Duas inciativas destacam o papel da formação e do protagonismo juvenil na sétima arte.
Duas inciativas destacam o papel da formação e do protagonismo juvenil na sétima arte.
Os olhos do menino Salvatore, apelidado de Totó, giram fascinados ao acompanhar movimento do rolo de filme. Cinema Paradiso, dirigido pelo italiano Giuseppe Tornatore, é uma homenagem ao encantamento do cinema, que quando na infância se impregna na pele, a acompanha sempre, com a potência luminosa de um projetor. Com sua imaginação fértil, o protagonista desde pequeno entendia que o cinema era uma linguagem potente, não só para criar coisas que não existem, como também para falar poeticamente da realidade.
Hoje as câmeras não são mais tão pesadas, os filmes sépia estão aposentados e o cinema segue na arte tridimensional que nunca deixou de atrair crianças e adolescentes fanáticos, tanto quanto o menino Totó, para as salas de filme. Espaços infelizmente escassos no Brasil: somente 7% dos estados possuem salas de cinema, e apenas 1% delas estão localizadas nas regiões periféricas. Mais do que entretenimento, o cinema é uma arte formadora do indivíduo, e não ter acesso a salas de cinema – ou uma distribuição gratuita de conteúdo – significa não aproveitar seu imenso potencial.
“O cinema tem por si só a mágica: o momento especial onde um personagem diz algo nunca pensado ou que toca profundamente o espectador”, explica Josi Campos, coordenadora da plataforma Videocamp. Iniciativa do Instituto Alana e da Maria Farinha Filmes, a ferramenta gratuita facilita o encontro entre público e filme. Mediante um cadastro, o espectador tem acesso a uma gama variada de produções nacionais e internacionais, e o detentor dos direitos de filmes, seja ele um diretor ou uma produtora, pode disponibilizar seu filme online ou para exibição pública. A ferramenta também oferece uma curadoria de filmes que, embora não estejam na plataforma, podem ser assistidos online por outros canais.
Os critérios para a seleção dos 139 filmes disponíveis no Videocamp levam em conta, além de critérios de qualidade técnica, se o filme é capaz de trazer uma catarse ao espectador, seja dando início a um debate ou a uma reflexão interna. “Acreditamos no potencial transformador do cinema”, acrescenta Josi. A reflexão não está presente somente em filmes engajados ou que tragam uma causa mais cristalina, como fazem os documentários. Eles também estão na ficção, ainda que de forma mais sutil. “Não precisa ser explicito. Se houver um filme falando sobre uma lenda de determinado país para se cuidar da água, ele pode gerar um pensamento questionador.”
Quando o cinema é percebido como linguagem alcançável, ele se torna uma poderosa ferramenta de expressão. O cinema tem de alterar os métodos de distribuição, não só investindo na carreira comercial – que também é fundamental – mas em disponibilidade online e exibições públicas em lugares onde a internet não alcançou. Josi alerta que isso é especialmente importante na periferia: “Quem mais precisa receber informações de uma forma clara e objetiva são exatamente as pessoas que não têm acesso. Temos de enxergar alternativas de distribuição”.
Há dez anos, o Instituto Querô trabalha com formação cinematográfica de jovens da região litorânea de São Paulo. São dois tipos de aulas: as Oficinas Querô, que duram um ano e capacitam jovens de baixa renda entre 14 e 18 anos de Santos, Praia Grande, Cubatão e São Vicente, preparando-os nas diversas áreas cinematográficas; e também o Querô na Escola, iniciativa na qual os jovens capacitados pelas Oficinas Querô ministram aulas no sistema público de ensino de Cubatão.
“É nítida a diferença quando jovens entram na oficina e no final, quando exibem seus projetos. Se percebe o crescimento pessoal, a formação cidadã e a evolução que têm como indivíduos”, relata Ivan De Stefano, assessor de comunicação do Instituto, ressaltando o protagonismo juvenil. A formação cinematográfica vem sempre acompanhada da formação como empreendedores e cidadãos, com rodas de conversas sobre temas que permeiam seu entorno – em 2015, por exemplo, eles puderam acompanhar as ocupações em escolas públicas e o resultado da observação será um documentário.
O cinema é uma ferramenta de conhecer a si próprio e o mundo, e os abismos entre a sétima arte e a vida real ficam cada vez menores com projetos que incentivem o jovem a conhecer a produção e seu cotidiano, botar a mão na massa e enxergar uma realidade possível e realizável. Assim, o sonho realizado de Totó, o menino protagonista de Cinema Paradiso, não ficará tão distante e poderá ser alcançado por muitos jovens brasileiros.