Indiano que largou a ONU para atuar com novas formas de educação fala sobre a urgência de desaprender conceitos e repensar a vida no ocidente
Aos vinte e poucos anos, o indiano Manish Jain, que desde os cinco vivia nos Estados Unidos, era um dos típicos lobos de Wall Street. Tinha dinheiro, prestígio, frequentava as festas mais badaladas, mas não era feliz. Deixou tudo para trás para se dedicar ao mestrado de Educação em Harvard, mas, depois, descobriu que só escrever sobre os problemas do mundo também não o satisfazia.
Partiu para a atuação em campo, como um dos líderes da iniciativa global Aprender sem Fronteiras, da UNESCO – Organização da ONU para Educação, Ciência e Cultura. Também trabalhou como consultor da UNICEF e de outras agências internacionais. Só que escrever relatórios com soluções sobre países que pouco conhecia não era bem o que ele tinha em mente.
Assim, em sua incessante busca por propósito, largou o emprego para se reconectar com suas raízes. Voltou à terra natal, Rajestão, na Índia, e começou a desenvolver uma série de projetos baseados em uma nova forma de se pensar em educação, com atuação local, que dá autonomia às crianças e que rompe com o modelo industrial da formação voltada para o mercado de trabalho. “Temos que achar carreiras que regeneram nosso espírito, nosso sistema econômico e nosso meio ambiente”, defende.
Da teoria à prática
Seguindo o que chama de re-imaginar a educação, Manish fundou, em 2005, o Instituto Shikshantar, que trabalha a potência das comunidades para repensar as formas de educação com imaginação e criatividade. Em 2010, criou a Universidade Swaraj, que apesar do nome, não traz cadeiras acadêmicas, como mestrado e doutorado, mas é voltada para a formação para a vida.
Em viagem ao Brasil, Manish Jain passou vinte dias conhecendo experiências educacionais de comunidades atuantes nas periferias de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraty. Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, ele fala sobre a experiência, elenca os danos trazidos pela educação tradicional e aponta soluções para uma vida em sociedade mais harmônica e feliz. Confira:
Como foi a vivência no Brasil? Notou semelhanças entre as comunidades que visitou e as com as quais trabalha, na Índia?
Manish Jain: Posso dizer que aqui me sinto em casa. Apesar da Índia ser um país muito antigo e do Brasil ter uma nova civilização, vejo semelhanças poderosas entre as duas culturas. Uma é o valor das relações sociais, com vínculo grande entre as pessoas. Outra são as frequentes pausas para o café – e na Índia para o chai –, que são momentos em que as pessoas se conectam consigo mesmas e com as outras.
Nessa jornada pude perceber que os brasileiros, assim como os indianos, são criativos o tempo todo, especialmente nas favelas. Nos contam uma grande mentira: que nossos países estão em desenvolvimento, são violentos e não produzem nada bom. Não é preciso esforço para enxergar quanta riqueza nós temos.
“Nos contam uma grande mentira: que nossos países estão em desenvolvimento, são violentos e não produzem nada bom. Não é preciso esforço para enxergar quanta riqueza nós temos.” Manish Jain
Você é um dos grandes críticos ao ensino da universidade, mas fundou uma. Por que optou por usar esse termo e como a Swaraj funciona na prática?
Manish Jain: Nós mantemos o nome como um ato político, porque o diploma não deveria dizer quem você é e onde você pode chegar. Eu estive em Harvard e sinto que a universidade moderna é um lugar que só cria robôs. O que nós tentamos fazer é apoiar pessoas para que sejam mestres de suas vidas, não escravas de um sistema econômico.
Na Universidade Swaraj, nós aceitamos qualquer pessoa que tenha um sonho, uma vontade de transformar o mundo. Não precisa ser alfabetizada, não há prova para ingressar e ninguém saí de lá com diploma. Os frequentadores não são chamados de estudantes, mas de Khoji, que é a palavra indiana para exploradores. Hoje nós temos mais de mil Khojis e 900 empresas que aceitam contratar quem passa pela nossa universidade.
Qual seria a alternativa à universidade?
Manish Jain: A vida é o grande guru, é ela que vai dar todo tipo de desafios a serem enfrentados. Nesse processo de expansão de mente e consciência, nós encorajamos as pessoas a pararem de acreditar que todo o conhecimento está nos livros e nos especialistas. Eu estive na favela da Maré e saí com a certeza de que as pessoas de lá eram mais inteligentes do que as que cursam a universidade que tem ali perto. Porque elas conhecem a vida, elas sabem como fazer as coisas, elas sentem dor e sofrem muito, mas conseguem viver com alegria.
