Créditos: Yuri Kiddo
Yuri Kiddo, do Promenino com Cidade Escola Aprendiz
“Predestinado” é o apelido de Valdison Pereira, nascido no Dia do Conselheiro Tutelar, em 18 de novembro de 1982. Na profissão desde 2011, tomou posse no cargo coincidentemente na mesma data. Formado em Direito, Pereira também é coordenador da Comissão Permanente de Acompanhamento de Medidas Socioeducativas dos Conselhos Tutelares, responsável por fazer acompanhamento na Fundação Casa — entidade responsável pelas unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei no estado de São Paulo.
Conselheiro tutelar de um bairro de periferia da capital paulista, com mais de 200 mil habitantes e marcado por deficiências nos serviços públicos, Pereira questiona as condições de trabalho do órgão que deve zelar pelos direitos das crianças e adolescentes. “É desumana a falta de estrutura que temos para o tanto de atendimento que fazemos. Tem dia que nem almoçamos ou trabalhamos até 12 horas seguidas”.
O Conselho Tutelar foi criado por meio do artigo 131 do ECA, que o define como um órgão permanente e autônomo; que deve agir sempre que os direitos de crianças e adolescentes forem ameaçados ou violados pela sociedade, pelo Estado, pelos pais, responsável ou em razão de sua própria conduta.
Depois de trabalhar em abrigos e em diversos órgãos da rede de atendimento, como o Centro de Referência da Criança e Adolescente (Creca), Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) e Centro de Referência de Assistência Social (Cras), Pereira decidiu ser conselheiro tutelar porque quando tentava encaminhar os casos, dificilmente conseguia ou não eram resolvidos. “Eu pensava que os caras não queriam fazer, estavam de má vontade. Aí decidi eu mesmo me tornar conselheiro e fazer acontecer, mas cheguei aqui e vi que era outra realidade”.
Falta “tudo” onde não tem “nada”
Falta de vontade política e infraestrutura são os principais fatores destacados pelo conselheiro para explicar a precarização do trabalho e a pouca efetividade da rede de atendimento, de forma geral. “Isso é o que mais me incomoda”, diz enquanto aponta para sala ao lado, de onde é possível ouvir outros conselheiros em atendimento com as famílias. “As pessoas têm o direito ao sigilo, mas como a gente garante privacidade se não temos o espaço adequado para trabalhar?”, questiona da sala do Conselho Tutelar onde atua, dentro da subprefeitura de São Mateus, bairro da zona leste da cidade de São Paulo.
Créditos: Yuri Kiddo
Apesar da lei federal 12.696, promulgada em julho de 2012, que altera quatro artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dá direito à cobertura previdenciária, férias anuais remuneradas, licença-maternidade ou paternidade e 13º salário, a luta dos conselheiros pelos direitos garantidos no papel continua. “Ainda hoje, se perguntar para qualquer conselheiro tutelar se ele tem seus direitos sociais trabalhistas, ele vai te dizer que não tem”, revela Pereira. Em São Paulo, uma lei municipal aguarda aprovação para garantir tais direitos.
Somente nos distritos de São Rafael, São Mateus e Iguatemi, o número de habitantes ultrapassa os 400 mil para apenas dois conselhos tutelares. Realidade que contraria a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que determina que a cada 100 mil habitantes deve existir um conselho tutelar. As condições precárias de trabalho daqueles que são a base para fazer funcionar o Sistema de Garantia de Direitos são similares em todo o país. “No distrito do Iguatemi, por exemplo, Fundão, Jardim Limoeiro, que foi onde eu passei os 31 anos da minha vida, não tem nada, pouca coisa mudou. Não tem creche, centro cultural, as escolas que deveriam ser municipais são estaduais, não tem nenhum centro de atendimento ou área de lazer”, relata Pereira.
Mesmo com tantas dificuldades e desafios, o conselheiro percebe algumas melhoras nos últimos três anos e acredita que a rede de atendimento e o Sistema de Garantia de Direitos tenham potencial para funcionar melhor do que hoje. “Precisamos de muito investimento em política pública, atendimento, serviços, projetos, repasse de verbas, principalmente na região em que estamos. Se acabarem as organizações sociais de São Mateus, pode-se dizer que acaba o Sistema de Garantia de Direitos”.
“Acredito no que faço”
O conselheiro declara que sua maior motivação nesse trabalho é a satisfação em transformar a vida das pessoas e conta vários casos em que as famílias dão respostas positivas no atendimento. “Às vezes é um gesto pequeno, de atenção, diálogo e os devidos encaminhamentos. As pessoas voltam para agradecer, as crianças vêm trazer desenho, vemos amor e a gratidão onde não existia”. Além disso, o trabalho se dissemina e as pessoas passam a tomar conta de outras na comunidade, seja na ajuda direta ou com denúncias de vizinhos que maltratam seus filhos ou que precisam de intervenção.
Antes de se tornar conselheiro tutelar, Pereira era concursado, tinha benefícios trabalhistas, trabalhava menos e ganhava mais. Entretanto, não se arrepende de sua escolha: “Eu saí de lá para vir para cá, acredito no que faço e não penso em deixar a área social e de atender pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Foi trabalhando na área social que o conselheiro viu sua atuação fazer a diferença e não se enxerga em outro lugar. “Com todas as dificuldades e com todos esses problemas, vejo as coisas acontecendo, se transformando para melhor, isso é o que compensa. Estou contente com o que eu faço, não me arrependo e sou feliz”, finaliza.