Foto: Gastão Guedes
Antonio Carlos Gomes da Costa é pedagogo e participou da comissão de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) veio substituir, ao mesmo tempo, o antigo Código de Menores e a Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBEM). Ele representa a incorporação, na Constituição e nas leis brasileiras, do conteúdo e do espírito da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembléia das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Não se trata de uma lei para um segmento específico da infância e da juventude brasileiras. Ao contrário, trata-se de uma legislação que abrange o conjunto das crianças e dos adolescentes do Brasil. A doutrina que preside a elaboração do Estatuto é a Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas, que pode ser resumida na seguinte expressão: “Todos os direitos para todas as crianças.”
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993), ao contrário, trata-se de uma legislação com destinação muito específica. Ela se dirige “àqueles que dela necessitam”, conforme consta no artigo 203 da Constituição de 5 de outubro de 1988. Assim, enquanto o Estatuto regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) regulamenta os artigos 203 e 204. A Política de Assistência Social não tem como destinatários o conjunto da população, mas aquele subconjunto que se encontra em estado de necessidade.
Nos municípios, entrentanto, como se vem verificando, os papéis tendem a se confundir, pois os órgãos executores da política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, principalmente no que diz respeito às medidas protetivas, são os mesmos responsáveis pela execução dos programas e ações de assistência social. A questão que se coloca é: como distinguir as duas situações? A aplicação das medidas oriundas dos Conselhos Tutelares e da Justiça da Infância e da Juventude estão sob a responsabilidade do ECA e de suas instituições executoras de sua parte especial (Conselhos Municipais e Tutelares). As crianças atendidas fora dessas situações são casos de assistência social stricto sensu.
A Política de Assistência Social não tem como destinatários o conjunto da população, mas aquele subconjunto que se encontra em estado de necessidade
A responsabilidade do registro das entidades deve ser de iniciativa da própria entidade e não do Conselho Municipal. Este registro deve ser feito conforme o regime ou os regimes de atendimento praticados pela entidade. Qual o objetivo desse registro? O objetivo do registro das entidades no Conselho Municipal é mapear os recursos disponíveis na rede local de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, principalmente no que se refere à execução das medidas protetivas e socioeducativas.
Como muitas entidades de atendimento aos direitos da criança e do adolescente são programas de natureza assistencial, não há impedimento de que eles sejam registrados, ao mesmo tempo, nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e nos Conselhos Municipais de Assistência Social. Por que isso ocorre? Porque, nos níveis estaduais de governo, freqüentemente as medidas protetivas estão ligadas à secretaria responsável pela execução da LOAS, enquanto as medidas socioeducativas estão afeitas às áreas de justiça e/ou da defesa social. Essa é uma situação que varia entre as diversas unidades federadas. Não existe, ainda, um consenso nacional a esse respeito.
No caso de uma creche que atende crianças violadas em seus direitos e encaminhadas pelo Conselho Tutelar, ela deve fazer parte da rede local de atendimento aos direitos da criança no âmbito das medidas protetivas. No caso de outra creche que atende apenas crianças provindas de famílias em estado de necessidade, ela está executando um programa de assistência social e não de defesa dos direitos de crianças violadas em sua integridade física, psicológica e moral em razão de ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado.
As relações entre o ECA e a LOAS devem ser elucidadas pelos respectivos Conselhos Nacionais, por meio de normas infralegais que regulamentem as práticas cotidianas no nível dos Estados e das municipalidades. Devemos admitir que, no momento, existe uma zona cinzenta na aplicação prática das duas leis. Isso, no entanto, pode ser resolvido com normas claras, que estabeleçam critérios de convivência entre as legislações nos diversos níveis da federação: União, Estados e municípios.
Para se ter uma idéia, no governo federal, o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) está situado na Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH-PR), enquanto o órgão reitor da aplicação das medidas protetivas está situado no Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), de onde provém a maioria dos recursos para esta área. Encarar esse desafio de frente é uma tarefa de reordenamento político-institucional, que não pode e não deve ser postergada por muito tempo.
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Leia também:
– Íntegra da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/93)
– Íntegra do SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo