Esse conjunto de práticas desconstrói formas de pensar e agir naturalizadas na relação entre pessoas negras e brancas. Entenda como a escola pode contribuir para uma educação antirracista
Os códigos de uma língua modificam-se constantemente para atender à necessidade de expressar ideias e sentimentos. Isso faz com que o letramento – o uso competente de leitura e escrita nas práticas sociais – esteja ligado às relações estabelecidas entre os cidadãos que convivem em sociedade. Pensando nesse sentido, o que a linguagem tem a ver com o racismo?
Desde o período colonial, sobretudo com o processo de escravização de povos indígenas e africanos, criou-se uma restrição ao acesso dessa parcela da população à educação, ao mercado de trabalho e ao território. A sociedade brasileira também se apropriou dessa lógica.
“Através da linguagem, você replica esse processo estrutural e reforça a superioridade de um grupo em detrimento de outro. Dessa forma, a sociedade vai moldando padrões estéticos e culturais, bem como o próprio entendimento de cidadania”, explica Juarez Tadeu de Paula Xavier, doutor em Comunicação e Cultura.
Nesse sentido, o letramento racial é apresentado pelo ativismo social negro como o ponto de partida de uma educação antirracista. O conceito foi utilizado pela primeira vez pela socióloga afro-americana France Winddance Twine, em 2003. No Brasil, o racial literacy foi traduzido para o português pela psicóloga Lia Vainer Schucman.
Ambas as pesquisadoras defendem o letramento racial como um conjunto de práticas para ensinar crianças e adultos a desconstruir formas de pensar e agir. Sendo que todas foram naturalizadas na relação entre pessoas negras e brancas.
Segundo a pesquisadora Lia Vainer Schucman, existem alguns passos para colocar em prática o letramento racial. São eles:
Políticas afirmativas na educação
Sendo o racismo uma construção estrutural, o papel das instituições de ensino é central na redução de desigualdades sociais. Sabendo que o quadro de professores ainda não reflete a diversidade brasileira, a formação do corpo docente e a revisão do material didático-pedagógico são fundamentais para uma educação antirracista.
“Por isso as políticas afirmativas de acesso à Educação Superior foram consideradas conquistas relevantes. Assumir um compromisso ético de combate ao racismo exige revisitar bases pedagógicas e reinventá-las sob uma nova perspectiva”, afirma Juarez Tadeu, que também coordena o Programa Institucional de Educação pela Diversidade da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
O especialista reforça que, mesmo na esfera cotidiana dos educadores, é possível fazer a diferença. É no ambiente escolar que as relações sociais começam a se desenvolver. Portanto, mediar esse processo com ajuda da comunidade escolar pode ser uma ferramenta potente para adotar práticas antirracistas.
“Isso pode ser feito através da troca de saberes entre a escola e organizações, coletivos e movimentos sociais que já trabalhem o letramento racial. Convidar essas pessoas para o espaço escolar é uma oportunidade de aprendizado tanto para os estudantes, quanto para os profissionais da educação”, recomenda.
Conquistas afirmativas nas políticas públicas
1988 → A Constituição Federal reconhece a discriminação racial como crime no Brasil.
1989 → A Lei Caó especificou o racismo, de forma geral, como um crime constitucional.
1996 → Atualização na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB) passa a considerar o debate étnico-racial no ensino básico.
2003 → A lei 10.639 estabelece diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
2008 → A Lei 11.645 acrescenta o ensino de História e Cultura Indígena nas diretrizes curriculares.
2012 → A Lei de Cotas passou a destinar 50% das vagas em cursos de Ensino Superior para pessoas negras e estudantes de escolas públicas.
Letramento racial: da escola para a sociedade
O movimento também pode ser feito de dentro para fora. Foi assim com a turma de Educação Infantil da professora Marina Bittencourt, que decidiu organizar uma passeata para trazer a comunidade escolar como aliada no combate ao racismo. A mobilização aconteceu em 2018 e partiu de um estudo sobre Nelson Mandela.
“Tínhamos acabado de ler o livro ‘Madiba, o menino Africano’ e estávamos estudando sobre a luta por uma sociedade igualitária. Então, a Karoline, uma das minhas estudantes, sugeriu que fossemos às ruas ‘igual ao Mandela’ para ensinar que ‘racismo não era bom’”, relembra a educadora, que leciona há seis anos na EMEI Nelson Mandela.
Localizada na zona norte de São Paulo, a escola é considerada uma referência na educação em cultura da paz. Marina conta que passou por uma formação continuada, oferecida ao corpo docente, para entender como o racismo estrutural afeta os brasileiros desde a primeira infância.
“É muito comum ver desenhos de crianças de pele branca nas paredes de escolas infantis, isso também é letramento. Desconstruir esses estereótipos, valorizar a diversidade e entender o impacto dessas representações na autoestima das crianças, garante que elas sejam livres para construir soluções melhores para a sociedade no futuro”, finaliza a pedagoga.
Fundação Telefônica Vivo por uma educação antirracista
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