Publicação da Associação Quero na Escola traz temas para inspirar ações transformadoras
O que Malala Yousafzai, Greta Thunberg e Dorina Nowill têm em comum com os estudantes brasileiros? O livro 21 Histórias de Estudantes que Mudaram a Escola, publicado pela Associação Quero na Escola em 2021, mostra que os paralelos são muitos e começam pelo potencial transformador das juventudes.
“Partimos dessas três figuras famosas, mas o objetivo é chamar atenção para os jovens anônimos. Queríamos que os estudantes conhecessem a trajetória delas, mas entendessem que não precisa ter uma situação extrema para motivar a mudança”, explica a jornalista Cinthia Rodrigues, uma das fundadoras do Quero na Escola e coautora do livro sobre estudantes que mudaram a escola que frequentavam.
Todas as narrativas têm cerca de quatro páginas, uma ilustração exclusiva feita pela designer Fernanda Ozilak, uma frase do protagonista dirigida ao estudante e um espaço para saber mais sobre o tema motivador da ação realizada. Na história de Juliana Tupinambá, por exemplo, uma estudante e ativista indígena brasileira, o tema norteador é a realidade do povo tupinambá no Brasil.
“Decidimos dividir as histórias entre estudantes brasileiros que mudaram a escola e outros jovens ao redor do mundo. Também priorizamos assuntos pertinentes à nossa realidade, ainda que sejam retratados em outros países. O objetivo do livro é estimular o protagonismo dos estudantes, mas também são 21 possíveis abordagens de pesquisas diferentes e acreditamos que podem mobilizar debates em sala de aula”, acrescenta a jornalista.
Transformar ao se voluntariar
Entre os personagens está Álvaro Samuel de Oliveira Batista, 17, um jovem que faz parte do Conselho de Estudantes do Quero na Escola desde 2018. Sem deixar uma oportunidade passar, o rapaz não apenas se envolve em ações voluntárias pela escola como também participa de concursos, olimpíadas e bootcamps nacionais e internacionais.
A motivação de Álvaro, no entanto, veio antes de tudo isso. Os pais, que não puderam concluir os estudos, sempre incentivaram ele e seus três irmãos a valorizarem a escola. “Não tem como falar da minha trajetória sem falar do papel transformador da escola na minha vida”, resume o adolescente, que é morador de Guarulhos e estudante na ETEC Carlos de Campo, em São Paulo.
Após sofrer de depressão durante a infância, Álvaro desenvolveu uma doença autoimune chamada alopecia, que afeta a saúde dos cabelos e do couro cabeludo e, por causa disso, era vítima de bullying na escola estadual onde cursava o Ensino Fundamental II.
Nessa época, viu um colega de turma ser diagnosticado com autismo passar pela mesma experiência e decidiu que o faria companhia dali em diante. “Eu o vi sendo encurralado por alguns garotos mais velhos na escadaria. A partir desse momento, pedi aos professores para sair cinco minutos mais cedo, antes dos intervalos entre as aulas, para acompanhá-lo e evitar aglomerações”, relembra Álvaro.
Foi no corredor da escola, enquanto estava com o amigo, que Álvaro conheceu o projeto Quero na Escola, que o permitiu assistir a palestras de seu interesse, como direitos humanos e arquitetura, profissão que escolheu para seu futuro.
Desde então, o estudante já ganhou o prêmio Jovens Escritores, participou da Olimpíada Brasileira de Matemática, quando foi convidado a fazer iniciação científica no Instituto Federal de São Paulo, e da Competição USP de Conhecimentos, estudou espanhol e francês no Centro de Línguas de Guarulhos, e, atualmente, escreve para o Blog Escola Pública e estuda no cursinho comunitário da FEA, também dentro da Universidade de São Paulo.
Segundo ele, o que realmente o motiva são as ações que realiza em conjunto com outras pessoas. Álvaro é voluntário de uma organização desde o primeiro ano do Ensino Médio, onde conta histórias para crianças, revitaliza bibliotecas em escolas públicas e orienta outros jovens sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e oportunidades de desenvolvimento educacional.
“Nunca pensei naquela primeira iniciativa de acompanhar meu colega como um trabalho voluntário. Mas, desde aquele momento, não consigo separar o meu caminho de projetos que possam contribuir de alguma forma para a sociedade”, conclui o estudante.
Algumas histórias retratadas no livro
Capa do livro 21 Histórias de Estudantes que Mudaram a Escola, com ilustrações de Fernanda Ozilak.
