Estimular a capacidade de escuta e o exercício da cidadania pode ser a chave para uma comunidade escolar mais forte e unida
Uma comunidade escolar ultrapassa os muros das escolas e tem muito a ganhar com o voluntariado. A comunidade encontra a cidade a partir da circulação de pessoas levando e trazendo conhecimentos. Sendo assim, esse ecossistema desenhado por estudantes, educadores, familiares e funcionários representa um espaço para o desenvolvimento da cidadania. Estimular a capacidade de escuta e empatia dentro desse espaço de encontro pode ser a chave para fortalecer a coletividade.
O voluntariado é apenas uma das maneiras de reforçar esses valores, incentivando ações práticas de participação social. Cada vez mais, a escola tem aberto portas para que o trabalho voluntário entre na vida dos estudantes desde cedo. Na escola municipal Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, esse incentivo já é uma realidade há muitos anos.
“Todos podem ser voluntários, mesmo que não estejam envolvidos em uma ação direcionada. Nós ainda temos uma ideia de voluntariado muito assistencialista, mas na verdade trata-se de um compromisso social com a cidadania. O trabalho voluntário é muito mais sobre uma responsabilidade coletiva, um ato político no sentido de fortalecer uma comunidade a partir de uma ação conjunta”, opina Ana Elisa Siqueira, gestora da escola.
Em entrevista para o podcast Educando para Transformar, iniciativa da Fundação Telefônica Vivo e do Estúdio Folha, Ana Elisa conta mais sobre como o projeto político pedagógico da Amorim Lima se materializou com a ajuda de voluntários. A rede é formada por grupos de pais, estudantes, instituições e pessoas interessadas em somar com habilidades e recursos que possam potencializar as experiências oferecidas pela escola.
As ações são variadas. Vão desde ex-estudantes que voltam para oferecer mentoria para os mais novos até mães e pais que se voluntariam para cuidar da biblioteca da escola. A ONG “Educação Cidadã”, criada por iniciativa da comunidade escolar, tem como objetivo projetar essas ações para os demais cidadãos interessados em contribuir com a construção de uma educação pública de qualidade.
Segundo o IBGE, em 2019, 6,9 milhões de pessoas com mais de 14 anos realizaram trabalhos voluntários. Esse total corresponde a apenas 4% da população brasileira. Pensando na importância de educar para a cidadania, o Projeto de Lei nº851 foi proposto com o objetivo de incluir a disciplina Voluntariado e Responsabilidade Social na grade curricular da rede pública, que poderá fazer parcerias com integrantes da Sociedade Civil Organizada. Até agora a proposta foi aprovada pela Comissão de Justiça e Redação e pela Comissão de Educação e Cultura, da ALESP. Para que se torne lei, o Projeto terá de ser aprovado pela Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento e referido pelos deputados.
Vizinhança unida pela educação
A Escola Estadual Fernão Dias Paes, localizada em Pinheiros, contrasta com a realidade do bairro de classe média alta em São Paulo. Os estudantes se deslocam das periferias diariamente e encontram na infraestrutura da escola um reflexo da vulnerabilidade social a qual estão submetidos em casa. Profundamente incomodada com tamanha desigualdade, a empresária Cristina Brand, moradora do bairro há mais de dez anos, articulou uma rede de vizinhos engajados na mudança desse cenário.
Assim surgiu o grupo Voluntários pelo Fernão, que há quatro anos trabalha em parceria com os estudantes, educadores e gestores para encontrar soluções coletivas de acordo com as necessidades da escola. As ações vão desde arrecadação de recursos, melhorias na infraestrutura, até o envolvimento dos estudantes em atividades mão na massa.
“Dentro dessas demandas que recebemos, a gente sempre estabelece o princípio de envolver as crianças e jovens como protagonistas dessas ações. Não é uma tarefa fácil, considerando que a escola atende cerca de 1500 alunos. Mas se vamos construir uma horta, mostramos a eles como podem ajudar. Se vamos revitalizar um espaço, damos oficinas de arquitetura, de reciclagem, tudo isso relacionado com o currículo escolar deles”, relata Tina, como é conhecida pela comunidade.
No áudio abaixo, a voluntária relata uma das primeiras experiências com os estudantes.
Aprendendo a ajudar
Enquanto isso, do outro lado da rua, a escola Lumiar se destaca pela metodologia de ensino democrática, replicada em mais seis regiões brasileiras e em duas cidades no Reino Unido. Os estudantes, em sua maioria moradores do bairro de Pinheiros, aprendem com um currículo baseado em projetos, que são conduzidos por um tutor. Mas a turma da tutora Fernanda Maurer — que reúne estudantes de 6 a 8 anos — surpreendeu ao assumir a responsabilidade pelo projeto Matemática da Doação.
A iniciativa surgiu a partir da inquietação dos próprios estudantes, que queriam ajudar pessoas a enfrentar a pandemia. No segundo semestre de 2020, a pedagoga apresentou a possibilidade de criar uma campanha de arrecadação. Em aula, os estudantes decidiram que seria importante doar cestas básicas. Foi então que conheceram o grupo Voluntários pelo Fernão, que já se mobilizava para suprir uma demanda por alimentos na escola vizinha.
A partir de então, as crianças da Lumiar e os voluntários do bairro passaram a trabalhar juntos. O primeiro passo foi criar a campanha na plataforma Catarse e construir o texto da descrição. Logo depois, as crianças se envolveram na divulgação, fazendo vídeos, mandando o link nos grupos de WhatsApp das famílias e até mesmo pendurando cartazes nas praças públicas do bairro.
A próxima etapa foi estipular um prazo e uma meta de arrecadação, calculando quantas famílias seriam beneficiadas. Por ser uma turma multisseriada, os estudantes foram divididos em três grupos, cada um responsável por uma parte desse cálculo, de acordo com os respectivos níveis de conhecimento. Ao todo, a campanha arrecadou R$5.710,00 e o valor foi suficiente para ajudar 62 famílias da E.E. Fernão Dias Paes.
Para finalizar os três meses de projeto, as crianças foram convidadas a escrever cartas de agradecimento aos doadores e também mensagens de acolhimento para cada família. “Percebi um carinho e uma consideração muito grande por parte deles. Mesmo sem terem tido a chance de fazer a ação presencialmente, as crianças criaram um senso de comunidade e responsabilidade pelo bairro que vai muito além desta ação pontual”, relata a tutora.
Essa perspectiva é confirmada e reforçada pelos próprios estudantes. Nina Abad, 8, conta que a experiência de ajudar uma escola tão próxima a dela fez com que tivesse ainda mais vontade de contribuir com a comunidade. “Se a gente tem o que comer, podemos dar a oportunidade de outras pessoas terem isso também. Acho muito legal que a escola esteja motivando a gente a ajudar as pessoas e aprender ao mesmo tempo”, conclui a estudante.