifestado?
- O que outras pessoas dizem dos talentos principais dessa entidade? O que eles dizem que não é tão bom?
- O que cada um do grupo considera como sua vocação?
- O que pode ser considerado um dom natural da equipe e da organização? O que foi desenvolvido? O que ainda pode ser desenvolvido?
DEFININDO O FOCO: RELACIONANDO VISÃO DE MUNDO, MISSÃO, VISÃO E VOCAÇÃO
Os quatro grandes conceitos explorados até agora podem contribuir muito para que a organização defina seu foco de atuação, aquilo em que deve concentrar-se, onde deve alocar recursos e esforços prioritariamente. O quadro abaixo expressa essa relação:
A superposição destas três características da organização – missão, vocação e visão – pode ajudar a definir em que áreas, atividades, programas, região, público-alvo, parceiros, etc., a entidade deve concentrar-se. Isto é o que se pode chamar “foco”, um grande desafio para todas as OSCs. O desafio é definir o foco e manter-se fiel a ele. Se o processo de construção da missão, da visão e da vocação foi bem conduzido, há boas chances da organização definir também um foco bem claro de atuação.
Com todas estas relações, deve ficar bem claro que estes conceitos não são impessoais ou meramente técnicos; a definição dada a eles está ligada às pessoas que tratam com eles, ela reflete as aspirações, expectativas, motivações, vontade e caminho de vida de cada uma delas.
A Visão de Mundo é fundamental neste quadro, como “pano de fundo”, influenciando as outras idéias, dando-as limites e ao mesmo tempo potencializando-as. É a partir dela que as outras encontram sentido, no caso de uma organização do Terceiro Setor.
(1) – Existe uma versão mais atualizada desta missão que diz: “Possibilitar ao alcoólico viver uma vida digna e feliz”
(2) – Bernard Lievegoed, em “The Developing Organization”, Tavistock Publications: Holanda, 1973.
(3) – No livro “Feitas para durar”.