Como ativistas indígenas usam as redes sociais para combater preconceitos, compartilhar tradições e valorizar a ancestralidade
As mídias sociais se tornaram um dos principais meios de comunicação que a sociedade usa para protestar e demandar mudanças. É por meio destas plataformas digitais que mobilizações populares conseguem transcender limites geográficos. Um frente de ativismo que se digitalizou foi o indígena. O movimento, que há centenas de anos luta pela preservação da natureza e pela demarcação de terras, encontrou nas mídias sociais uma nova aliada para suas reivindicações.
Segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 817 mil indígenas vivem no Brasil divididos entre 305 etnias. Eles se expressam por meio de 274 línguas distintas.
Lideranças jovens
O grupo que tem se apropriado cada vez mais das redes sociais para promover o ativismo indígena é o dos jovens. Eles estão no Instagram, Youtube, Twitter, e mais recentemente no TikTok. Tukumã Pataxó, de 21 anos, nascido na aldeia de Coroa Vermelha, extremo sul da Bahia, é uma dessas lideranças jovens.
“Desde pequeno eu vejo os nossos mais velhos lutarem por uma causa que é de todos, não é só de um povo, e nem de uma pessoa específica”, conta Tukumã. No entanto, foi apenas quando se mudou para Salvador (BA) para estudar Gastronomia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) que passou a ser ativo no meio digital.
“As pessoas falam que a gente não é indígena por estarmos de roupa. Se estamos caracterizados, as pessoas dizem que é fantasia e falam: ‘você não é índio de verdade porque não está na mata’. Quando saí da aldeia e fui para a cidade, percebi que a gente passa por esse tipo de coisa todos os dias”, explica Tukumã.
Para ir contra esses estereótipos e preconceitos, fez um vídeo em que explicava que não deixava de ser indígena por usar roupas “comuns”. A publicação acabou viralizando, e Tukumã passou a produzir conteúdos para as redes sociais com mais frequência.
Tudo é feito de forma bastante orgânica, não há planejamento ou estratégia por trás. Ele compartilha aquilo o que acha importante, e sempre busca tirar dúvidas dos seguidores. “Muitos são não-indígenas e eu incentivo as pessoas a tirarem suas dúvidas. Se você tem um trabalho de escola, de faculdade, ou uma questão pessoal, você pode tirar esta dúvida com um indígena”, afirma o jovem.
O estudante de Gastronomia também é seguido por indígenas que não são aldeados e que moram na cidade. Ele conta que estes seguidores têm muitas dúvidas sobre ancestralidade, e por isso produz conteúdos sobre a importância de buscar esta herança. “Por conta da miscigenação no país, muitos brasileiros têm sangue indígena, mas a história do que seus avós passaram não lhes é contada”, diz.
Mídia Índia
Tukumã Pataxó é também um dos colaboradores do Mídia Índia. “Somos uma das maiores redes de comunicação indígena do Brasil. Nós acompanhamos, expomos e divulgamos notícias do mundo todo voltadas às questões indígenas”, explica.
A Mídia Índia tem por objetivo promover o ativismo e dar voz à juventude indígena.
Aposta no humor
“Eu me inspiro na Sonia Guajajara, na Célia Xakriabá, assim como nas pessoas que estão ao meu redor, como a minha avó”, conta Tukumã. Além destas mulheres ativistas, o jovem também acompanha, e se inspira, no youtuber Whindersson Nunes. Tukumã aposta na leveza para passar sua mensagem de ativismo indígena adiante. “Se a gente tentar abordar esta questão a partir do humor podem chegar a mais pessoas”, afirma o estudante.
A mesma estratégia é seguida pelo estudante de Medicina Elison Santos, da etnias Pipipã e Pankará, criador da página Indigenalizou (@Indígena_Memes).
Outra indígena que se destaca por produzir conteúdo relevante e bem-humorado nas redes é Maira Gomez, conhecida como Cunhaporanga, da etnia Tatuyo, no Amazonas. Ela tem 2,2 milhão de seguidores no TikTok, onde mostra o dia a dia da comunidade. Com bastante naturalidade, ela responde às questões dos seguidores – que vão desde “vocês comem feijão e arroz?” até “onde você carrega o celular?” – e também mostra seus familiares, a cultura e as tradições de seu povo e as atividades da aldeia.
