Muito além do entretenimento, as narrativas voltadas para o público infantil desenvolvem habilidades como comunicação, autonomia e criatividade
O universo dos livros infantis é recheado de narrativas lúdicas e representações imaginativas do mundo real. Seja através de palavras, de imagens ou da combinação entre as duas, o gênero literário tornou-se um instrumento de aprendizagem precioso no desenvolvimento das crianças.
Mas esse potencial nem sempre foi reconhecido. Maria José da Nóbrega, especialista em alfabetização e coordenadora de projetos de leitura da Editora Moderna, conta que no início do século XX, as poucas produções destinadas ao público infantil eram desenhadas para que fossem lidas pelos pais, o que não estimulava a autonomia. E foi só a partir da década de 1980, que a produção dos livros ilustrados ganhou espaço e abriu caminho para os contos de repetição, as fábulas e os romances desenvolvidos especialmente para as crianças.
“Boa parte desses livros para crianças pequenas são pensados com um ritmo que facilita a memorização e a velocidade no raciocínio. Isso acontece porque a fase de alfabetização exige um esforço para decifrar a mensagem, o qual é compensado pelas ilustrações e pela musicalidade. Mesmo sem saber ler, as crianças conseguem criar expectativas em relação ao que está descrito”, afirma a especialista.
“O livro é um objeto simbólico que pede para ser interpretado e as obras destinadas para esse leitor iniciante trazem algumas características que favorecem o ganho de autonomia e pensamento crítico”, acrescenta.
O ilustrador Odilon Moraes e a escritora Carolina Moreyra trabalharam juntos na criação dos livros infantis “O Guarda-Chuva do Vovô” e “Lá e Aqui”, que conquistaram importantes prêmios como o Jabuti de livro infantil e o FNLIJ. Neste vídeo gravado para o portal TRILHAS, os dois explicam um pouco sobre a história, a produção e as características do livro ilustrado.
Das páginas à oralidade
Outro elemento importante no aprendizado a partir da leitura é a oralidade. Apesar da autonomia ser uma parte importante deste processo, também é possível equilibrá-lo com interações significativas, através das quais as crianças podem diferenciar as estruturas linguísticas envolvidas na escrita e na fala.
“Existe uma diferença entre contar uma história e ler um livro em voz alta. A contação é fluída, independe de um livro. Ao passo que, quando leio em voz alta, a criança ouve a narrativa exatamente com as palavras que leu no livro. Isso é importante para que ela estabeleça essa conexão com a estrutura, permitindo que ela identifique a construção antes mesmo de conseguir escrever”, aponta Maria José da Nóbrega.
A especialista chama atenção, ainda, para a importância de trazer as duas práticas para a sala de aula. Tanto a leitura em voz alta quanto a contação de histórias permitem explorar uma diversidade de gêneros literários, sem contar o desenvolvimento de habilidades como comunicação, criatividade e escuta ativa.
Os autores Stela Barbieri e Fernando Vilela falam sobre a riqueza dos livros ilustrados e de sua importância na alfabetização das crianças neste vídeo gravado para o Portal TRILHAS.
Aprendendo com as subjetividades
Em um cenário onde 11 milhões de pessoas são analfabetas, priorizar a alfabetização é urgente. Mas não basta apenas formar educadores com conteúdos, é preciso também refletir sobre formas significativas de aplicá-los. A professora Maria José da Nóbrega alerta para que o uso dos livros infantis com propósito de aprendizado não deixem a apreciação artística em segundo plano.
“Às vezes, tendemos a impor a nossa compreensão para os estudantes, mas isso os desestimula mais do que os ajuda a aprender. O mais interessante é que o livro está passível a releituras e as crianças precisam dessa repetição. É através dela que vão perceber significados que não viram da primeira vez”, reforça.
A educadora também relembra que é natural do processo de aprendizagem que as crianças queiram se apropriar daquela narrativa, contá-la à sua maneira e expressar opiniões. Uma das formas de garantir esse equilíbrio é estabelecer a escuta ativa como princípio, tanto para os estudantes quanto para os educadores.
“A experiência de refletir sobre a obra é o mais importante. Na escola, temos objetivos colocados pelo currículo e é importante que os educadores chamem atenção para determinadas características linguísticas e regularidades. Mas é também preciso abrir espaços de discussão e interpretação, pois a subjetividade também ensina.”, conclui Maria José.
Pensando em auxiliar os educadores alfabetizadores a aprimorar suas práticas, o portal TRILHAS reúne recursos que podem ser acessados gratuitamente e utilizados pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação como parte de programas de formação. A iniciativa, criada pelo Instituto Natura em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, está alinhada às metas do Objetivo de Desenvolvimento 4 da ONU. Conheça dois cursos que abordam os livros infantis como instrumentos para a alfabetização nas escolas:
Leitura em Voz Alta pelo Professor: Com o objetivo de ampliar o repertório de palavras e favorecer o contato com as mais variadas formas de discursos presentes na Língua Portuguesa, o curso propõe o trabalho com textos narrativos, poéticos e informativos, dirigidos para crianças desde a mais tenra idade.
Escrita por meio do Professor: A partir de dois gêneros específicos — conto clássico e indicação literária — o curso trabalha critérios de seleção de livros, leitura da história e formas de intervenção para despertar o interesse dos alunos na textualização. A ideia é que o professor assuma o papel de escriba, garantindo a ortografia e a pontuação, enquanto os estudantes podem se ocupar em pensar estruturas para comunicar o querem escrever.