Álvaro de Oliveira Batista, 17 anos, é um jovem estudante brasileiro. Desde o 9º ano do Ensino Fundamental, participa de ações voluntárias pela escola. Também já recebeu o prêmio Jovens Escritores, venceu a Olimpíada Brasileira de Matemática e a Competição de Conhecimentos da USP. Além de destacar-se na área acadêmica, Álvaro revitaliza bibliotecas em escolas públicas, conta histórias para as crianças e orienta outros jovens sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Mohamad Al Jounde, 20 anos, é um jovem sírio que fugiu de seu país buscando refúgio no Líbano. Em 2014, quando tinha apenas 13 anos, fundou uma escola no campo de refugiados onde vivia. Em 2017, recebeu o prêmio internacional Paz para as Crianças (International Children's Peache Prize). Para continuar mantendo o desenvolvimento das crianças, ele fundou a organização sem fins lucrativos Gharsah Sweden em 2018.
Greta Thunberg, 18 anos, é uma jovem ativista que defende políticas públicas em prol do meio ambiente. Ficou conhecida após protestar por ações de combate às mudanças climáticas. O ato de Greta inspirou outros jovens ao redor do mundo, dando origem ao movimento Greve das escolas pelo clima. Por sua influência, recebeu o prêmio Pessoa do Ano pela Time, entrou na lista de 100 Mulheres Mais Poderosas do Mundo da Forbes e recebeu duas indicações consecutivas para o Prêmio Nobel da Paz, nos anos de 2019 e 2020.
Em prol da construção coletiva da escola
Em 2015, o Quero na Escola foi criado com o propósito de estreitar o vínculo entre a educação pública e a sociedade civil. Depois de passar pelo Social Good Brasil, o projeto tornou-se uma organização sem fins lucrativos que ouve as demandas dos estudantes por orientações e palestras, além do que está previsto no currículo obrigatório, e conecta voluntários para atender às solicitações dentro das próprias escolas.
“O que a gente percebeu ao longo dos anos é que muitos estudantes não sentem que têm espaço para propor ideias à escola. Isso faz com que eles desistam de tentar expressá-las. Nosso trabalho é incentivá-los a resgatar essa potência e continuar contribuindo para a construção coletiva do ambiente escolar”, afirma Luciana Alvarez, uma das fundadoras da organização e co-escritora do livro publicado este ano. Ela conta ainda que a ideia da obra já existia antes mesmo da pandemia. Com as escolas fechadas e os projetos voluntários tendo de se adaptar à nova realidade, a oportunidade de materializar o projeto se apresentou.
Por que 21 histórias?
Certamente, histórias como a de Álvaro não são raridade. Então, por que parar em vinte e uma? As autoras explicam:
“Optamos por 21 histórias, porque o número nos pareceu simbólico, tanto pelo ano de publicação quanto pelos estudantes do século XXI que ele representa. Mas sabemos que se continuássemos a pesquisa, encontraríamos muitas mais. Nossa ideia é que, daqui para frente, sejam milhares!”, comenta Cinthia Rodrigues.
Nova modalidade do Quero na Escola: Ponto Extra
Impossibilitados de oferecer conexão presencial entre voluntários e estudantes, o Quero na Escola teve de se reinventar. Ao observar a forma como as desigualdades sociais afetaram o direito à educação, a organização lançou uma nova modalidade de apoio: o Ponto Extra.
A ideia é que os voluntários possam acompanhar os jovens estudantes de escolas públicas periodicamente, apontando caminhos, reforçando conteúdos curriculares, dando dicas sobre projeto de vida e elevando as expectativas dos jovens sobre si mesmos durante este período de isolamento. Os encontros são organizados virtualmente.
Embora tenha sido pensada para estudantes do Ensino Fundamental II, a publicação não limita a experiência de nenhuma faixa etária.
“O livro tem dois objetivos estratégicos. O primeiro é representar os estudantes e reconhecer o protagonismo deles neste momento em que a escola passa por uma reconstrução de modelo. O segundo foi uma ação de sustentabilidade para a organização, que encontrou neste projeto uma forma de arrecadar recursos para investir na reestruturação do nosso trabalho durante o período”, complementa Luciana.
No mês de março, o livro entrou em financiamento coletivo a partir de R$50. Ao todo, a tiragem foi de 1000 exemplares. O valor arrecadado com as histórias de estudantes que mudaram a escola foi destinado aos projetos do Quero na Escola, assim como a remuneração dos trabalhos das autoras, da ilustradora e da editora também. Outros 120 exemplares foram disponibilizados gratuitamente para escolas e estudantes parceiros e há ainda alguns disponíveis para venda no site da editora.