@cunhaporanga_oficialResponder a @giulia_roberto Eu querendo mostrar as pinturas das minhas pernas ?❤️? #tiktok #tiktokindígena #geraçãotiktok #foryou #viral #jūgoa♬ som original – Cunhaporanga_Oficial
@cunhaporanga_oficialA minha mãe é tão linda e fofa ?? ##tiktok ##tiktokindígena ##geraçãotiktok ##foryou ##viral ##tatuyosforever ##comunidadetatuyo ##jūgoa ##sūoka♬ rochelle sendo compreensiva – luiz santana ?
@cunhaporanga_oficialFoi mal Picô @dicksontatuyo_oficial ?? ##tiktok ##tiktokindígena ##geraçãotiktok ##foryou ##viral ##tatuyosforever ##comunidadetatuyo ##guerreirotatuyo♬ som original – Cunhaporanga_Oficial
Uso da tecnologia
O uso da tecnologia também vira motivo para alimentar preconceitos contra indígenas. Há aqueles que acreditam que os indígenas que têm acesso à tecnologia não são “índios de verdade”. Em comentário nas redes sociais de Tukumã, um seguidor diz: “Índio blogueiro? Ai, meu deus, onde que o mundo vai parar?”. O jovem conta que prefere não responder os comentários negativos. “Não adianta discutir. As pessoas não querem aprender, elas querem perpetuar o ódio mesmo”, lamenta.
Não são todas as comunidades indígenas que têm acesso à internet, mas as que têm usam para ativismo, para disseminar sua luta, sua cultura, sua história e trajetória. Exemplo disso foi a execução do Acampamento Terra Livre (ATL) no ano de 2020. O evento é organizado anualmente pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e busca fortalecer a luta e a resistência dos povos indígenas de todo o país. No ano passado, os cinco dias de ATL ocorreram de forma remota.
“Nós, povos indígenas, outrora considerados atrasados, fomos capazes de pensar nossa condição, ‘fagocitar’ as tecnologias do homem branco e revertê-las na luta pelos direitos dos povos indígenas serem culturalmente diferenciados e respeitados”, conta orgulhosa a ativista indígena Shirley Djukurnã Krenak, que participa da coordenação do ATL desde 2004.
Bastante ativa nas redes sociais, ela mostra como a tragédia que ocorreu após o rompimento da barragem em Bento Gonçalves, distrito de Mariana (MG), afetou o rio Doce e a vida das comunidades locais. Dessa forma, hoje ela coordena o Instituto Shirley Djukurnã Krenak – associação que fomenta o etnodesenvolvimento e a educação indígena nas escolas e entidades não-indígenas.
Vale a pena seguir
Separamos perfis de lideranças indígenas para você conhecer e acompanhar!
Geni é guarani e ativista no movimento indígena, feminista e LGBTQ. Ela é pesquisadora, escritora e doutoranda em estudos raciais e de gênero. Em seu Instagram ela aborda temas como: raça, gênero, saúde mental e sexualidade. Geni é também membro da ABIPSI, a Articulação dos(as) Indígenas Psicólogos(as). Em abril de 2020, no início da pandemia, ao ver que alguns povos indígenas não tinham acesso ao auxílio emergencial dado pelo Governo Federal, Geni decidiu escrever uma história para vender e mobilizar recursos para as aldeias. Ela escreveu a história de Djatchy Djatere, popularmente conhecido como Saci Pererê. A ideia deu certo, e muitos autores indígenas se engajaram na causa.
Daiara é da etnia Tukano, povo indígena do estado do Amazonas, da região do Alto Rio Negro. Ela é formada em artes visuais pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direitos Humanos pela mesma instituição. Feminista e artista plástica, ela coordena a primeira rádio online indígena do Brasil, a Yandê. Em outubro de 2020 participou do festival CURA – Circuito de Arte Urbana, e realizou no Centro de Belo Horizonte (MG) o maior mural de arte urbana feito por uma artista indígena no mundo.
Katú é rapper e moradora da periferia de São Paulo. Ela é indígena urbana, pois nasceu e foi criada na cidade. Também é uma das fundadoras do coletivo Tibira, responsável pelo perfil Indígenas LGBTQs. O objetivo do coletivo é combater o preconceito e a violência contra LGBTQs no contexto indígena, que costuma ser uma questão pouco explorada pelo ativismo.
Cristian é da etnia xavante e nasceu no território Parabubure, na região do Vale do Araguaia, no Mato Grosso. Ele usa as suas redes sociais para combater os preconceitos e estereótipos sobre os povos indígenas. O seu canal do YouTube (Wariu) tem cerca de 30 mil inscritos, e o seu Instagram 37 mil seguidores. Ele também apresenta os podcasts Voz Indígena e Copiô, Parente.