Saltar para o menu de navegação
Saltar para o menu de acessibilidade
Saltar para os conteúdos
Saltar para o rodapé

A chegada da Covid-19 trouxe ainda mais a necessidade de quebrar o tabu sobre essa etapa da vida para evitar o medo e a ansiedade infantil sobre esse assunto.

#Educação

A imagem mostra uma menina cabisbaixa sentada em uma cama com uma mão no queixo e a outra segurando a mão de uma mulher

Marco Paulo Marcondes, 31 anos, viveu um grande dilema em meados de julho de 2020. Não bastasse todas as angústias e incertezas causadas pela pandemia do novo coronavírus, ele enfrentou o luto de perto. A esposa Alhandra Christine Marcondes faleceu aos 28 anos e cabia a ele conversar com a filha Lauren, de 5 anos, sobre a perda da família.

“No começo achei que o melhor seria poupá-la da dor de não ver mais a mãe, porque ela foi internada e não saiu mais do hospital. A cada dia inventava uma desculpa diferente. Foi a experiência mais dolorosa que já tive na vida”, relembra o pai emocionado.

Assim como Marcos Paulo, milhares de brasileiros se depararam com essa realidade, que se tornou ainda mais frequente nos últimos tempos. E se lidar com a morte já é difícil para os adultos, é ainda mais desafiador para crianças. Então, surge o questionamento, como falar sobre morte com os pequenos?

Na tentativa de protegê-las do sofrimento, os adultos evitam trazer o tema à tona. Mas para a psicopedagoga Ivete Barros, essa não é a melhor estratégia. “O ideal é comunicar sempre de maneira clara para a criança, explicando que aquele ente querido morreu e não vai mais voltar. É preciso ser transparente neste momento, sem rodeios e ser sincero, mas acolhedor”, afirma.

A verdade é o melhor caminho para a relação de confiança, fazendo a criança entender que será amparada nesse momento de tristeza profunda e que pode confiar nos adultos.

 

Capacidade de entendimento para cada idade 

Apesar da franqueza necessária para falar sobre morte, é preciso estar atento para usar a linguagem adequada, de acordo com a faixa etária. Até os três anos, as crianças percebem o fim da vida apenas como a ausência de uma pessoa. Depois, elas começam a assimilar a morte, mas ainda floreada pela imaginação infantil.

“A partir dessa fase, o adulto pode conversar mostrando o ciclo da vida, do planeta. Usar uma árvore como exemplo talvez, explicando que um dia foi sementinha, depois nasceu, cresceu e um dia vai morrer. E que o mesmo acontece com os seres humanos, com os animais de estimação, que é uma etapa natural”, explica.

Segundo a psicopedagoga, nos primeiros anos de vida é possível usar metáforas e expressões, de acordo com os valores e crenças de cada família.

“Alguns falam que quem morreu virou estrelinha ou que foi para o céu. Se a família segue uma religião não tem problema. Para quem não for religioso, use a explicação que for melhor, de acordo com a vivência, mas não fuja do assunto. Em todos os casos, é preciso deixar claro que a pessoa morreu e não vai voltar mais”.

Mais do que o impacto das palavras, as crianças neste momento vão perceber e absorver o comportamento ao seu redor.

 

Luto e a pandemia 

O isolamento social provocado pela Covid-19 fez as crianças se afastarem dos amigos, da rotina da escola, da visita aos avós e brincadeiras ao ar livre. Além de não entenderem o que estava acontecendo em todo o mundo, esse comportamento trouxe muita angústia aos pequenos. Ivete Barros explica que essa perda de vida social também pode ser encarada como luto.

“É o que chamamos de perda simbólica, porque a criança não sai mais de casa para os rituais de encontro de quem ela gosta. Algumas ficam em silêncio, outras ficam mais ansiosas, agitadas e até agressivas. Elas precisam ser ouvidas e se aproximar da família neste momento”.

É fundamental explicar para a criança, de maneira sincera, o que está acontecendo no mundo para diminuir o sentimento de medo sobre o futuro. “Fale que nós precisamos nos cuidar, que existe um ‘bichinho’ no ar que pode causar uma doença, que pode levar à morte e para evitar é melhor ficar em casa, lavar bem as mãos, usar máscara, mas que tudo isso vai passar”, orienta.

