Por meio de cálculos matemáticos, eletrodos aliados a aplicativos conseguem prever as crises com até 25 minutos de antecedência
Mais de 50 milhões de pessoas no mundo, das quais cerca de 3 milhões só no Brasil, têm epilepsia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença é caracterizada por descargas elétricas anormais e excessivas no cérebro que culminam com a perda de consciência súbita e movimentos involuntários. As crises inibem algumas atividades importantes, como dirigir ou nadar. Mas, se depender de uma dupla brasileira, isso está prestes a mudar.
A física Hilda Cerdeira, 75, e a engenheira Paula Gomez, 45, que são mãe e filha, estão desenvolvendo um dispositivo que alerta pacientes e responsáveis sobre um ataque epiléptico com até 25 minutos de antecedência. A inovação é tanta que em abril elas receberam, em Cingapura, o prêmio Cartier Women’s Initiative Awards, que celebra as iniciativas globais de empreendedorismo feminino.
“Muito antes da crise, o cérebro já começa a mostrar alguns sinais. Minha mãe usou cálculos matemáticos desenvolvidos ao longo de sete anos para chegar em uma maneira de prever isso”, conta Paula, que à frente da Epistemic trabalha para aperfeiçoar a invenção.
Um futuro promissor
O premiado dispositivo é composto por dois eletrodos que devem ser usados continuamente pelo paciente. Eles captam os sinais da atividade cerebral e os enviam a um software que analisa continuamente essas informações. Ao detectar alguma anomalia, ele manda um alerta para um aplicativo instalado no celular do paciente e de pessoas cadastradas, que recebem a localização exata do epiléptico.
“O que sabemos é que 30% dos casos não se resolvem com remédios. Por isso, a nossa aposta é que o dispositivo dê mais confiança para que pacientes voltem a ter uma vida normal e façam atividades que antes eles não conseguiam, como andar de bicicleta”, diz Paula, que espera colocar a invenção no mercado nos próximos dois anos.
Como tudo começou
Hilda é física. Foi professora da Universidade de Campinas, já trabalhou na UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) e hoje, aposentada, trabalha voluntariamente para a Universidade Estadual de São Paulo. Sempre gostou de estudar a Teoria do Caos, área da matemática que estuda como pequenas diferenças no início de um evento podem causar resultados imprevisíveis.
Foi durante uma palestra que foi ministrar em um hospital de São Paulo que a alertaram sobre como os sinais do cérebro são caóticos. “Achei interessante a possibilidade de detectar onde ocorriam as crises epilépticas”, relembra Hilda. “Tempos depois comecei a desenvolver um método que permitia encontrá-las”.
Em uma reunião de família, comentou com a filha que tinha encontrado um método matemático para sinais epiléticos. “Muito legal, mas seria melhor ainda se você conseguisse detectar isso com antecedência para que o paciente seja avisado”, retrucou Paula. E assim as duas se engajaram no projeto de tirar a pesquisa de Hilda do papel.
Hoje a Epistemic, fundada em 2015, já tem nove funcionários e está em busca de investimentos para que o dispositivo seja finalizado e testado em pacientes. Se tudo der certo, pode colocar o Brasil como pioneiro nessa área. “A ciência brasileira tem avançado muito nos últimos anos. Temos aqui um ambiente propício para novas ideias”, reforça Hilda.