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Daniela Rocha*
Ilustração: Divulgação

Daniela Rocha é jornalista, coordenou projetos de comunicação para a eliminação do trabalho infantil e foi Oficial da OIT (Organização Internacional do Trabalho)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que em julho faz aniversário, dedica alguns dos seus artigos ao tema do trabalho.Como uma oportunidade para se conhecer um pouco mais esta lei, proponho, nesta coluna, pontuar e comentar alguns dos artigos que considero chave no tema do trabalho infantil e da profissionalização do adolescente.

A começar pelo artigo 4º (Das disposições preliminares), um artigo que resume o espírito do Estatuto e que traz o leque dos direitos das crianças e dos adolescentes a ser assegurado: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Este artigo traz várias questões fundamentais. A primeira é determinar que a responsabilidade na garantia dos direitos da criança e do adolescente é não apenas da família, nem apenas do Estado, da comunidade ou da sociedade, mas sim de TODOS em conjunto. A criança não pode, em hipótese alguma, ser negligenciada e todas as instâncias devem trabalhar concomitantemente nesse sentido. Cabe a cada um fazer sua parte, de forma a serem esferas complementares na formação e na atenção integral.
Outro aspecto importante diz respeito à prioridade absoluta. A criança e o adolescente devem ser prioridade na garantia de seus direitos básicos. Prioridade nas políticas públicas para que seus direitos sejam de fato assegurados.  
E aí entram os direitos básicos. Em primeiro lugar, direito à vida, à saúde e à alimentação, ou seja, desde a sua concepção, nascimento e desenvolvimento. Essa ordem tem razão de ser. É preciso, antes de tudo, ter vida, saúde e alimentação para então receber educação, esporte, lazer e assim por diante.
 
Mas entre os direitos fundamentais está também o direito à profissionalização. Significa que o adolescente tem direito a aprender uma profissão. E aqui abre reflexão para o universo do trabalho em relação à criança e ao adolescente.
Como o próprio Estatuto indica, em seu Capítulo V (Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho), isso se dá a partir de 16 anos, quando o trabalho é permitido, com todos os seus direitos trabalhistas e previdenciários assegurados. Na prática, isso significa carteira assinada, jornada de trabalho pré-determinada (não excedendo a prevista em lei), direito a férias, a descanso semanal remunerado e recolhimento da previdência social, para mencionar os itens mais conhecidos.
O Estatuto é claro com relação ao trabalho infantil: É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos
O Estatuto é claro com relação ao trabalho infantil. Em seu artigo 60: É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Ou seja, o pressuposto é de que não pode haver trabalho infantil. A criança tem direito a não ser explorada no trabalho. Ponto.
 
A condição de aprendiz, a partir de 14 anos, é peculiar, porque ela pressupõe que o adolescente esteja freqüentando regularmente a escola e que tenha bom aproveitamento escolar (ou seja, o trabalho não pode impedir o sucesso escolar), que tenha carteira assinada com contrato de aprendiz (remunerado como tal, com direitos trabalhistas e previdenciários assegurados) e que, na sua vida de profissional, o aprendizado, o desenvolvimento pessoal e social são mais importantes que o aspecto produtivo.
Não é qualquer profissão que se enquadra para oferecer um contrato de aprendiz. No artigo 62, o Estatuto traz o conceito: “Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.” E essa formação obedece a princípios estabelecidos no artigo 63, como agarantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular; atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente; ehorário especial para o exercício das atividades.
O artigo 67 destaca condições em que o trabalho não pode ser realizado pelo aprendiz. É vetado o trabalho noturno (entre 22h e 5h), o trabalhoperigoso, insalubre ou penoso; o trabalho realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; e aquele realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
Tais itens estão em sintonia com a Convenção 182 (sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em vigor no Brasil desde 12 de setembro de 2000, com a publicação do Decreto 3.597).
A condição de aprendiz é peculiar: pressupõe freqüência na escola, bom aproveitamento escolar, carteira assinada com contrato de aprendiz e condições para o desenvolvimento pessoal e social

Ou seja, são proibidos trabalhos e atividades que tão comumente vemos executados por crianças: vendedores ambulantes ou nas feiras, flanelinhas e malabaristas (nas ruas, que expõe crianças a vários riscos, inclusive de acidente e morte), o trabalho doméstico (que expõe a criança a agentes químicos e a carregar maior peso que a capacidade muscular, por exemplo), o trabalho nas colheitas (exposição a agrotóxicos). Mas também nas olarias, carvoarias, nos lixões, todos ambientes que apresentam riscos para a saúde física, psíquica, moral e social.

Mas o Estatuto traz ainda uma outra questão fundamental que é o direito à proteção no trabalho. O artigo 69 indica que o adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos:respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; e capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
Fundamental lembrar que o trabalho como aprendiz deve ocorrer em interesse máximo do(a) adolescente, para que ele(a) tenha oportunidade de aprender um ofício, e que essa situação não pode ser desvirtuada. Por isso o Estatuto prevê também a proteção no trabalho que impede que o(a) aprendiz se transforme em mão de obra barata ao empregador.
Esses foram alguns dos pontos, mas existem ainda outros complementares e/ou que aprofundam no tema, como o artigo 17 (direito ao respeito e à inviolabilidade da integridade física), o artigo 66 (trabalho protegido ao adolescente deficiente), e o artigo 68 (trabalho educativo executado por aprendiz).
Que mais um aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente seja comemorada com reflexão. Trata-se de uma das leis mais importantes do país, reconhecida internacionalmente como uma lei avançada no tema da criança e do adolescente. Que esta maioridade se reflita na sua maior aplicabilidade, sobretudo na urgência em garantir de imediato que crianças não sejam obrigadas a trabalhar e que adolescentes tenham acesso à profissionalização.

 

 

 

* Daniela Rocha é jornalista, coordenou projetos de comunicação para a
eliminação do trabalho infantil e foi Oficial da OIT (Organização Internacional do Trabalho)
Os textos publicados na seção Colunistas são de responsabilidade dos autores e não exprimem necessariamente a visão do Portal Pró-Menino. 

Leia mais:

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Leia também:

Íntegra do Estatuto da Criança e do Adolescente
Convenção 182 da OIT (sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil)
Convenção 138 da OIT (sobre a idade mínima para admissão a emprego)

O ECA e o trabalho infantil
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