Parte importante da economia solidária, a moeda única apoia manutenção de investimentos sociais e culturais.
Parte importante da economia solidária, a moeda única apoia a manutenção de investimentos sociais e culturais.
Dentro de cada bairro ou região, gira uma pequena ciranda de economia. As moedas que fazem compras em pequenas vendas locais são depois usadas para financiar um curso de balé para as crianças da comunidade, ministrada no espaço onde floresce uma horta comunitária que abastece a venda – são as engrenagens da economia solidária rodando. E, se esse capital se esparrama nas particularidades de cada localização, isso significa que ela irá crescer e se beneficiar da rede de compradores, produtores e atores de desenvolvimento local.
São subidas e descidas as ruas do bairro São Luís, localizado no sul da cidade de São Paulo. Dentro de uma casa onde crianças brincam e idosos fazem exercícios, funciona um banco muito diferente. Ele não tem caixas eletrônicos, portas giratórias e nem necessidade de se usar cartão. A moeda é única, e tem mais a ver com confiança do que qualquer valor financeiro. O Banco Autogestão, que funciona há seis anos na Casa de Cultura e Educação São Luís e com ela é articulado, foi fundado no histórico de movimentos sociais do bairro, principalmente os de moradia. Ele oferece crédito facilitado para moradores da região, trabalhando sob os princípios da economia solidária – uma economia que beneficia o desenvolvimento social e cultural local, bem como o empreendedorismo social, gerando renda para seus atuantes.
“Se trabalhamos com a nossa moeda, o bairro se desenvolve e a porcentagem que iria para os bancos normais fica aqui. Assim, podemos fazer linhas de crédito acessíveis para a comunidade. Se alguém precisar emergencialmente de gás, por exemplo, podemos fornecer o crédito”, explica Vânia Silva, produtora cultural da Casa de Cultura. O banco utiliza a moeda Moradia em Ação e também o e-dinheiro, moeda digital para celular. Os até 500 reais de empréstimo que podem ser oferecidos aos moradores são avaliados por um comitê, que tem como acordo somente a palavra dada entre quem empresta e quem pega emprestado. Sem SPC, sem SERASA, a confiança entre banco e comunidade é fundamental. “A pessoa que está pegando dinheiro tem de ter a consciência de devolver para que possamos emprestar para outra pessoa”, relata Sandra, responsável pelas finanças.
Para que o banco comunitário funcione e a moeda circule efetivamente em seu perímetro, existe um trabalho de formação dos moradores para introduzi-los ao conceito de economia solidária. Comprar dentro do bairro, “do mercado Boa Sorte do João ou da frutaria do Tião, é muito mais vantajoso do que comprar em supermercados onde muitas vezes o dinheiro não fica nem no Brasil”, fala Vânia. Existe toda uma articulação entre a associação de moradores, a Casa de Cultura e o comércio para sensibilizar os moradores e incentivá-los a consumir localmente.
O envolvimento dos vizinhos com o que acontece em seus bairros é tão poderoso que pode criar polos de manifestações culturais. Cleberson da Silva Pereira, gestor de finanças do Banco União Sampaio, conta que a região dos três bairros – Jardim Ângela, Campo Limpo e São Luís – já foi considerada um dos lugares mais perigosos para se viver no mundo, com uma alta taxa de mortandade, em especial de jovens. Por meio de um histórico de luta de movimentos sociais e práticas baseadas na economia solidária, os moradores começaram a reverter esse quadro, movimentando-se por meio do hip hop, literatura e outras manifestações ligadas à cultura.
Além das três linhas de crédito (a moeda social do bairro, o crédito produtivo para pequenos negócios e crédito habitacional), o Banco União Sampaio desenvolveu uma linha para apoiar jovens que “queriam viver da própria cultura e não conseguiam dinheiro dos bancos convencionais, precisando de um que financiasse sem comprovar renda”. Com esse financiamento, projetos como o livro As Núpcias do Escorpião, do escritor Tico, puderam ser lançados.
Baseado no mapeamento das iniciativas culturais, o banco oferece também um acompanhamento de carreira de artistas, oferecendo uma linha de contatos e de articulação que podem ajudá-lo em seu desenvolvimento profissional, desde representação jurídica até feitura de produtos, conseguindo assim uma porcentagem nos lucros para se manter.
Cleberson acredita que um dos papéis mais importantes que o banco possui é sua incidência na criação de políticas públicas. “Em um cenário cada vez mais conservador, é importante que continuemos atuando, lutando e participando dessas políticas públicas”, ele finaliza. Os bancos comunitários não lidam apenas com a saúde financeira de seus bairros e regiões, como também criam sentimentos de pertencimento entre os moradores e suas comunidades, fazendo-os mais próximos, e trabalhando para a transformação social.