Nós temos que aprender a revalorizar experiências, nos livrar da competição. Nós não estamos aqui para competir, mas para completar. Construir juntos, colaborar. O mundo não precisa de grandes soluções, mas de grandes e mais profundas conexões!
Você costuma dizer que “a educação moderna é um dos maiores crimes contra a humanidade”. Por que?
Manish Jain: Comecei a pensar sobre isso há uns quinze anos, quando percebi que o sistema está rotulando milhões de crianças inocentes como fracassadas, especialmente os mais pobres ou a população negra e indígena. Não são as crianças que falham quando repetem de ano ou abandonam a escola, é o sistema, pois ele não enxerga talentos, mina a criatividade e a espiritualidade. Você pode ver que o design das escolas é o mesmo das prisões, as mesmas cores, grades por todos os lados.
A raiz do sistema de educação moderno vem do exército, em que mantém as pessoas obedientes, não as deixam livres para pensar por si mesmas. A escola não permite que a gente encontre nosso propósito. Ela nos transforma de homo sapiens a homo economics. Mesmo as pessoas que são consideradas um sucesso dentro do sistema, muitas delas estão infelizes, estressadas, deprimidas, esvaziadas.
O que é a desaprendizagem que você propõe? Que tipos de coisas nós precisamos desaprender?
Manish Jain: Desaprender está ligado a desbloquear alguns conceitos e desconstruir outros. A Trimurti, a trindade de deusas do Hinduísmo, me faz lembrar áreas importantes que temos que desaprender.
A primeira delas é a Lakshmi, deusa da prosperidade. O que é prosperidade e riqueza? Não vem do dinheiro, mas das relações entre as pessoas, da natureza, da interação com a comunidade e com o meio. Já Saraswati é a deusa da sabedoria. O que é conhecimento? Não é o que você encontra na universidade ou nos livros. Ali tem informação. Mas qual é a fonte do conhecimento? De onde vem a inteligência? E a criatividade? Essa deusa me lembra fazer essas perguntas o tempo todo.
A terceira deusa, Durga, me faz questionar o que é poder. Um grande exército? Governo? Corporações? Tecnologia? Não, o verdadeiro poder são as pessoas, as conexões e o espírito. Todo o sistema do ocidente é doente porque não acredita na espiritualidade. Quando você se conecta com sua espiritualidade, você não sente mais o medo que bloqueia.
Como começar esse processo?
Manish Jain: Nós temos que enxergar as armadilhas que criamos para nós mesmos e, para isso, temos que criar experiências para que a gente desaprenda estereótipos, rótulos, preconceitos. A Índia é uma grande experiência para a desaprendizagem, porque é um verdadeiro caos. E quando você está no caos, começa a achar maneiras de dançar com ele. E, depois, entende que nós precisamos do caos, ele gera a criatividade, nos move o tempo todo para a autorrevolução.
Às vezes a revolução passa por desacelerar, escutar o seu interior, meditar, estar presente. Temos que parar de pensar na vida como commodity e nos questionar se estamos fazendo aquilo que queremos, se estamos contribuindo com o mundo. O sistema não vai mudar, então, eu proponho que cada um de nós faça parte desse movimento constante de fazer três perguntinhas básicas: Quem sou eu? Qual meu propósito? Como eu me conecto com tudo isso?
O que é preciso para re-imaginar a educação, e a vida de um modo geral?
Manish Jain: Eu sinto que há uma grande crise no planeta e a maneira como a gente tenta enfrentá-la, usando política e planejamento estratégico, Power Points e Excel, está deixando as coisas piores. Temos que achar maneiras diferentes de pensar e sentir. Precisamos de um tipo diferente de mindset, que muda a nossa concepção de inteligência para considerar não só a cabeça, mas o corpo, as mãos, a natureza, as relações interpessoais, a terra, a comida que comemos. Nós temos que aceitar esse desafio de encontrar a inteligência das coisas.
Tudo está vivo, natureza está comunicando com a gente o tempo todo. Nós estamos abertos a ouvi-la? Nós estamos abertos a nos comunicarmos com ela? É por isso que temos que criar novos modelos de educação que nos abra para todos esses tipos de inteligência. Que nos permita atingir uma consciência maior e ter tempo para dançar, rir, brincar, cantar, tocar uns aos outros. A vida está acontecendo ao nosso redor, é só prestar atenção.