Crédito: Elena Dijour/Shutterstock
Por Pedro Ribeiro Nogueira, do Portal Aprendiz,
com Cidade Escola Aprendiz
Foi aprovado pelo Senado Federal, nesta quarta-feira (3/11), o PLC 14/2015, que instaura o Marco Legal da Primeira Infância, um conjunto de ações que visam promover o desenvolvimento infantil dos 0 aos 6 anos de idade, de maneira intersetorial e envolvendo todas esferas do poder público, além da criação de políticas, planos, programas e serviços voltados a uma população de cerca de 20 milhões de brasileirinhas e brasileirinhos. O texto, que estabelece a prioridade da primeira infância nos cuidados de saúde, alimentação, convivência familiar e comunitária, assistência social, meio ambiente e educação, segue agora para sanção presidencial.
“O Brasil já tem um dispositivo moderno para a criança e o adolescente, que é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas ainda se sentia falta de algo que desse conta do pré-natal ao sexto ano, que implica em questões de saúde, como amamentação; de educação, como a creche; parentalidade, como a disponibilidade dos pais próximos à criança, feita a dois; e de todos os benefícios que isso podem trazer para o pleno desenvolvimento”, afirma Eduardo Marino, gerente de Programas da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.
Entendida como “cidadã”, a proposta teve apoio de todas as bancadas do Senado e foi elogiada por atualizar o ECA com os mais novos desenvolvimentos da ciência e da neurologia, que preconizam que apoiar o desenvolvimento na infância irá impactar profundamente a cognição, a sensibilidade e a saúde dos sujeitos.
Segundo o economista James Heckmann, que realizou uma pesquisa longitudinal sobre a importância do investimento na primeira infância ao longo de quarenta anos, a cada dólar investido nessa etapa, a sociedade recebe sete em retorno. Além disso, há redução na criminalidade, aumento da escolaridade, empregabilidade e impacto positivo na saúde pública. Segundo ele, “é na primeira infância que começa a grande divisão, que faz com que a desigualdade se perpetue nas gerações posteriores”, afirmou em visita ao Brasil, em 2009.
O PL vinha sendo levado adiante, através de iniciativas como a Frente Parlamentar da Primeira Infância (FPPI) e a Rede Nacional da Primeira Infância, além da longa ação da sociedade civil, que se organizou para garantir a aprovação do projeto. Entenda como ele pode impactar aos primeiros anos de vida de milhões de meninos e meninas:
1) Licença-paternidade
O texto do PL aumenta a licença-paternidade de cinco para 20 dias para as empresas que aderirem ao Programa Empresa-Cidadã e também ratifica os seis meses de licença para mães. “Isto dá a possibilidade do pai construir uma relação de vínculo melhor com a criança e oferecer um suporte para a mãe logo após o nascimento, uma fase muito crítica, frágil e estressante”, acredita Marino.
Segundo ele, muitas empresas de tecnologia, como o Google e o Facebook, já trabalham com licenças de quatro meses para os pais, em consonância com legislações mais avançadas pelo mundo. Na Suécia, os pais são obrigados a tirar no mínimo três meses de licença. Ainda assim, espera-se que este avanço possa fortalecer a luta por uma divisão mais igual das tarefas domésticas e uma maior participação dos pais na criação de seus filhos e filhas.
2) Participação infantil
O artigo 4º do PL aponta a participação da criança, entendida como cidadã desde cedo, nas ações pedagógicas e na formulação de políticas que lhes dizem respeito, através de diferentes formas de escuta infantil e de acordo com cada faixa etária. Um bom exemplo disso vem se dando nas ruas do Glicério, na capital paulistana.
“Quando você ouve uma criança, você ativa uma rede de colaboradores que irão construir uma cidade mais humanizada e brincante. Quando você vê, a comunidade inteira está caminhando”, acredita Nayana Brettas, que coordena o projeto Criança Fala: Escuta Glicério.
3) Livre brincar
Em seu artigo 17, o projeto orienta a União, os Estados e os Municípios a fomentar, organizar e garantir espaços lúdicos que assegurem o livre brincar em locais públicos e privados, assim como a existência de ambientes seguros em suas comunidades para que o direito ao brincar seja respeitado.
Por que isso é importante? Diversos estudos longitudinais – feitos ao longo de até 40 anos – mostraram que investimento em políticas de primeira infância têm enormes retornos sociais. Um deles, conhecido como “The Jamaica Study”, mostrou que crianças que tiveram estímulo ao brincar desde cedo se desenvolvem melhor. O estudo acompanhou crianças que sofriam de desnutrição e viviam em comunidades vulneráveis. Elas passaram a receber, por dois anos, duas visitas lúdicas semanais. Vinte anos depois, os jovens que receberam esse cuidado tiveram salários 42% maiores, desenvolvimento cognitivo superior, habilidades psicossociais desenvolvidas e menor ansiedade e depressão.
4) Intersetorialidade
“O Marco Legal trará a perspectiva de políticas integradas para a infância. Hoje, uma criança que passa no pediatra, na Unidade Básica de Saúde, muitas vezes não conversa com a creche, ou com o programa social que atende sua família. Não existe um cadastro único que possibilite hoje esse atendimento, que pergunte se ela conseguiu acesso à educação, se está com a vacinação em dia”, relata Marino.
O documento prevê a criação, em seu sexto artigo, de uma Política Nacional Integrada para a primeira infância, que “será formulada e implementada pela abordagem e coordenação intersetorial, que articula as diversas políticas setoriais numa visão abrangente de todos os direitos da criança na primeira infância”. Ou seja, todos os entes federativos serão corresponsáveis pelo desenvolvimento integral das crianças.
5) Qualificação e formação docente
“Pouquíssimas faculdades de pedagogia têm hoje um conjunto de disciplinas focadas na primeira infância. Esperamos que agora abra-se um novo caminho”, analisa Marino. Uma vez sancionado, o Marco Civil irá garantir, na forma de lei, a formação e qualificação dos profissionais que trabalharem com crianças.
A ideia é que as instituições de formação profissional ofereçam mais vagas e cursos e os educadores que já atuam na área tenham fomento para participar de programas de especialização e atualização, onde terão acesso prioritário.
Os cursos devem ajudar a melhorar a capacidade dos profissionais de propiciarem oportunidades de desenvolvimento, aprendizado e cuidado, tendo em vista as particularidades dessa faixa etária, a intersetorialidade, a educação integral e a prevenção da violência.