 

Rituais de despedida 

Após receber a notícia sobre a morte de um ente querido, surge a necessidade de a criança entender o que de fato é a morte. De acordo com a especialista, para que ela possa concretizar o acontecimento, é necessário participar dos rituais de despedidas.

“Participar deste momento lhe trará a efetivação da despedida para que ela consiga viver o luto de forma integral. Mas não se pode obrigar a criança a participar. É preciso respeitar se ela não quiser”.

No caso de vítimas da Covid-19, em que os velórios estão proibidos, é importante criar junto da criança um ritual que a faça entender o adeus.

“Escrever uma carta em homenagem, por exemplo, ou pedir para que ela faça um desenho de um momento bom que tiveram, escolher uma foto com a pessoa ou até perguntar para ela como prefere que seja a despedida. Não podemos tirar da criança essa etapa difícil, mas que vai trazer muito aprendizado”.

Como em alguns casos, a criança não saberá explicar o que está sentindo, é importante deixar claro que tudo bem ela chorar ou ficar triste. Também é natural ela apresentar mudanças de comportamento diante do luto. Só é preciso ficar atento à intensidade e quanto tempo vai durar essa conduta.

“Com o passar do tempo, vem o chamado luto saudável, quando a criança percebe que é possível se lembrar do ente querido de forma leve e com menos sofrimento. Mas temas como ausência, dor e memórias, como parte da existência de qualquer pessoa, devem estar no contexto de algumas matérias dentro da escola durante o ano todo”, orienta a psicopedagoga.

 

O luto em sala de aula

No retorno às aulas, o ideal é que o assunto não seja ignorado para que as crianças possam trocar experiências com os colegas e encontrar apoio para encarar o luto. A psicopedagoga Ivete Barros sugere algumas maneiras de abordar o tema com os alunos. Veja a seguir:

Roda de conversa: Nesta atividade, o professor pode ouvir e contar a experiência dele também diante do tema. É importante observar o que a criança vai falar. Caso não queira, observe o comportamento diante de outras atividades.

Desenho livre: Em uma folha em branco, o aluno pode colocar cores e figuras que representam o que ela está sentindo no momento. Depois, o educador pode acolher a criança, pedindo para explicar o desenho, fazendo lembrar de momentos bons vividos com quem ela sente saudade.

Plantio de sementes: Quando a criança planta e vê aquela planta crescendo, passa a entender as fases da vida da natureza. O professor pode aproveitar para dizer que o mesmo acontece com todos os seres vivos.

Brincadeiras e jogos: O lúdico pode trazer um efeito positivo diante do luto, fazendo com que aquela criança se distancie da dor por alguns instantes, e pode trazer a oportunidade de socializar, já que ela pode ter se isolado por causa da dor.

Filmes e histórias: Alguns desenhos da Disney, por exemplo, tratam do tema e ajudam a criança a entender esse processo. “O Rei Leão”, “Bambi”, O vale encantado dos dinossauros” retratam animais na fase da infância, que perderam o pai ou a mãe.

Vale a pena conferir

O curta de animação O dia em que o passarinho não cantou foi produzido a partir do livro das psicólogas Luciana Mazorra e Valéria Tinoco e ajuda a abrir diálogo sobre as perdas e o luto com as crianças.

O vídeo narra a amizade entre uma garotinha e um passarinho, que se tornou seu animal de estimação. Mas depois de ficar adoentado o animalzinho morre e a criança começa a se questionar sobre as perdas e lutos.

Já o livro O vovô não vai voltar? Trabalhando o luto com as crianças de Carmem Beatriz Neufeld e Aline Henriques Reis é um recurso para pais, educadores e terapeutas abordarem o tema com crianças de 4 a 12 anos e guiá-las no caminho da elaboração das perdas que acontecem na vida.

A obra traz quatro pilares que apoiam os estudos sobre a elaboração do luto por parte das crianças: universalidade, (compreensão de que todos os seres vivos devem morrer um dia);  irreversibilidade (lidar com o fato de que uma vez morto, não se pode voltar à vida); cessação da vida corporal (a compreensão de que a morte envolve o fim de todas as funções corporais e dos órgãos); e causalidade (noção de que é precisamente a cessação das funções corporais que causa a morte).

Luto na infância: Como falar com as crianças sobre a morte?
Luto na infância: Como falar com as crianças sobre a morte?